terça-feira, 31 de julho de 2012

Conheça as novas regras do Código de Trabalho

Regras
Cristina Oliveira da Silva 
31/07/12 10:35
Amanhã entram em vigor as novas regras da lei laboral. O Diário Económico explica-lhe as novidades.
A partir de 1 de Agosto, amanhã, trabalhadores e empresas podem contar com novas regras no Código do Trabalho. Mas apesar da entrada em vigor das alterações à lei, não se pode dizer que o diploma tenha chegado à sua etapa final, tendo em conta que o Governo já garantiu que há mais mudanças a caminho.
Com as novas regras, as horas extra vão render menos, os bancos de horas vão poder ser negociados directamente com o trabalhador e os despedimento por extinção de posto de trabalho ou por inadaptação vão ter regras novas. Quatro feriados serão eliminados, o período máximo de férias vai ser reduzido e faltas injustificadas junto a dias de descanso terão uma penalização maior. Também já se sabe que o Governo vai cortar, mais do que o previsto, as compensações por despedimento legal, o que exige novas mexidas na lei. E, em breve, é de esperar ajustes na redacção do diploma relacionados com o aumento da escolaridade obrigatória.
Pouco depois de ter sido publicado, o Código do Trabalho foi sujeito a uma rectificação, tal como o Diário Económico noticiou. O diploma voltou então a prever (tal como antes) que é considerado ilícito o despedimento por inadaptação que decorra da falta de condições de segurança e saúde, por culpa do empregador.

  • Trabalho mais barato e horários flexíveis
Horas extraordinárias
O pagamento devido pelo trabalho extraordinário vai cair para metade. A primeira hora extra em dia útil será paga com um acréscimo de 25% enquanto as seguintes passam a valer 37,5%. Nos dias de descanso semanal ou em feriado, o trabalhador passa a receber mais 50%. Já o descanso compensatório remunerado desaparece, ainda que se mantenha o descanso diário e o semanal obrigatório. Quer isto dizer que se mantém o descanso compensatório remunerado quando o trabalho suplementar impede o funcionário de gozar o período de descanso diário ou ainda quando este exerce funções em dia de descanso semanal obrigatório (geralmente, o domingo); nestes casos, o trabalhador continua a ter direito, respectivamente, às horas ou ao dia de descanso em falta, remunerados. Nas empresas que não são obrigadas a encerrar nos feriados, quem prestar trabalho normal nesse dia passa a receber um acréscimo de 50% ou a usufruir de descanso compensatório igual a metade das horas trabalhadas. E todas estas mudanças são imperativas. A partir de 1 de Agosto, são nulas todas as cláusulas de contratos de trabalho ou de Instrumentos de Regulamentação Colectiva de Trabalho (IRCT) já celebradas que disponham sobre descanso compensatório em dia útil, dia de descanso complementar ou feriado. Por outro lado, serão suspensas, por dois anos, as cláusulas de contratos de trabalho ou de IRCT que definam valores mais elevados no caso de horas extra ou, ainda, que disponham sobre retribuição (ou descanso) de trabalho normal prestado em feriado nas empresas que não são obrigadas a encerrar nesse dia. Se essas cláusulas não forem entretanto alteradas, ao fim de dois anos o corte para metade aplica-se aos montantes aí previstos. Mas essa redução não pode originar valores inferiores aos previstos no Código do Trabalho.
Banco de horas
O regime de banco de horas poderá ser negociado directamente entre a empresa e trabalhador. Neste caso, o período normal de trabalho pode aumentar até duas horas diárias, atingindo as 50 semanais. Mas as horas extra não podem ultrapassar 150 por ano. Até agora, os bancos de horas só podiam ser definidos por contratação colectiva, embora com limites mais largos. Outra novidade é que este regime poderá ser estendido. No caso dos bancos de horas individuais, o regime poderá abranger os trabalhadores de uma equipa, secção ou unidade económica se 75% dos seus trabalhadores aceitarem. Já no caso de bancos de horas por contratação colectiva, aplicam-se as mesmas regras que já hoje existem na adaptabilidade grupal. Assim, os IRCT que definam bancos de horas poderão prever que o regime seja estendido ao conjunto dos trabalhadores de uma equipa ou secção quando, pelo menos, 60% dos trabalhadores dessa estrutura sejam abrangidos. De qualquer extensão ficam fora os trabalhadores abrangidos por convenções que disponham em sentido contrário ou, no caso do banco de horas por contratação colectiva, os que sejam representados por sindicato que se tenha oposto à portaria de extensão que alarga o regime ao sector. As horas extra podem ser compensadas em dinheiro, descanso ou aumento do período de férias.
  • Menos feriados e dias de férias
Feriados
Vão desaparecer quatro feriados mas só a partir de 2013. Dois são civis (5 de Outubro e 1 de Dezembro) e dois são religiosos (Corpo de Deus e 1 de Novembro). O Governo comprometeu-se com a Igreja a suspender os dois feriados religiosos por apenas cinco anos mas esse prazo não consta do Código do Trabalho. A lei simplesmente elimina as quatro datas.
Férias
No próximo ano também desaparecem os três dias extra de férias que hoje existem ligados à assiduidade. Até agora, os trabalhadores tinham direito a 22 dias garantidos de férias mas, consoante a assiduidade, esse período podia chegar a 25 dias. O corte aplica-se a partir de 2013 porque as férias dizem respeito ao trabalho prestado no ano anterior. Esta redução será imperativa nos casos em que as majorações foram acordadas após Dezembro de 2003, tendo em conta que foi nessa altura que a regra dos três dias extra foi criada. Neste sentido, o diploma prevê que as majorações ao período de férias estabelecidas em contratos de trabalho ou em contratação colectiva já depois de 1 de Dezembro de 2003 sejam reduzidas em montante equivalente até três dias.
Contabilização
A lei também altera o regime de contabilização de férias. Passa então a estabelecer que, sempre que os dias de descanso do trabalhador coincidam com dias úteis, passam a ser considerados como dias de férias os sábados e domingos que não sejam feriados.
Pontes
Além dos períodos já previstos, o empregador poderá encerrar o estabelecimento em dia de ‘ponte' (entre um feriado e o fim-de-semana), mas só a partir de 2013. Nesse caso, o dia desconta nas férias do trabalhador ou este poderá compensar noutra altura o horário que ficou por cumprir. Mas se assim for, essas horas não serão consideradas trabalho extraordinário. Os trabalhadores devem ser avisados até ao dia 15 do ano anterior do encerramento a efectuar no ano seguinte.
Faltas
Quem faltar injustificadamente antes ou depois de dia de descanso, perde o salário correspondente a todos esses dias. Por exemplo, faltar em dia de ‘ponte' implica perder quatro dias de salário.
  • Despedimento vai ter novas regras
Extinção de posto
No caso de despedimento por extinção de posto de trabalho, quando há na secção postos de conteúdo idêntico, a empresa passa a poder definir os "critérios relevantes e não discriminatórios" para determinar os que serão eliminados. Desaparecem assim os actuais critérios relacionados sobretudo com antiguidade.
Posto compatível
Tanto nos casos de extinção de posto como nos de inadaptação, a empresa deixa de ser obrigada a tentar transferir o trabalhador para um posto de trabalho compatível antes de avançar para o despedimento.
Despedimento por inadaptação
O despedimento por inadaptação já podia ocorrer por redução continuada de produtividade ou qualidade, avarias repetidas ou riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores, por culpa do funcionário. Mas com as novas regras, cai um requisito que era obrigatório: o despedimento deixa agora de depender da existência de modificações prévias no posto de trabalho (como as que resultam de novas tecnologias ou de alterações nos processos de fabrico ou de comercialização). A partir de agora, mesmo que não haja modificações no posto, o despedimento pode avançar desde que se verifique "mudança substancial" da prestação do trabalhador e esta se preveja definitiva. E aqui voltam a ser considerados os mesmos conceitos de quebra de produtividade, avarias ou riscos para a segurança e saúde. A empresa tem, neste caso, de informar o trabalhador da apreciação da actividade antes prestada, demonstrando que houve alterações significativas. E, depois, tem de dar "ordens e instruções" ao funcionário sobre a execução das tarefas, para o tentar corrigir. Além disso, mantém-se a obrigação de a empresa prestar formação profissional e de dar um período de adaptação de 30 dias. A necessidade de modificações prévias no posto de trabalho também cai no caso de cargos de complexidade técnica ou direcção - este grupo já estava sujeito a uma segunda modalidade de inadaptação, podendo o despedimento ocorrer sempre que há objectivos acordados e não cumpridos. Mas, nesta situação específica, a alteração à lei só se aplica a metas que venham a ser acordadas depois de Agosto. Recorde-se no entanto, que a lei protege os trabalhadores com capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica das situações de inadaptação. Os trabalhadores que nos três meses anteriores tenham sido transferidos para o posto no qual se verifica a inadaptação, só têm direito a voltar ao posto anterior se este não estiver ocupado definitivamente. Por outro lado, o trabalhador pode solicitar as diligências de prova ao empregador. Além disso, nos casos em que não houve modificações no posto, o funcionário pode denunciar o contrato (com direito à compensação) quando recebe a comunicação da intenção de despedimento.
  • Compensações descem em Novembro
Indemnizações
As compensações por despedimento legal já desceram em Novembro de 2011 e vão voltar a cair em Novembro de 2012. Portanto, na prática, as mudanças só se vão verificar a partir daí. Já existiam dois regimes em vigor: quem começou a trabalhar depois de Novembro de 2011 só tem direito a 20 dias de retribuição base e diuturnidades por ano de casa e a compensação tem um tecto de 12 salários. Já a remuneração que serve de base ao cálculo não pode ultrapassar 20 salários mínimos (9.700 euros) o que significa que a compensação total não pode exceder 116.400 euros. Isto aplica-se a contratos definitivos ou a prazo. Por outro lado, quem foi contratado, sem termo, antes de Novembro de 2011, mantém o direito a um mês de retribuição base e diuturnidades por ano de casa. Não existe tecto máximo e há um pagamento mínimo de três meses. Os contratos a prazo anteriores a Novembro de 2011 têm direito a três ou dois dias de retribuição por cada mês de contrato (até ao período da eventual renovação extraordinária, uma vez que a partir daí aplica-se o novo regime).
Novo corte
As alterações à lei que agora entram em vigor dão um passo na uniformização entre regimes. Para já, o diploma diz que, a partir de Novembro deste ano, as compensações serão iguais a 20 dias de retribuição base e diuturnidades por ano de casa, para todos os trabalhadores (salvaguardando direitos adquiridos). Mas o Governo já acordou com a ‘troika' que, nessa altura, a redução será feita para o valor da média europeia e já se comprometeu a entregar a proposta no Parlamento até Setembro. De acordo com o memorando, a média europeia deverá situar-se entre 8 e 12 dias mas o valor ainda não está fechado com os parceiros sociais. Enquanto o Código não é novamente alterado, o diploma prevê que os trabalhadores contratados até Novembro de 2011 continuem a ter direito a uma compensação igual a um mês de retribuição base por ano de casa (ou igual a três ou dois dias por mês no caso de contratos a termo) a aplicar ao período de trabalho prestado até 31 de Outubro de 2012; já no tempo de trabalho exercido a partir daí, deverá ser calculado 20 dias por ano de antiguidade. È este o valor (20 dias) que será substituído pelo da média europeia. A lei estabelece ainda o pagamento mínimo de três meses no caso de contratos definitivos mais antigos. E uma vez que o diploma passa a instituir um tecto de 12 retribuições base também para contratos anteriores a Novembro de 2011, é preciso distinguir duas situações. Para quem tiver mais de 12 anos de casa (e portanto, direito a mais de 12 salários de compensação), o valor congela a 31 de Outubro de 2012. Ou seja, o montante a que o trabalhador teria direito nesse dia é o que ficará garantido no dia em que for despedido, mesmo que isso aconteça anos mais tarde. O mesmo acontece a quem tiver direito a uma compensação superior a 116.400 euros. Já quem trabalha há menos tempo na mesma empresa, verá as duas parcelas do cálculo acumularem até atingirem o montante de 12 retribuições base. As novas regras são imperativas sobre contratos de trabalho e IRCT já celebrados que prevejam valores mais altos. As alterações prejudicam duplamente contratos a prazo anteriores a Novembro de 2011 (os outros já estão ao abrigo das novas regras) porque a forma de calcular o salário que serve de base à compensação também muda.
Fundo
Para pagar parte das compensações (que se prevê aplicar apenas a contratos iniciados depois de Novembro de 2011), o diploma prevê um "fundo de compensação de trabalho" ou "mecanismo equivalente", também prometido para Novembro (depois de vários atrasos). Enquanto não for criado, o patrão é responsável pela totalidade da compensação.
  • Contratos até 15 dias
Curta duração Os contratos "de muito curta duração", que não estão sujeitos a forma escrita, passam a abranger actividade sazonal agrícola ou realização de evento turístico com duração até 15 dias. Até aqui, o limite era uma semana. Nestes casos, a duração total dos contratos com o mesmo empregador não pode exceder 70 dias de trabalho no ano civil (contra o tecto de 60 dias previsto até agora). Regras do ‘lay-off' mudam
  • Regras do ‘lay-off' mudam
Redução ou suspensão A empresa terá de disponibilizar, para consulta, documentos que justificam a situação de crise. São reduzidos os prazos de decisão e início de execução do ‘lay-off'; aliás, no caso de acordo com os trabalhadores, é possível iniciar logo a medida. Mesmo sem acordo, o ‘lay-off' pode ser prorrogado até seis meses. As empresas que avancem para este regime não podem despedir (com excepções, nomeadamente para contratos a termo) nos 30 ou 60 dias seguintes. O apoio da Segurança Social mantém-se em 70% da compensação retributiva devida ao trabalhador e, em caso de formação, há direito a um incentivo adicional. A empresa só pode recorrer novamente ao regime depois de decorrido período de tempo equivalente a metade do prazo do ‘lay-off' anterior, embora este prazo possa ser reduzido por acordo.
  • Comissão de serviço alargada
Chefia Já hoje há um conjunto de cargos que podem ser exercidos em comissão de serviço, regime que pode terminar sem motivo justificativo (sem barreiras ao despedimento). É o caso de cargos de administração ou equivalente, de direcção ou chefia dependentes da administração ou ainda funções de secretariado pessoal desses cargos. E também já hoje, as convenções colectivas podem prever que o regime de comissão de serviço se estenda a funções que exijam especial relação de confiança (relacionada com aqueles cargos). Agora, as alterações à lei definem que as funções de chefia também podem ser abrangidas pelo regime de comissão de serviço, desde que isso esteja previsto em contratação colectiva. Mas esta novidade só se aplica às novas funções de chefia, iniciadas a partir de amanhã.
  • Trabalhador estudante
Regime Há mudanças no regime de faltas quando está em causa trabalhador estudante abrangido por regime de créditos. Além disto, paralelamente às alterações nas horas extra e no descanso compensatório aplicável ao regime geral, também se prevê que o trabalhador estudante que preste trabalho suplementar só tenha direito a descanso compensatório igual a metade das horas trabalhadas.
  • Negociação descentralizada
Contratação colectiva Quando estejam em causa empresas com, pelo menos, 150 funcionários, as associações sindicais terão a possibilidade de delegar poder de negociação nas estruturas que representam os trabalhadores na empresa (como comissões de trabalhadores). Até agora, esta possibilidade só estava aberta no caso de empresas de maior dimensão, com mais de 500 trabalhadores.
Descentralização Os contratos colectivos de trabalho (que são celebrados entre associações sindicais e patronais) vão poder estabelecer que determinadas matérias (como retribuição, organização de tempo de trabalho e mobilidade geográfica e funcional) possam ser reguladas por outra convenção colectiva, nomeadamente ao nível da empresa.
  • Comunicações e intervalo
ACT As empresas vão deixar de ser obrigadas a comunicar algumas informações à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). É o caso do envio do regulamento interno, da cópia do mapa de horário de trabalho ou do acordo de isenção de horário. Antes de iniciar a actividade, as empresas também deixam de ter de comunicar elementos como o endereço dos locais de trabalho, identificação e domicílio dos gerentes ou o número de trabalhadores.
Intervalo A lei previa a obrigatoriedade de um intervalo de descanso, para impedir que o trabalhador exercesse funções durante mais de cinco horas consecutivas. Agora, o diploma acrescenta que, no caso de períodos de trabalho superior a 10 horas, o intervalo deve impedir seis horas seguidas de serviço.

A auto-estima dos magistrados

A. Marinho e Pinto - hoje

O actual governo feriu profundamente a auto-estima e o amor-próprio dos juízes portugueses, pois, ao retirar-lhes uma parte das suas remunerações, colocou-os ao mesmo nível de qualquer funcionário do Estado. Colocou-os, de facto, num plano de relevância e dignidade inferior ao de outros funcionários que, por uma razão ou por outra, não sofreram essa medida, como, p.e., os do Banco de Portugal. Sublinhe-se, aliás, que, em matéria de supervisão bancária, das decisões dos funcionários do BP se recorre para um juiz. Com essa medida o governo não teve em conta a especificidade das funções dos juízes, mas sobretudo, não respeitou as suas prerrogativas funcionais, designadamente a independência. Como é que um juiz será independente perante um governo que pode alterar tão expeditamente as suas remunerações?
Dir-se-ia que os juízes estão a beber o que eles próprios colocaram no cálice. Foram mais de trinta anos de triunfalismo sindical que incluiu greves às suas funções soberanas, desrespeito dos cidadãos e dos advogados, manifestações públicas de arrogância contra os outros poderes do Estado e mesmo declarações de insubordinação contra algumas leis da República. Comportando-se como funcionários os juízes acabariam tratados como funcionários. Dir-se-ia, então, que eles estão a colher o que semearam. Dir-se-ia, até, que tudo isso é uma questão entre poderes do Estado, com a qual os cidadãos e os advogados nada têm a ver; mas não. Não se trata de pôr na ordem uma classe profissional que perdera o sentido da sua dignidade tradicional. Está em causa a boa administração da justiça que é um valor superior do Estado de Direito e um serviço público essencial à cidadania, ao progresso económico e ao desenvolvimento pacífico da sociedade democrática.
Jamais haverá boa administração da justiça sem juízes independentes e nunca haverá juízes independentes quando o governo lhes puder diminuir assim as suas remunerações. A independência dos juízes não é um direito laboral, muito menos um privilégio corporativo ou pessoal como, infelizmente, muitos deles chegaram a pensar; é uma garantia do Estado de Direito aos cidadãos e à sociedade democrática de que a justiça será administrada de acordo com a lei e o direito sem quaisquer interferências ou dependências de outros poderes ou interesses. Por isso, sem juízes independentes nunca haverá uma justiça digna desse nome.
E ninguém melhor do que os advogados compreende isso, pois também não haverá justiça sem advogados livres e independentes. Aliás, é a parcialidade dos advogados na defesa das causas que patrocinam que exige e reforça a imparcialidade e a independência funcionais dos juízes. Por isso, hoje mais do que nunca, é necessário que os magistrados respeitem os cidadãos e os seus mandatários e se assumam como servidores da justiça e não como donos dela. Num Estado de Direito a justiça não tem donos, tem servidores; e todos - juízes, procuradores e advogados - a devem servir com igual empenho e respeito.
Tal como em outras épocas da nossa história, os advogados terão, hoje, de estar na primeira linha da defesa da boa administração da justiça e, consequentemente, da independência dos juízes. Aliás, foram os advogados que, em 25 de abril de 1974, impediram que a justiça caísse na rua; foram eles que salvaguardaram o sistema judicial das contingências de um processo revolucionário que convulsionou as estruturas do velho Estado Novo; foram eles que protegeram os magistrados dos antigos tribunais plenários da ditadura, permitindo que, apesar dos ignóbeis crimes cometidos, transitassem tranquilamente para os tribunais comuns da democracia sem sequer serem objecto do mais leve juízo de censura.
Dos juízes espera-se agora que meditem e tirem as conclusões do que foi a sua actuação nos 35 anos de democracia e, sobretudo, do facto de terem optado por formas de organização impróprias do seu estatuto funcional. Espera-se que, chegados a esta situação, eles tenham a humildade de aprender com os seus erros e de substituírem a cultura de poder e de arrogância que os tem caracterizado por uma nova cultura de respeito e de serviço público. Só assim serão respeitados numa sociedade democrática.

Comunicado da Presidência da República

A Presidência da República procede à divulgação do seguinte comunicado:

O Presidente da República, tendo tomado conhecimento do comunicado divulgado pelo Governo na passada sexta-feira, dia 27, esclarecendo vários aspectos relativos ao Decreto da Assembleia da República que procede à revisão do regime jurídico do arrendamento urbano – nomeadamente quanto à garantia de que será assegurada a estabilidade contratual e a proteção social dos arrendatários em situação de maior vulnerabilidade –, decidiu promulgar como Lei o referido diploma.
Palácio de Belém, 30 de julho de 2012

Ordens acusam Governo de “grave intromissão” na sua autonomia

Diário Económico | terça-feira, 31 Julho 2012
Proposta aprovada pelo Executivo possibilita ao Ministério Público a abertura de processos disciplinares.
Ana Petronilho e Filipe Garcia
Os bastonários consideram uma “intromissão grave” na autonomia das ordens profissionais a possibilidade do Ministério Público abrir processos disciplinares aos seus membros. Competência que até hoje era atribuída em exclusivo aos conselhos de deontologia. Alterações inéditas previstas na proposta de lei do Governo e que já provocaram a discórdia entre Executivo e os bastonários.
Caso a proposta – aprovada no Conselho de Ministros no passado dia 18 e que deu entrada no Parlamento na semana passada para ser discutida e aprovada na próxima sessão legislativa – não venha a sofrer alterações, as ordens profissionais vão ainda passar a ser tuteladas pelo ministério do respectivo sector. Segundo o artigo 18.º do documento, “o procedimento disciplinar pode ser desencadeado pelos órgãos de governo da associação; pelo provedor dos destinatários dos serviços, quando exista; e pelo Ministério Público”.
O Presidente do Conselho Nacional das Ordens Profissionais (CNOP) e Bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas, Orlando Monteiro da Silva, alerta ao Diário Económico que “a autonomia das ordens é fundamental e o Ministério Público poder interferir nos processos disciplinares dificilmente será aceite pelas diferentes ordens. Vamos reunir para analisar a discussão em pormenor e vamos ser chamados para nos pronunciarmos no Parlamento.”
Também o bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, enfatiza ao Diário Económico que esta é uma regra “inaceitável”, que viola a autonomia das ordens profissionais – que já têm mecanismos disciplinadores contemplados – e levanta duas hipóteses: ou estamos perante “uma nulidade jurídica” ou uma “intromissão grave que não existe nem nas piores ditaduras”. Isto porque “qualquer pessoa pode fazer uma queixa nas ordens que, por sua vez, abrem processos disciplinares aos seus membros”, explica Marinho Pinto. Posição partilhada pelo bastonário da Ordem dos Engenheiros, Carlos Matias Ramos, que considera a norma como “uma intromissão desnecessária na actividade interna de um organismo”.
A proposta do Governo prevê ainda que “a lei de criação de cada associação pública profissional estabelece qual o membro do Governo que exerce os poderes de tutela sobre cada associação pública profissional”, segundo o artigo 45S do documento. Regra com a qual todos os bastonários contactados pelo Diário Económico discordam. “A Ordem dos Advogados não tem tutela e o Governo não pode condicionar a actividade dos advogados”, diz Marinho Pinto que sublinha que estão em causa actividades liberais e que o sector reconhece apenas “duas tutelas: a deontológica da ordem e a dos tribunais”.
Também o bastonário da Ordem dos Enfermeiros, Germano Couto, lembra que “é fundamental salvaguardar a independência do poder regulador das profissões em relação ao poder de qualquer ministério eleito. As profissões reguladas não devem nem podem estar sujeitas ao livre arbítrio político do momento”.
AS PRINCIPAIS MUDANÇAS
• O Ministério Público passará a poder forçar a instauração de processos disciplinares aos membros das diferentes ordens profissionais.
• Os estágios profissionais passarão a estar limitados a 18 meses. Profissões do sector da saúde poderão ter um regime excepcional entre as 15 ordens” profissionais existentes.
• O Governo quer acabar com as limitações de acesso às profissões. Os ‘numerus clausus’ passam a ser proibidos.
• Após a publicação da lei, cada Ordem terá 30 dias para apresentar a sua proposta de revisão dos estatutos. Por sua vez, o Governo terá 90 dias para as analisar e devolver ao Parlamento.

Uma solução para o ‘chumbo’ do Tribunal Constitucional

O CONVIDADO
Diário Notícias | terça-feira, 31 Julho 2012
MIGUEL GRAÇA MOURA
1 O “chumbo” do Tribunal Constitucional (TC) à supressão dos 13.° e 14.° meses de salário na função pública causou muitas perplexidades, que já foram quase todas expostas e comentadas por pessoas de todos os quadrantes. Para além do facto – no mínimo anedótico -de parecer inconcebível declarar-se uma inconstitucionalidade que afinal se pode “suspender por um ano (o que juridicamente não faz sentido nenhum), parece haver grandes dificuldades em encontrar uma solução que respeite o acórdão e ao mesmo tempo não dê cabo da economia – já tão maltratada, para não dizer exangue. Proponho uma solução simples, que a seguir exponho, e uma correcção final, que se me afigura da mais elementar justiça.
2 Pontos de partida: a) é preciso repartir a austeridade portados e não apenas por alguns; b) a economia não suporta mais destruição por redução do consumo interno, que já a está a arrasar; c) a execução orçamental está a correr mal, impondo ir buscar mais receitas ainda este ano (já que as famosas, mas até agora duvidosas, reformas “estruturais” tardam em chegar – se é que chegarão um dia (não houve Governo, desde o 25 de Abril, que não as tenha anunciado, mas nenhum fez nada de substancial neste campo) – e portanto a tão anunciada correcção do défice pela via da despesa não verá tão cedo a luz do dia); d) o trabalho na função pública e no sector privado não é de facto equivalente (salários mais altos na função pública, emprego assegurado, promoções automáticas) – mas também talvez não seja assim tão díspar que não se possa encontrar uma forma” intermédia” de os pôr a ambos a colaborarem solidariamente nesta causa nacional que é também uma necessidade premente.
3 Combinando estes quatro parâmetros, proponho ao Governo que:
a) restitua aos funcionários públicos o 14.° mês já neste ano (2012): o alívio será significativo nas situações dramáticas que já por aí abundam; o consumo reanimará e, com ele, a depauperadíssima economia- o que permitirá arrecadar de novo mais receita fiscal e por essa via reequilibrar o défice;
b) corte-mas só parcialmenteo 14.° mês só aos trabalhadores do sector privado (numa nir em função do necessário para corrigir a derrapagem do défice, tendo em conta que o sector privado emprega muito mais gente do que o público e, portanto, para obter o valor correspondente ao 14.° mês do público será preciso cortar bastante menos): o sector privado será assim chamado a participar solidariamente no esforço nacional e TC deverá ficar satisfeito com a “equidade” restaurada;
c) taxe, ainda este ano, os rendimentos mais elevados do trabalho (digamos, para quem ganha anualmente acima de 250 000): não trará muitos milhões para os cofres do Tesouro, mas dará um sinal simbólico importantíssimo para quem está a sofrer mais com a austeridade brutal que foi aplicada ao País;
d) taxe, ainda este ano, os rendimentos mais elevados para quem vive de rendas do capital (num escalão equivalente): idem. (Enão tenham medo de que o capital se vá embora: todo o que podia ir já foi.); (as alíneas c) e d) também “contentarão” o TC, nomeadamente o seu presidente);
e) institua um imposto sobre as transacções puramente financeiras. Com isto introduzir-se-á um pequeno balão de oxigénio para relançar a economia através do consumo interno, salvar-se-ão muitas pequenas e médias empresas e distribuir-se-á mais justamente o esforço nacional por todos.
4 Para o ano:
a) renegoceie com a troika, agora já no final de Agosto, a extensão do prazo de reequilíbrio do défice, com base no facto de que Portugal é um Estado de direito, pelo que decisões como as do TC não podem deixar ser respeitadas (por muito que a troika concorde ou não com elas), e de que Portugal já fez um esforço brutal para cumprir o acordado, mas a receita está a matar o doente – só por causa da dosagem – e por isso a revelar-se contraproducente;
b) mantenha as soluções expostas no número anterior (corte de só um subsídio dos funcionários públicos e parte dele aos trabalhadores do sector privado), enquanto durar o período de vigência do acordo, e só enquanto a autêntica redução da despesa (que no grosso está por fazer) não permitir restituir os dois subsídios a ambos os sectores;
c) negoceie juros mais aceitáveis (ninguém é “solidário” quando empresta a 3% ou 4 % e os “beneficiados” jamais conseguirão pagar as dívidas, com as economias quase todas estagnadas ou em recessão: sofrerão muito só para pagar os juros, mas o capital em dívida manter-se-á- ou seja, os “assistidos” ficarão sempre na mão dos emprestadores; juros para operações de assistência ou salvamento no interior de uma União Europeia digna desse nome nunca poderiam ser superiores a 1%: já é mais do que qualquer pessoa faz para acudir a um amigo em dificuldades);
d) dedique-se a sério às reformas estruturais: ainda há muitíssima “gordura” inútil e eliminar;
e) mas excepcione desse campo a Educação, a Cultura e a Ciência: estas é que são as áreas-chave em que Portugal poderá obter os instrumentos para a tão apregoada mudança de paradigma da sua economia. Aqui, vai mesmo ser necessário aumentar o investimento público, e muito. (Divisa do Governo de Singapura, uma das economias mais performantes do mundo: “Se acha que a educação é cara, experimente a ignorância.” Diz tudo sobre o sucesso da economia de lá.)
5 A correcção: os 13.° e o 14.° meses dos reformados e pensionistas não poderão nunca ser objecto de redução ou eliminação – é dinheiro que não pertence ao Estado, foi apenas confiado à sua guarda durante décadas pelos trabalhadores e patrões que fizeram os correspondentes descontos. Mexer nele sem o acordo do dono é simplesmente um roubo. É como se alguém andasse a fazer depósitos num banco durante muitos anos e no fim o banco lhe comunicasse que tinha gasto o seu dinheiro. Espanta-me que esta gritante inconstitucionalidade tenha escapado ao TC…
Declaração de interesses: não sou economista nem jurista; estou reformado; não milito em nenhum partido político; (ainda) penso pela minha cabeça, em nome de princípios e não de interesses.

Diário da República n.º 147 (Série I de 2012-07-31)

Assembleia da República
·       Lei n.º 27/2012: Primeira alteração ao Estatuto da Ordem dos Psicólogos Portugueses, aprovado em anexo à Lei n.º 57/2008, de 4 de setembro
·       Lei n.º 28/2012: Aprova o quadro plurianual de programação orçamental para o período de 2013 a 2016
·       Resolução da Assembleia da República n.º 96/2012: Orientações de política europeia
·       Resolução da Assembleia da República n.º 97/2012: Orientações sobre política europeia a serem seguidas por Portugal, designadamente na próxima reunião do Conselho Europeu
·       Declaração de Retificação n.º 40/2012: Retifica a Resolução da Assembleia da República n.º 94/2012, de 25 de julho, que «Recomenda ao Governo a elaboração de uma lista de pequenas e médias empresas que apenas atuam no mercado interno, mas com potencial de internacionalização, no sentido de as orientar para a exportação», publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 143, de 25 de julho de 2012
Presidência do Conselho de Ministros
·       Decreto-Lei n.º 161/2012: Altera a dependência e a composição do Conselho Gestor do Sistema de Certificação Eletrónica do Estado e extingue o Conselho Técnico de Credenciação, procedendo à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 116-A/2006, de 16 de junho, que cria o Sistema de Certificação Eletrónica do Estado - Infraestrutura de Chaves Públicas
Presidência do Conselho de Ministros - Secretaria-Geral
·       Declaração de Retificação n.º 41/2012: Retifica o Decreto Regulamentar Regional n.º 12/2012/M, de 22 de junho, da Região Autónoma da Madeira, que aprova a orgânica da Inspeção Regional do Trabalho, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 120, de 22 de junho de 2012
Ministério da Justiça
·       Decreto-Lei n.º 162/2012: Aprova a orgânica da Secretaria-Geral do Ministério da Justiça
·       Decreto-Lei n.º 163/2012: Aprova a orgânica da Direção-Geral da Política de Justiça
·       Decreto-Lei n.º 164/2012: Aprova a orgânica do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P.
·       Decreto-Lei n.º 165/2012: Aprova a orgânica da Direção-Geral da Administração da Justiça
·       Decreto-Lei n.º 166/2012: Aprova a orgânica do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P.
·       Decreto Regulamentar n.º 46/2012: Aprova a orgânica da Inspeção-Geral dos Serviços de Justiça
Ministério da Economia e do Emprego
·       Decreto Regulamentar n.º 47/2012: Aprova a orgânica da Autoridade para as Condições do Trabalho

De alguns Tribunais e Ministério Público (D.R. n.º 147, Série II de 2012-07-31)

Tribunal Constitucional
·        Acórdão n.º 384/2012: Pronuncia-se pela ilegalidade do referendo local que a Assembleia Municipal de Barcelos deliberou aprovar, na sua sessão de 22 de junho de 2012, sobre a reorganização administrativa territorial autárquica prevista na Lei n.º 22/2012, de 30 de maio
Tribunal Central Administrativo Norte
·        Despacho n.º 10256/2012: Fixa suplemento remuneratório pelo exercício de funções de secretariado
Tribunal da Relação de Lisboa
·        Despacho (extrato) n.º 10257/2012: Grupo de trabalho para a informatização da Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa, a partir de 1 de setembro
Conselho Superior da Magistratura
·        Despacho (extrato) n.º 10258/2012: Aposentação/jubilação de juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça

Jornal Oficial da União Europeia (31.07.2012)

L (Legislação): L203 L204
C (Comunicações e Informações): C228 C228A C229

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Vital Moreira

Constituição a pedido

O presidente do BPI, Fernando Ulrich, já classificara a decisão do TC que confirmou a inconstitucionalidade dos confiscos dos subsídios de férias e Natal a funcionários públicos e pensionistas de "negativa", "perigosa" e "inaceitável". Agora é o presidente do BCP, Nuno Amado, a clamar que foi "uma decisão muitíssimo infeliz".
A banca (falta conhecer a opinião de Ricardo Salgado, do omnipresente BES, para o ramalhete ficar completo) não só tem enormes responsabilidades na crise como tem sido beneficiária da maior parte dos sacrifícios que, a pretexto dela, vêm sendo impostos aos portugueses. Mas a banca quer mais do que o seu financiamento com a "ajuda" que a 'troika' cobra ao país em desemprego, fome e miséria ou do que a destruição do SNS que alimenta os seus negócios na Saúde, a banca quer também uma Constituição "sua", já que a Constituição da República se revela, pelos vistos, "negativa", "perigosa", "inaceitável" e "muitíssimo infeliz" para os seus interesses.
Nem Ulrich nem Amado o escondem: "É premente alguma revisão da Constituição" (Amado), e a decisão do TC pode "justificar a discussão de uma revisão constitucional, o que até seria positivo" (Ulrich).
Numa democracia que cumprisse os serviços mínimos, os desejos de dois banqueiros valeriam apenas dois votos. Não tardará que vejamos quanto valem num regime do género "que se lixem as eleições".

Reorganizar

Correio Manhã | segunda-feira, 30 Julho 2012
RUI CARDOSO
PRESIDENTE DO SINDICATO DOS MAGISTRADOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Um dos maiores pecados da reforma da organização judiciária de 2008 foi a ausência de visão sobre o específico papel do Ministério Público (MP) no funcionamento da Justiça e, assim, da forma como deve estar organizado. A actual reforma não pode repetir tal erro. Há que definir um rumo e responder desde já a muitas questões: que funções devem caber ao DCIAP e que recursos lhe devem ser alocados? Como se organiza e coordena a investigação da grande criminalidade? Devem ser instalados os Departamentos de Contencioso do Estado, com imediatas repercussões nas áreas cível e administrativa? Devem
ser criados departamentos multidisciplinares para abordagem unitária de alguns problemas complexos (urbanismo, ambiente, etc.)? Devem ser criadas coordenações nacionais por jurisdições?
As respostas a estas e muitas outras questões não poderão ficar para mais tarde, no quadro de uma (prometida) revisão profunda do Estatuto do MP sob pena de, nessa altura, se poder concluir que tudo aquilo que agora se implementou está desadequado ou que já não estão disponíveis os quadros de magistrados necessários a essa revisão. As bases desse caminho têm de ficar definidas desde já.

Tribunal Constitucional: Os juízes contra-atacam

Público | segunda-feira, 30 Julho 2012
Como é que um conjunto de circunstâncias permitiu ao Tribunal Constitucional carimbar a inconstitucionalidade do corte dos subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos e reformados? É o que neste texto se procura apurar
Pedro Lomba
À esquerda os juízes do Tribunal Constitucional são hoje heróis nacionais. À direita dizse que o tribunal cometeu um grave erro jurídico e económico. “O acontecimento político mais grave dos últimos meses”, segundo Fernando Ulrich. Certa ou errada, esta decisão nasceu de um contexto. Eis o que importa apurar: como é que um conjunto de circunstâncias, incluindo uma reviravolta de alguns dos seus juízes, permitiu ao Tribunal Constitucional carimbar a inconstitucionalidade do corte dos subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos e reformados.
Quando Pedro Passos Coelho e o presidente do Tribunal Constitucional (TC), Rui Moura Ramos, se envolveram numa troca inédita de reprovações em torno do acórdão do TC sobre o corte dos subsídios de férias e de Natal, o país inteiro deve ter ficado aturdido. Não, não era António José Seguro medindo forças com Passos Coelho. Era o institucional Rui Moura Ramos, que, para evitar que acusassem o TC de ter aberto a porta a uma austeridade mais dura para todos – não por acaso, o PCP fez logo essa crítica -, achou que devia dar uma entrevista à imprensa. Moura Ramos lamentou que Passos tivesse reagido “a quente” no dia em que o acórdão foi tornado público, quando afirmou que iria estender os cortes ao sector privado. Ao mesmo tempo, o presidente do TC aproveitou para instruir que uma leitura do acórdão centrada na comparação entre sacrifícios do público e do privado era “errada”, visto que o acórdão distingue sim entre “titulares de rendimentos”, o que foi logo visto como uma sugestão para se taxar os rendimentos de capital.
Quem conhece a contenção e o zelo judicial de Moura Ramos sabe que estas não foram declarações comuns. Moura Ramos disse uma vez que o TC “funciona como contrapoder que tem de dizer não à maioria que legisla”. Agora estava a fazer mais que isso. A esquerda da esquerda aplaudiu. Passos Coelho respondeu, com um tom mais agressivo do que lhe tem sido habitual: “Podemos entender estas declarações como sendo de alguém que está de saída e não como de alguém que, durante todo o tempo, não confundiu a presidência do TC com o espaço de discussão pública.”
Os acórdãos do TC são em regra identificados por número, barra e ano; e com o nome do relator que marca a autoria de cada decisão. Isto ajuda à sua invisibilidade quase apolítica. Mas o acórdão que declarou a inconstitucionalidade dos cortes dos subsídios não vai ficar conhecido como o 353 de 2012. É uma decisão carregada de ousadia e consequências políticas, atingindo aquilo a que temos vindo a chamar o nosso “estado de emergência financeira” e a margem de manobra de um governo para cumprir o programa da troika e ajustar a despesa do Estado.
Juízes, sindicatos da função pública, o grosso da esquerda encararam o acórdão como a prova de que a Constituição está viva, contestando só que o TC tivesse deixado intactos os cortes de 2012. Outras vozes foram discordantes. O constitucionalista Vital Moreira crismou esta decisão no seu blogue como “inconvincente” por comparar aquilo que não é comparável: o peso dos funcionários públicos e privados na despesa pública. Paulo Mota Pinto, um ex-juiz do TC e também professsor de Direito, apelidou a decisão como “um passo de activismo judiciário, ao arrepio de uma tradição de self-restraint que caracterizava no controlo segundo os princípios da proporcionalidade e da igualdade a jurisprudência do TC”.
Raras vezes o topo do poder judicial e o poder executivo se confrontam desta maneira acesa. E, quando isso sucede, o direito constitucional pode ser apenas um pormenor. O contexto pode ser mais decisivo para perceber uma decisão. Mas que contexto? Neste último ano, a forma como o Governo se agarrou no debate público à noção de emergência financeira, a intervenção crítica do Presidente, as cedências na Concertação Social, a radicalização ideológica de uma parte do PS contra Seguro, a anterior jurisprudência do TC sobre o mesmo estado de emergência financeira, a força contestatária de certas corporações públicas, as vicissitudes internas do próprio TC, o comportamento pretérito e presente dos juízes, todos estes pontos podem ajudar a compreender esse contexto.

Passos Coelho pertence a uma geração no PSD que gostaria que a Constituição fosse mais flexível e aberta. Logo após assumir a liderança, quis que fosse apresentado um projecto de revisão constitucional arrojado e, por vários motivos, falhado. Nos meses que leva a executar o acordo com a troika, Passos referiu muitas vezes que estamos em tempo de emergência financeira. Não foi o único. Cavaco Silva também. Ao usar a linguagem da excepção, Passos não pretendia apenas alertar para a gravidade das contas públicas. O estado de emergência justificava mais sacrifícios do que o normal e atribuía ao Governo mais liberdade de acção para responder aos problemas de tesouraria do Estado. O poder executivo é sempre o principal “reforçado” num cenário de crise.
Na verdade, porém, não foi Passos Coelho o único responsável pelo discurso de emergência. O discurso começou antes, de facto, com a apresentação dos PEC de Sócrates. E contou, em dois momentos, com a significativa caução do próprio TC. O primeiro, em 2010, quando Sócrates criou um novo escalão de IRS sujeito à taxa de 45%. Eram medidas temporárias e retroactivas. Nesse acórdão (o 399) relatado pela conselheira Ana Maria Martins justificouse a retroactividade do imposto por se tratar de “obtenção de receita fiscal para fins de equilíbrio das contas públicas”, com “carácter urgente e premente e no contexto de anúncio das medidas conjuntas de combate ao défice e à dívida pública acumulada”.
Um ano depois, em plena odisseia dos PEC (o terceiro), o TC é novamente chamado para decidir sobre a constitucionalidade de medidas do Orçamento para 2011: os cortes salariais de funcionários públicos e outros agentes do Estado, incluindo magistrados. O tema dos cortes pode ser um tema bicudo. Mas neste acórdão (o 396 de 2011), relatado por Joaquim Sousa Ribeiro, outro académico, o tribunal mais que viabilizou um entendimento alargado da emergência financeira. Não só a redução de salários era uma medida de interesse público face à situação do país, como o TC afirmava que o princípio da igualdade perante a repartição dos encargos públicos não era violado.
“Quem recebe por verbas públicas não está em posição de igualdade com os restantes cidadãos, o sacrifício adicional que é exigido a essa categoria de pessoas não consubstancia um tratamento injustificadamente desigual”, admitia o TC. “Não há variáveis neutras”, saber quais as medidas adequadas “foi e continua a ser objecto de intenso debate político e económico”, não cabendo ao TC “intrometer-se nesse debate”, pelo que “não havia razões de evidência” e dentro de “limites do sacrifício” para concluir pela inconstitucionalidade.
Votaram a favor deste acórdão nove juízes: Joaquim Sousa Ribeiro, Ana Maria Martins, Catarina Sarmento e Castro, Borges Soeiro, Vítor Gomes, Carlos Cadilha, Maria João Antunes, Gil Galvão e Rui Moura Ramos. E três votaram vencidos: Pamplona de Oliveira, Cunha Barbosa e Cura Mariano.
As decisões do TC não são decisões de um típico tribunal que só precisa de lidar com o caso concreto. Têm consequências institucionais, sinalizando ao Parlamento e ao governo, aos órgãos de soberania que fazem leis, aquilo com que podem ou não contar do TC. O facto é que, ao legitimar os cortes salariais de Sócrates, o TC estava compreensivelmente a dizer ao Governo – a qualquer governo – que só tencionava intervir numa situação excepcional de sacrifício evidente dos trabalhadores públicos. Estava assim a conferir ao Governo a principal responsabilidade pela condução da política de emergência.
Então, o que mudou?
Excelente pergunta, para a qual será inútil procurar uma só resposta. Dentro do TC há sempre duas divisões: primeiro, entre os juízes indicados pelo PS e os indicados pelo PSD; segundo, entre os juízes de carreira e os outros. Isto não é matemática; não significa que os juízes sejam previsíveis e amestrados nas suas decisões. Mas ajuda a antecipar, nalguma medida, aquilo que cada um pode decidir sobre temas politicamente controversos e ajuda ao equilíbrio de tendências. Não é absurdo pensar que os juízes de carreira costumam ser mais sensíveis a questões de estatuto público, ou os juízes mais conservadores a temas de costumes.
Entretanto, em Maio de 2011 Sócrates subscreve o programa de assistência com a troika. Em Junho, o PSD vence as eleições. Apesar de Passos ter prometido que não cortaria os subsídios, a execução orçamental derrapa. É o Verão dos “desvios colossais” e dos “buracos” da Madeira e do BPN. A 15 de Outubro, na apresentação do Orçamento para 2012 Passos avisa publicamente que vivemos momentos de emergência nacional e anuncia o corte dos subsídios a funcionários públicos e pensionistas e todo um pacote de medidas de austeridade. Esse pacote previa, por exemplo, mais impostos e mais meia hora de trabalho para os privados. Vítor Gaspar afirma que a alternativa seria despedir 100 mil funcionários públicos.
É então que Cavaco Silva, que precisa desse afastamento, resolve distanciar-se de Passos Coelho. Apanhado pelos jornalistas, o Presidente deixa um alerta que serve de combustão. Para Cavaco, o corte dos subsídios de férias e de Natal consistiria numa violação do princípio da equidade fiscal. Passos Coelho não pode ter gostado do que ouviu. O Orçamento, todavia, é aprovado e promulgado sem que Cavaco suscite a fiscalização preventiva. Só que, de imediato, as críticas aos cortes ganham cada vez mais peso.
A decisão do TC sobre os cortes salariais de Sócrates foi recebida com grande rejeição nos sindicatos da função pública, magistrados, professores. O TC não é uma instituição benquista nalgumas magistraturas. Crescem os ataques ao TC, acusado de “suspender a Constituição”. Em Novembro, a caminho do congresso de juízes, o presidente da associação, António Martins, classifica o corte de subsídios como um imposto confiscatório, esperando que os juízes não o apliquem e acusando o Governo de impor um estado de emergência inconstitucional.
A ideia de pedir a fiscalização sucessiva da constitucionalidade começa a ganhar mais defensores. O PS parte-se em dois. Um grupo de deputados, conotados com a ala mais à esquerda, ameaça promover a fiscalização sucessiva do corte dos subsídios. Nesse grupo estão alguns deputados mais conhecedores das questões constitucionais, como Vitalino Canas, Pedro Delgado Alves ou Isabel Moreira.
No início de Janeiro, o Governo deixa cair na Concertação Social o aumento da meia hora para os trabalhadores privados. Carvalho da Silva declara vitória. Na abertura do ano judicial, as corporações da Justiça disparam. Marinho Pinto protesta contra o Governo por isentar dos cortes os funcionários do Banco de Portugal mas não os magistrados. Como sempre, o discurso incendiário vem do presidente do STJ que resolve abordar o tema. Para Noronha do Nascimento, sem direitos adquiridos regressamos “ao tempo das ocupações, das autogestões ou do confisco”. No final de Janeiro, deputados do Bloco e do PS apresentam no TC o pedido de fiscalização abstracta sucessiva do corte de subsídios. O requerimento invoca expressamente a violação de três princípios constitucionais: confiança, proporcionalidade e igualdade.
A fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade pode ser pedida a todo o tempo. O facto de ser sucessiva significa que o TC é chamado a analisar a constitucionalidade de normas que já estão em vigor. O facto de ser abstracta quer dizer que o TC tem apenas que decidir se a regra é compatível ou não com a Constituição, independentemente da sua aplicação em litígios concretos, podendo anular retroactivamente opções legislativas do Parlamento ou do governo. Por isso, a sequência destes processos é mais complexa, já que está em causa a formação da vontade de um colectivo de juízes perante o poder legislativo. O presidente do TC recebe o pedido e prepara um memorando inicial em que identifica os pontos mais importantes, distribuindo-o pelos juízes. Depois, o memorando é sujeito a debate e votação entre os juízes, fixando-se a orientação a defender pelo tribunal. Finalmente, o processo é atribuído por sorteio a um juiz relator.
Em circunstâncias normais é esta a sequência. Acontece que a fiscalização sucessiva do corte dos subsídios foi embrenhada noutro problema: a renovação da composição do TC. Rui Moura Ramos está, de facto, de saída do TC, como disse Passos Coelho. O que não disse foi que Moura Ramos, e mais três juízes, estão de saída há meses. Durante a primeira metade do ano, o presidente do TC esperou pacientemente que a Assembleia resolvesse a eleição dos novos juízes, processo que se embrulhou quando PS e PSD avançaram com nomes que não colheram consenso ou que não tinham condições para ser eleitos. As notícias sobre o processo de fiscalização do corte dos subsídios sugeriam que a decisão estaria dependente da nova composição do TC. Em Abril, em entrevista ao Sol, Moura Ramos esclarecia “não fazer sentido apresentar o projecto de decisão para discussão, quando está em vias a alteração da composição do tribunal”. “Deverá ser decidido pelo meu sucessor. Espero que em Junho.”
Era possível ver aqui duas declarações relevantes. Primeiro, é possível, mas não certo, que Moura Ramos já soubesse que a inclinação do tribunal seria a favor da inconstitucionalidade, mesmo não tendo havido qualquer votação interna. É possível pois, embora teoricamente a decisão pudesse ser tomada no final do ano – e era o que poderia ter acontecido, se a posição maioritária fosse a favor da constitucionalidade -, que ao anunciar a decisão para Junho Moura Ramos estivesse a desvelar um pouco o seu sentido, já que o TC não poderia declarar a inconstitucionalidade depois do Verão, quando o Orçamento para 2013 já estivesse a ser preparado. Segundo, Moura Ramos preferia que fosse a futura composição do TC e o seu sucessor a resolver o assunto.
Pode haver vários motivos para essa preferência. Talvez Moura Ramos não desejasse hostilizar o Governo; talvez quisesse defender o seu tribunal de uma decisão que seria sempre lida como uma inversão relativamente à jurisprudência anterior; talvez achasse que uma decisão com este peso precisaria de ser tomada por um tribunal com nova legitimidade e outro presidente. Se tudo isto for correcto, a verdade é que os “cálculos” de Moura Ramos saíram furados. Os partidos não desbloquearam a nomeação dos novos juízes do TC. Assunção Esteves “vetou” Conde Rodrigues, o processo arrastou-se. A 21 de Maio, sabe-se que o processo de fiscalização sucessiva iria finalmente avançar. Moura Ramos achou que não podia esperar mais pelos novos juízes, que só foram eleitos a 29 de Junho.
A 5 de Julho, com surpresa, o TC declara a inconstitucionalidade dos cortes, alegando violação do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos. João Cura Mariano, juiz de carreira eleito em 2007 por indicação do PSD, acabou
Votaram a favor nove juízes: João Cura Mariano, Ana Maria Martins, Joaquim de Sousa Ribeiro, Maria João Antunes, Carlos Cadilha, Gil Galvão, Catarina Sarmento e Castro, Carlos Pamplona de Oliveira, Cunha Barbosa. Votaram contra Maria Lúcia Amaral, Rui Moura Ramos, Vítor Gomes. Quando se comparam as votações individuais deste acórdão com as de 2011, verifica-se que três juízes da ala “direita” e também juízes de carreira foram coerentes no sentido da inconstitucionalidade (Cura Mariano, Cunha Barbosa e Pamplona de Oliveira). Outros dois (ou três, visto que Maria Lúcia Amaral não participou na votação de 2011) foram também coerentes no sentido da constitucionalidade: Rui Moura Ramos e Vítor Gomes, embora com motivos próprios. Já Ana Maria Martins, Joaquim Sousa Ribeiro, Maria João Antunes, Catarina Sarmento e Castro, Carlos Cadilha e Gil Galvão, tendo votado pela constitucionalidade em 2011, passaram-se para o lado da inconstitucionalidade em 2012. Cadilha é juiz de carreira, Galvão um jurista vindo do Banco de Portugal, os restantes são académicos. Curioso ou não, todos foram indicados pelo PS.
O princípio da igualdade na tal perspectiva da repartição dos encargos públicos é frequentemente invocado, não para justificar uma igualação algo arbitrária entre o sector empregador público e privado, mas para fundamentar outro princípio de direito: a responsabilidade civil do Estado por actos lícitos. Mas o TC aproveitou aqui para estender essa lógica em benefício de funcionários públicos e pensionistas, tratados discutivelmente como uma só categoria, e entrando num terreno novo e escorregadio para os limites institucionais de um tribunal constitucional.
Devem os juízes constitucionais pretender “interpretar” a opinião pública para conduzir a sociedade em escolhas políticas fundamentais? Devem formular julgamentos subjectivos de igualdade proporcional sobre uma realidade económica que desconhecem? Não creio. Mas: se o Governo tivesse mostrado mais modéstia executiva na invocação da excepção financeira, teria recebido igual modéstia judicial do TC? Se o TC não tivesse dado sinais em 2011 de que não se intrometeria no debate político-económico, teria o Governo avançado com o corte dos subsídios como avançou? Se PS e PSD não tivessem atrasado a eleição dos novos juízes, teria a nova composição feito algo diferente? Se Passos Coelho não tivesse deixado cair o aumento de meia hora, iria o TC dizer que o sector público estava a ser sobrecarregado? Se os titulares de funções de soberania, como os magistrados, tivessem sido excluídos dos cortes, teriam os juízes que votaram em 2011 pela constitucionalidade mudado de posição? Se o pedido de fiscalização não tivesse partido sobretudo de deputados desalinhados do PS, faria alguma diferença? Nunca saberemos. Este texto destina-se só a pensar que estas dúvidas contrafactuais não são e não foram, neste contexto, irrelevantes.
Pedro Lomba é jurista e cronista regular do PÚBLICO

1974. O dia em que os portugueses deram o salário à Nação

i | segunda-feira, 30 Julho 2012
Acórdão do TC obriga governo a encontrar 2 mil milhões
Não é inédito em Portugal os trabalhadores do Estado receberem parte do vencimento em obrigações do tesouro ou certificados de aforro, como alguns juristas já começam a defender para resolver os dois mil milhões de euros que o governo vai ter de encontrar para pagar os subsídios de Natal e de Férias do próximo ano.
Aconteceu quando Mário Soares era primeiro-ministro e houve até uma situação ainda mais radical. A 6 de Outubro de 1974, e com o apoio da Intersindical, dezenas de milhar de trabalhadores decidiram oferecer o seu dia de salário aos desempregados ou pessoas com vencimentos em atraso. Na altura era primeiro-ministro Vasco Gonçalves e o Partido Comunista apoiou a iniciativa.
Hoje os tempos são outros e a solidariedade dos portugueses, ainda que grande, é mais direccionada para ajudar pessoas em dificuldades e não para apoiar o Estado a resolver as contas públicas.
O acórdão do Tribunal Constitucional, que obriga à reposição dos subsídios de férias e Natal aos funcionários públicos em 2013, trouxe uma nova dor de cabeça ao governo, em particular ao ministro das Finanças, que já está a preparar o novo Orçamento de Estado.
Vítor Gaspar já pediu a todos os ministros para reduzirem ainda mais a despesa dos gabinetes, apesar dos tectos de cada ministério já terem sido aprovados em Abril e enviados para Bruxelas.
Quanto ao pagamento dos subsídios no próximo ano, está em estudo, até por juristas ligados aos sindicatos, que o mesmo seja feito quer através de obrigações do tesouro quer de certificados de aforro, admitindo-se ainda um novo corte nos vencimentos dos funcionários públicos. M.B.S.

Diário da República n.º 146 (Série I de 2012-07-30)

Presidência da República
·        Decreto do Presidente da República n.º 107/2012: É fixado, de harmonia com o artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 267/80, de 8 de agosto, na redação dada pela Lei Orgânica n.º 2/2000, de 14 de julho, o dia 14 de outubro de 2012 para a eleição dos deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores
Ministério da Educação e Ciência
·        Portaria n.º 225/2012: Cria os Cursos Básicos de Dança, de Música e de Canto Gregoriano dos 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico e estabelece o regime relativo à organização, funcionamento, avaliação e certificação dos cursos, bem como o regime de organização das iniciações em Dança e em Música no 1.º Ciclo do Ensino Básico
Região Autónoma dos Açores - Assembleia Legislativa
·        Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores n.º 26/2012/A: Recomenda ao Governo da República que crie um regime tarifário especial e transitório nos serviços de acesso à Internet nas ilhas das Flores e do Corvo

domingo, 29 de julho de 2012

O Joker da crise

Sentir o Direito
Por: Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
Quando pensamos com angústia nos crimes praticados em Denver, na estreia do último filme da saga Batman, questionamos o significado da identificação do suspeito com o Joker. Sabemos que ambas as personagens de banda desenhada são inviáveis e desumanas: Batman tem poderes ilimitados para defender o bem; o Joker é absoluta e caricaturalmente mau.
Quem não consiga imitar Batman – e ninguém o consegue – pode ser tentado, doentiamente, a imitar o Joker. O Joker aproxima-se daquele mal radical que Kant concebia como o reverso do bem absoluto. Ele pretende ser o criminoso em estado puro, procurando o mal pelo mal. Porém, não consegue ser convincente nessa procura e revela-se infantil, frágil e ridículo.
No caso dos homicídios de Oslo, o primeiro-ministro norueguês mostrou bem que nada mudou na cultura do seu país, apesar da devastação do mal e da dor da comunidade. O primeiro aniversário desses crimes hediondos foi celebrado como dia da memória das vítimas e do triunfo do modo de vida livre e tolerante, que o assassino, Anders Breivik, quis pôr em causa.
O assumido Joker norte-americano, James Holmes, um doutorando em neurociência de 24 anos, também não tem o mundo a seus pés, apesar dos doze homicídios de homens, mulheres e crianças. Ele só chama a atenção para o efeito que certas metáforas podem exercer em mentes perturbadas, enquanto pergunta aos guardas prisionais o final do filme que o inspirou.
É pertinente citar, a este propósito, o filósofo e psiquiatra alemão Karl Jaspers, que via na loucura um modo específico de absorver os quadros culturais de cada época. Se não tivesse encarnado o Joker, o assassino de Denver teria recorrido a qualquer outra personagem para dar uma justificação estética ao mal que praticou e o tornar aceitável aos seus próprios olhos.
A necessidade de encenação revela que o mal se horroriza consigo mesmo. Por isso, surge associado a expressões artísticas. No ‘Triunfo da vontade’, que prenunciou os horrores do nazismo, Hitler emerge de uma coreografia impressionante ao som do ‘Rienzi’, de Wagner. Na ‘Laranja mecânica’, Alex congemina as piores patifarias ouvindo a nona de Beethoven.
O bem é mais discreto mas muito mais eficaz do que o mal. Personalidades marcantes do século XX como Gandhi, Martin Luther King, Mandela ou Madre Teresa de Calcutá deixaram--nos uma herança inalienável de humanidade e amor pela paz. Em tempos de crise, o mal é o que nos impede de agir e permite que seja um Joker a decidir o nosso destino.

Procurador apaixonado

Por: Magalhães e Silva, Advogado
Está aberta a luta pela sucessão do PGR, em Outubro próximo, com Paula Teixeira da Cruz a reiterar, no passado fim-de-semana, a convicção de que o substituto de Pinto Monteiro deverá ser alguém que ame o Ministério Público.
Ora, se amar o MP significar isenção e imparcialidade; se amar o MP comportar o fortalecimento dos vários patamares da sua hierarquia; se amar o MP se traduzir em pegar na pena e dar a cara por instruções genéricas aos magistrados da corporação, ou atravessar-se com instruções concretas sobre um processo, quando legalmente possível e a situação o exija; se amar o MP for de par com o respeito pela colegialidade de governo que o Conselho Superior do MP traduz, e com propostas para que a representatividade dos magistrados que o integram seja independente da estrutura sindical; se amar o MP comportar a exigência de subordinação da PJ a esta magistratura; se, finalmente, amar o MP for sinónimo de sã convivência com o respectivo sindicato, então venha quem ame o MP, sem estar na puridade da ministra. Para evitar equívocos!

sábado, 28 de julho de 2012

‘Empresas’ municipais

Expresso/Economia - sábado, 28 Julho 2012
Daniel Bessa

A Assembleia da República aprovou, na passada quarta-feira, o novo regime jurídico da actividade empresarial local. Portugal tem cerca de 400 empresas municipais. A criação de muitas destas empresas justificou-se, e a sua existência continua a justificar-se, hoje, inteiramente. Mas o mesmo não acontece com muitas outras, cerca de metade, numa primeira avaliação. Há ‘empresas’ municipais que não têm nem produto nem clientes; dizem-se empresas mas não vendem nada a ninguém, não tendo quaisquer receitas próprias.
A criação de todas estas empresas teve quase sempre como objetivo a introdução de flexibilidade na administração municipal. Reconheceu-se, em público, muitas vezes, que visavam contornar a rigidez das regras da administração pública, a sua complexidade e a sua excessiva carga burocrática — de facto, um problema.
Acontece, como em quase tudo na vida, que os fins não justificam todos os meios, e que a perversão acompanha os melhores objetivos. Sem produto, nem clientes, nem vendas, estas ‘empresas’ serviram para coisas extraordinárias.
Permitiram contratar pessoal sem critério. Permitiram pagar salários, de novo, sem critério. Permitiram atribuir subsídios e trocar favores. Permitiram burlar as regras que condicionam a administração autárquica, nomeadamente na frente financeira, e fugir aos limites de despesa e de endividamento que regulam a vida das autarquias. Muitas vezes, embora nem sempre, os responsáveis autárquicos que as criaram passaram a acumular, nessas empresas, uma segunda remuneração. Chamam-lhes empresas, mas são tudo menos empresas.
A proposta de lei acabada de aprovar põe fim a esta situação: empresa municipal que não tenha um mínimo de receitas próprias tem de ser extinta (pelos órgãos próprios do município ou municípios que a criaram). Pode não estar, e muitas vezes não estará, em causa a bondade e mesmo o interesse público da atividade que desenvolve; acontece, apenas, que essa atividade não pode ser levada a cabo sob forma empresarial.
Um bom pai de família ou um homem razoável (princípios aferidores de todas as coisas, respetivamente, no direito romano e no direito anglo-saxónico) não poderão deixar de estar de acordo com esta alteração legislativa. Como não poderão deixar de estar de acordo com as exigências de transparência que a mesma veio impor a toda a administração empresarial local. Admiti, por momentos, que poderíamos estar todos de acordo com a aprovação desta nova lei. Não foi o caso. O STAL veio a público enunciar a sua “preocupação”.
A ANMP manifestou dúvidas sobre a ingerência da Administração Central no que considera os direitos do poder local, e informou que irá pedir a verificação da “constitucionalidade” da lei (oferecendo ao Tribunal Constitucional a oportunidade única de, desta vez, declarar inconstitucional uma deliberação da Assembleia da República que exige a extinção de empresas… que não são empresas). No Parlamento, os Verdes, o PCP, o Bloco de Esquerda e três deputados do PS votaram contra.

Jornal Oficial da União Europeia (28.07.2012)

L (Legislação): L202
C (Comunicações e Informações): C226 C227

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Os direitos das vítimas contra os direitos dos arguidos

Francisco Teixeira da Mota
Escrever direito
Savannah Dietrich é uma jovem norte-americana de 17 anos de idade que, numa festa, bebeu de mais e perdeu a consciência.
Dois jovens seus conhecidos, igualmente menores, aproveitaram para abusar sexualmente de Savannah e fizeram circular fotografias da jovem nua pelos telemóveis de alguns colegas da escola.
O caso foi levado a tribunal e os jovens confessaram-se culpados de um crime de abuso sexual em primeiro grau e outro de voyeurismo, tendo chegado a um acordo com o tribunal que não foi divulgado publicamente mas que não incluiu pena de prisão. A juíza que presidiu à audiência proibiu a divulgação do conteúdo da mesma e que o nome dos jovens fosse divulgado sob pena de multa e prisão. Savannah, insatisfeita, passou ao ataque e, há dias, no Twitter, escreveu o nome dos dois rapazes, acrescentando: “Já está, agora prendam-me. Eu não protejo quem fez da minha vida um inferno vivo”.
Os advogados dos jovens atacantes apresentaram, então, uma queixa por desobediência à ordem judicial (contempt of court), pretendendo a punição de Savannah, já que a divulgação dos nomes dos seus jovens clientes poderia causar-lhes “problemas para toda a vida”. A mediatização do conflito alterou os dados do problema e a equação judicial: num só dia, foram recolhidas online 62.000 assinaturas em defesa de Savannah e do seu direito a dizer publicamente quem a tinha atacado. Os órgãos de comunicação social locais e nacionais divulgaram a situação, sublinhando o absurdo da mesma: Savannah corria o risco de ser julgada e condenada em pena de prisão enquanto os seus atacantes permaneciam em liberdade e surgiam na posição de vítimas!
Os advogados dos jovens, sensatamente, recuaram e retiraram a queixa. É certo que o próprio tribunal, tendo tomado conhecimento da desobediência, poderia iniciar um processo contra Savannah, mas, tendo em conta as circunstâncias do caso, tal não era provável. Pelo seu lado, os advogados de Savannah Dietrich esforçam-se agora pela revogação da ordem judicial que impede a jovem de se referir publicamente ao caso por a mesma ser demasiado genérica.
O caso é analisado no nunca por de mais recomendado site do professor de Direito Eugene Volokh, The Volokh Conspiracy, onde considera que a ordem do tribunal é inconstitucional por violadora da liberdade de expressão da Savannah, mesmo tendo em conta que os seus atacantes eram menores, já que os factos que a jovem revelara eram do seu conhecimento pessoal, não os tendo obtido no processo judicial.
No entanto, o facto de uma decisão judicial ser inconstitucional não permite que a mesma seja violada ou desobedecida, já que a forma de impugnar a sua inconstitucionalidade deve ser o recurso ou qualquer outra reacção dentro do processo. Mas mesmo essa regra tem uma excepção, sendo admissível a desobediência a uma ordem judicial quando a mesma é “transparentemente inválida”, o que seria o caso, segundo Eugene Volokh.
Savannah Dietrich já é nos EUA uma heroína dos direitos das vítimas contra os direitos dos arguidos.
No nosso país, surge regularmente na arena pública um discurso contra os direitos dos arguidos e a favor dos direitos das vítimas. Afirma-se que as vítimas são extremamente desprotegidas na sua involuntária travessia do sistema judicial, contrariamente aos arguidos, que gozam de inúmeros direitos. A polémica faz algum sentido, não porque os direitos das vítimas e dos arguidos devam ser vistos como mutuamente exclusivos ou sequer concorrenciais em muitos casos, mas porque é sempre possível melhorar o sistema e porque, tradicionalmente, a vítima é uma personagem menor no teatro judicial.
A recente defesa pública pela ministra da Justiça da criação de legislação que permita localizar os cidadãos que tenham sido condenados por abusos sexuais, depois do cumprimento das penas em nome da protecção das vítimas, nomeadamente das crianças, pode, assim, e em princípio, vir a configurar uma melhoria do nosso sistema. Mas, dado que estaremos dentro do âmbito da law in Portugal, que, como sabemos, reúne características imprevisíveis, nada é garantido. E, por isso mesmo, bem fez o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, à cautela, e face ao carácter ainda vago das afirmações ministeriais, em lembrar que “não se pode importar soluções de sistemas penais que nada têm a ver com o sistema penal europeu, nomeadamente o norte-americano”.
Isto porque, nos EUA, a legislação existente sobre esta matéria obriga os condenados por crimes sexuais a, depois da sua libertação, comunicar às autoridades o local da sua residência, sendo tais dados divulgados publicamente, nomeadamente através da Internet.
Daremos, assim, notícia do projecto legislativo que vier a ser apresentado, procurando contribuir para a sua discussão pública.
Advogado. Escreve à sexta-feira.
Esta crónica não se publica durante o mês de Agosto, voltando a estas páginas em Setembro. ftmota@netcabo.pt
Público | sexta-feira, 27 Julho 2012

Reforma judiciária feita num ano “vai parar” os tribunais

Juizes arrasam reorganização judiciária e garantem que, se a reforma não for faseada, dá-se o “caos” nos tribunais. Magistrados reuniram ontem com a ministra. Inês David Bastos
Os juízes foram ontem avisar a ministra da Justiça que, se o mapa judiciário for todo implementado em 2013, sem um plano faseado, dá-se “o caos” nos tribunais e o sistema “pára”. O alerta consta do parecer da Associação Sindical dos Juizes (ASJP) à reorganização judiciária, que Mouraz Lopes, presidente da associação, entregou ontem em mãos a Paula Teixeira da Cruz.
No documento, a que o Diário Económico teve acesso, e onde a ASJP arrasa com o novo Mapa Judiciário, os juízes avisam que a reforma deve ser feita até 2015, de forma faseada. Se a reorganização for executada de uma só vez, em 2013, como prevê o Governo e a ‘troika’, os juízes acreditam que o “desgaste” para o sistema judicial será “enorme”, levando a uma desorganização “que demorará anos” a resolver.
Ao Diário Económico, Mouraz Lopes diz mesmo que o “país e o sistema podem parar e que dá-se o caos nos tribunais” (entrevista ao lado). Isto porque, em consequência da reforma – criação de comarcas de nova dimensão e fecho de 54 tribunais – há “centenas de milhares de processos”, funcionários e magistrados que serão reafectados e transferidos.
Consequência? Meses para reorganizar serviço, diligências que não se fazem, não agendamento de julgamentos e processos parados nas secretarias. As pendências no primeiro ano da reforma, dizem desde já os juízes, vão “aumentar mais de 50%”, em contraciclo com o objectivo do Governo e da ‘troika’.
Por isso, os magistrados judiciais propuseram ontem à ministra que a reforma tenha três passos: no primeiro ano, entra em vigor a Lei Orgânica e o modelo de gestão dos tribunais e dá-se formação aos juízes-presidentes dos tribunais; no segundo ano, regulamenta-se o quadro de juízes e funcionários e inicia-se o modelo de redistribuição de processos; e só no terceiro ano é que se efectiva o mapa de competências com a instalação das novas comarcas. Embora o início da reforma se mantenha em 2013, os juizes acabam por propor o adiamento da instalação das novas 20 comarcas (base distrital).
Estatísticas incorrectas e violações da Constituição
Numa análise muito crítica, os juizes contestam o desenho territorial escolhido por Paula Teixeira da Cruz. Dizem que a reforma tem “erros de horizonte e perspectiva”, que “é simplista”, feita “sem maturação e investigação”, assente numa “lógica puramente governamental” e baseada em estatísticas incorrectas, porque tem só em conta os processos entrados e não todos os outros actos que o juiz pratica. Daí que se oponham ao fecho de alguns tribunais (Melgaço, Valpaços, Nelas, Oliveira de Frades e Ansião), critiquem a inclusão de Almada, Barreiro, Seixal, Montijo e Alcochete em Lisboa e defendam a divisão de Aveiro, Setúbal, Braga e Viseu em duas comarcas, como hoje acontece com o Porto e Lisboa.
Os juízes dizem que a possibilidade de transferir juízes sem estarem definidos critérios de preferência viola o princípio constitucional da inamovibilidade dos magistrados e acusam o Governo de, veladamente, querer controlar a gestão dos tribunais, violando a separação de poderes.»
CRÍTICAS DOS JUÍZES
• Desenho territorial e modelo (comarcas com base distrital).
• Planificação da revisão. Juízes querem reforma em três anos.
• Reforma sem consenso alargado, político e com sector da Justiça.
. Ausência de estudo global sobre Contigentação Processual, análise simplista e erros de perspectiva.
• Incompreensível incluir Almada ou Barreiro na Comarca de Lisboa
• ‘Ratio’ estatístico para fechar Melgaço, Valpaços, Nelas ou Oliveira de Fades está incorrecta.
• Estatísticas desactualizadas. Não prevê dados de 2011.
• Não tem em conta próximas alterações processuais.
• Comarcas erradamente dimensionadas.
• Não assegura o cumprimento de princípios constitucionais.
QUATRO PERGUNTAS A…
MOURAZ LOPES – Presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses
“Governo não pode querer controlar gestão do tribunal”
Muito crítico da proposta do Governo, Mouraz Lopes avisa que a reforma judiciária não pode ser cega ao país real. O magistrado quer critérios bem definidos sobre a transferência e acumulação de funções.
- Que preocupações vai manifestar à ministra?
- A reforma não pode ser cega ao país real e tem que se adaptar. Há comarcas que têm que ser divididas em duas, como Setúbal, e há tribunais que não devem fechar. Noutros casos, o Governo não pode criar comarcas enormes, como é a integração de Almada ou Barreiro em Lisboa, senão vamos ter problemas gravíssimos. Isto é um erro crasso. O Governo baseou-se em estatísticas que não são correctas e tem que haver capacidade de ceder à realidade em nome do acesso à Justiça.
- No parecer, põem em causa a constitucionalidade da transferência de juízes…
- Tem a ver com o princípio da inamovibilidade. Têm de ser definidos critérios de preferência e isso não está acautelado, bem como o regime de acumulação de funções. Não pode haver colocação de juizes ‘ad hoc’. Há vários vazios nesta reforma.
- E o modelo de gestão?
- Devia manter-se o modelo definido anteriormente, em que o juiz-presidente tinha todos os poderes de supervisão sobre o administrador judiciário. Agora, introduz-se mecanismos de gestão controlada pelo Ministério ao nível orçamental e financeiro. Estas áreas passam a depender do Ministério e isto é inaceitável, viola o princípio de separação de poderes porque é o Ministério a definir critérios de gestão.
- Querem reforma faseada. Porquê?
- Tem que ser feita com tempo e não apenas com base em critérios eleitorais, porque senão o sistema paralisa. Em quatro meses para o país e o sistema se a reforma for feita de uma só vez. Tem que haver uma dilação. I.D.B.
Diário Económico | sexta-feira, 27 Julho 2012