domingo, 14 de outubro de 2012

Medidas do Governo são políticas e não cabe à Justiça a sua apreciação - Bastonário dos Advogados

14:25 - 14 de Outubro de 2012 | Por João Miguel Souto
Aveiro, 14 out - O bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, defendeu hoje que não cabe aos tribunais pronunciarem-se sobre medidas de austeridade do Governo, dada a sua natureza política, dentro do princípio da separação de poderes.

Marinho Pinto falava aos jornalistas à margem do encerramento de um encontro das delegações da Ordem dos Advogados para debater os "Direitos e Deveres dos Advogados no Século XXI", que decorreu em Aveiro.

Mouraz Lopes, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), anunciou que, caso a proposta conhecida do Governo para o Orçamento do Estado de 2013 seja aprovada, vai pedir a fiscalização da sua constitucionalidade" porque "ataca de modo feroz" os portugueses, violando "o princípio da confiança dos portugueses no sistema fiscal".

Instado a comentar essa posição, o bastonário da Ordem dos Advogados afirmou que "a questão da constitucionalidade é uma questão jurídica e o Orçamento e as medidas de austeridade que o Governo tem vindo a tomar" são políticas.

"São medidas muito duras, mas penso que não violam a Constituição", disse, afirmando compreender que os magistrados "queiram levar isso para as instâncias onde são eles que decidem".

Isto "desvirtua e desprestigia a Justiça, por muita popularidade" que lhe possa dar certas decisões, observou.

Juízes vão suscitar a inconstitucionalidade do “brutal” aumento fiscal

A Associação Sindical dos Juízes considera que a proposta inicial de Orçamento do Estado (OE) de 2013 apresenta “um desmesurado e brutal aumento da carga fiscal dos portugueses” e garante que vai pedir a fiscalização de constitucionalidade caso o documento seja aprovado. 
Juízes vão suscitar inconstitucionalidade do brutal aumento de impostos
 Lopes, o juiz desembargador presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), afirmou à agência Lusa que a proposta de OE2013 “ataca de modo feroz” os portugueses com a alteração dos escalões de IRS, o que, acentuou, viola “o princípio da confiança dos portugueses no sistema fiscal”.
Por outro lado, considera “lamentável o desrespeito” do Governo pelo acórdão do Tribunal Constitucional (TC) que denunciou a desproporcionalidade no corte dos subsídios de férias e Natal na Função Pública e nos pensionistas do Estado.
O mesmo responsável lembra que, em Julho, o TC pronunciou-se pela desproporcionalidade do corte dos subsídios de férias e Natal na Função Pública e nos pensionistas do Estado em 2013, acabando por aceitar o corte salarial este ano devido à difícil situação do país, com um programa de reajustamento.
Violado “o princípio da capacidade contributiva”
Mouraz Lopes salienta que, na proposta preliminar do OE, cuja versão definitiva será entregue amanhã pelo Governo na Assembleia da República, está a ser violado “o princípio da capacidade contributiva do sistema fiscal, que está na Constituição”. Contudo, entende que “se atingiu quase o limite” com o OE2013, pelo que a ASJP vai suscitar a inconstitucionalidade do documento junto da Comissão Parlamentar do Orçamento.
“Uma decisão do Tribunal Constitucional, que foi muito pensada, que foi tomada quase por unanimidade, teria de ser absolutamente esmiuçada em todo o seu conteúdo para que não fosse não cumprida”, disse ainda Mouraz Lopes, em relação ao que entende ser o desrespeito pela decisão do TC.
E diz ser “inaceitável não se cumprir uma decisão do TC” na proposta de OE2013. “Com o corte inequívoco de um subsídio e com um corte encapotado de outro subsídio, continuamos a ter uma captura do sistema, no fundo, do bolso dos cidadãos que prestam funções públicas”, esclarece o juiz desembargador.
Mouraz Lopes considera igualmente “tão mais grave” não ter “existido um estudo e uma compreensão da decisão do Tribunal Constitucional de Julho, que, no que respeita aos subsídios de férias e Natal, foi inequívoco na sua afirmação da desproporcionalidade dos referidos cortes”.
Público Última Hora de 14 Outubro 2012
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A vingança sobre a Função Pública

José Pacheco Pereira — Uma das mais injustas fórmulas, sabiamente explorada por este Governo, é a que "substituiu" as medidas mais gravosas de austeridade por "cortes na despesa pública". Treta. Substituiu algumas medidas de austeridade genérica por outras de austeridade dirigida. Para quem? Surpresa! Para os funcionários públicos. Fê-lo, como faz tudo, de forma pontual e aos arranques e recuos, conforme o medo de Portas, do PSD, da rua e da opinião pública.

De há um ano para cá que uma das linhas de continuidade da actuação deste Governo tem sido uma hostilidade profunda dirigida contra os trabalhadores da função pública, que encontra mais uma vez expressão nas medidas do actual orçamento. Começou por ser hostilidade, patente logo no dia seguinte ao primeiro anúncio dos cortes dos subsídios de Natal e de férias, faz agora um ano, quando Passos Coelho incitou claramente ao confronto entre trabalhadores privados contra os "privilegiados" da função pública. Depois da decisão do Tribunal Constitucional, a atitude do Governo, a começar pelo primeiro-ministro, passou de hostilidade à vingança, como se todos os meios, "custasse o que custasse", fossem usados para evitar que os trabalhadores da função pública "escapassem" aos cortes. Os próprios juízes foram enxovalhados com a acusação entre dentes de que tinham decidido em causa própria, para proteger os seus subsídios, exactamente porque eram... funcionários públicos. As mesmas insinuações foram dirigidas ao Presidente, ele próprio também funcionário público, como professor e funcionário do Banco de Portugal.
A palavra "equidade" tornou-se quase um insulto e as medidas governamentais são cada vez mais punição e vingança. "Cortar as despesas do Estado", esse "enorme esforço" que o Governo tem andado a fazer nos últimos dias, assim revelado mais uma vez como impreparadas e inconsistentes são as medidas que anuncia, não significa outra coisa que não seja passar cada vez mais o peso do défice para os trabalhadores da função pública. Procede-se, aliás, com dolo, quebrando todos os contratos feitos já por este Governo, despedindo na função pública dezenas de milhares de trabalhadores contratados, e estipulando medidas muito mais gravosas do que as que conhece quem tem emprego no sector privado. Como se verá, muitas são ilegais e transformam o Estado no mais selvagem e prepotente dos patrões, roçando algumas medidas o puro cinismo, como seja a atribuição das condições de reforma aos trabalhadores não na base da situação existente quando a pediram, mas quando a administração lhes entende responder: basta a administração atrasar burocraticamente os processos quanto tempo for preciso, para que os trabalhadores recebam apenas o que o Estado quer e não aquilo a que tem direito à data do seu pedido. Isto no privado, tão adulado por alguns próceres governamentais, seria um crime.
O par que controla o poder político em Portugal - e saliento que não digo o poder tout court - não é constituído por funcionários públicos, nem a maioria dos governantes teve essa carreira. Há excepções, como é o caso dos professores, como Crato, mas Passos Coelho, Miguel Relvas, Aguiar Branco, Miguel Macedo, Paula Teixeira da Cruz, o núcleo duro partidário do PSD, tem carreiras de dois tipos: ou na advocacia, ou num "privado" muito especial, aquele que vive da dependência do Estado e das decisões políticas seja a nível central, seja a nível autárquico.
Os casos de Passos e Relvas são típicos, porque uma parte fundamental da sua carreira é feita dentro dos partidos, nas "jotas", passam pelos cargos mais ligados ao controlo político "distributivo" no Governo (Relvas) e são empregados por terceiros em empresas em que as redes de ligação com o poder político são fundamentais para aceder aos "negócios". Uma frase esquecida de Ilídio Pinho quando dizia que ter acesso ao poder político valia um milhão de contos traduz bem a utilidade dos políticos para os seus patrões privados. As contas ainda eram em escudos, mas toda a gente percebeu de que é que ele falava.
Essas áreas incluem a formação, no tempo áureo dos fundos, e depois nos sectores como o ambiente, energias renováveis, resíduos e construção, tudo áreas que conheceram grande expansão com dinheiros públicos nos últimos anos. O caso da Tecnoforma, envolvendo Passos e Relvas, é típico de uma espécie de empresas "jota", em que pessoas com carreiras políticas interdependentes entre si se organizam para aproveitar as oportunidades que o acesso ao poder político cria. Este tipo de processos é transversal aos dois partidos, PS e PSD, e acentuou-se nos momentos em que o dinheiro fácil, com os fundos comunitários e com um Estado gastador, permitiram todo o tipo de "negócios". Uns são gigantescos, como as PPP, e outros medíocres, como o das empresas de "formação", mas são da mesma natureza e têm o mesmo perfil de protagonistas.
Não é por acaso que o "privado" que encontramos nos curricula governamentais, como estes de que falamos, é sempre do mesmo tipo. Não encontramos nunca nenhum genuíno empresário que já estivesse "feito" antes de ir para o Governo. Embora não haja nenhuma área empresarial que não dependa de decisões estatais com alto grau de discricionariedade, um dos piores sinais do nosso atraso, o "privado" que chega ao Governo não tem ninguém do sector agro-pecuário, nenhum empresário industrial, nenhum da panificação, nenhum proprietário de restaurante, nem sequer nenhum verdadeiro pequeno empreiteiro, que tantos os há hoje na miséria. Não há razão nenhuma para estes empresários não terem a mesma vontade de intervenção política do que os juvenis político-gestores, mas por muito amor ao privado da retórica ideológica, a verdade é que estas pessoas não sobrevivem nos partidos, porque são demasiado independentes do jogo permanente de carreiras que, das "jotas" ao topo, marca hoje os partidos.
Por isso, nunca temos no topo do poder partidário e governamental outro tipo de privado que não seja o fortemente dependente do poder e das redes de conhecimentos pessoais, assentes na interdependência e na confiança. É por isso que não adianta dizer que tudo se passou de Barroso a Sócrates, umas vezes com o PS e outras com o PSD, como se isso atestasse a lisura dos processos, porque a única coisa que muda é o peso relativo dos partidos no bolo, mas estão sempre os dois representados e os mecanismos eficazes são sempre de "bloco central".
O caso da função pública em Portugal não é muito diferente do que acontece noutros países, em que a regra é que não haja condições de inteira equivalência entre o privado e o público. Em parte, porque a qualificação média no público é superior ao privado, logo os salários tendem a ser mais altos. Depois, porque nos países com burocracias independentes, como no caso inglês, a mais direitos correspondem mais deveres. E em Portugal, em períodos de expansão, houve idêntico trade off: os salários da função pública permaneciam muito baixos, como contrapartida às garantias de emprego. Depois, houve um período de esbanjamento e facilitismo por responsabilidade clientelar do poder político, que dá hoje o flanco da função pública ao ressentimento social.
Tem a função pública pessoas a mais? Tem certamente e, acima de tudo, mal distribuídas, mas a racionalização desses recursos para poupar despesas não foi feita nem está a ser feita. Despedir e cortar direitos é mais fácil do que saber "gerir", como diz Teodora Cardoso, que não é conhecida por ser meiga quanto à consolidação orçamental.
É a função pública politizada e, nos últimos anos, partidarizada? É e muito, mas não é isso que estas medidas combatem. Pelo contrário, o Estado vai ficar ainda mais dependente do poder político, mesmo nas áreas que tinham alguma autonomia como as forças armadas. A politização da função pública em Portugal não começou com a democracia. O Estado Novo salazarista e caetanista institucionalizou essa relação, obrigando os funcionários públicos a assinar uma declaração "anticomunista", e punindo com a expulsão todos os oposicionistas, desde a Ditadura Militar até ao caetanismo na Capela do Rato. A cunha política e o patrocinato eram uma regra generalizada e a União Nacional funcionava como uma enorme máquina de distribuir favores e prebendas através de lugares, de contínuos a directores-gerais.
Depois do 25 de Abril, este processo democratizou-se e os partidos tomaram conta do Estado, um processo acentuado nos últimos vinte anos. Não tenho dúvidas em afirmar que este é um dos problemas mais graves da nossa democracia, mas nenhuma destas medidas diminui esse poder, bem pelo contrário. Veja-se como decorreu o processo de privatizações, como são feitas as nomeações de "sempre os mesmos", como a acesso ao poder político permanece sempre nos mesmos círculos, da banca aos grandes escritórios de advogados, da consultadoria económica à intermediação, para perceber que, em períodos de crise, pelo menos os de cima continuam na mesma a mandar e a ganhar. Numa altura de crise económica, é natural que muitos desempregados olhem com algum ressabiamento para os funcionários públicos que lhes parecem privilegiados, e nalguns casos são-no. Mas alimentar este tipo de atitudes como o Governo faz é muito perigoso para a democracia, porque um Estado estragado e ineficaz é pasto livre para haver ainda mais partidocracia.
Também por isso, a noção de Estado e de serviço público, fundamental num Estado democrático, assente em burocracias de mérito, deveria ser preservada se houvesse "sentido de Estado", o que não há.
José Pacheco Pereira
Público de 13-10-2012

PSP gravou imagens de dois protestos violando a lei

A PSP utilizou câmaras de vídeo portáteis para monitorizar a vigília realizada durante o Conselho de Estado do dia 21, em frente ao Palácio de Belém, e a manifestação de 29 de Setembro organizada pela CGTP contra as medidas de austeridade, tendo, no entendimento da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), violado a lei que regula a gravação de imagens pelas forças de segurança em locais públicos.
Comissão Nacional de Protecção de Dados diz que utilização de câmaras portáteis violou a lei, o que obriga a destruir registos. A PSP diz não ter conhecimento oficial dos pareceres da CNPD, não se pronunciando, por isso, sobre o assunto enquanto o Ministério da Administração Interna não fez qualquer comentário em tempo útil.
A comissão critica a falta de fundamentação para a utilização das câmaras portáteis, lamentando ainda que a polícia não tenha justificado devidamente as condições excepcionais que a levaram a pedir o parecer duas horas após o início da vigília realizada em frente à residência oficial de Cavaco Silva. A lei permite isso, mas apenas "excepcionalmente", uma urgência que a CNPD não considera justificada nos dois casos.
Por outro lado, acrescenta que "os fundamentos da utilização de câmaras de vídeo portáteis apresentados no relatório que acompanha o pedido de parecer não só são abstractos e genéricos" como não revelam "a específica necessidade ou conveniência daquela utilização". E completa-se: "A justificação apresentada é virtualmente aplicável a qualquer circunstância que implique um aglomerado de pessoas, pelo que não vale por si só, face à inexistência de um perigo em concreto". Recorde-se que durante a vigília foram detidas cinco pessoas pelo lançamento de petardos, resistência e coacção, tendo em quatro dos casos o Ministério Público arquivado os processos.
No caso da manifestação da CGTP, a comissão considera que há uma agravante: apesar da central sindical ter comunicado a realização do protesto a 21 de Setembro, o pedido de parecer só chegou na véspera da manifestação. A CNPD lamenta ainda que não tenham sido definidas "condições de segurança do tratamento dos dados recolhidos", como exige a lei, e considera que também não foi acautelado o dever de informar as pessoas que estão a ser filmadas. Em nenhum dos casos os promotores dos protestos foram informados da utilização das câmaras portáteis, nem havia avisos nos locais das manifestações.
O advogado Luís Neto Galvão, especializado na área da protecção de dados, considera a utilização destes meios "uma intrusão ao direito das pessoas se manifestarem e não serem importunadas com isso", mas lembra que também existe "o valor da segurança e ordem pública". "O mais importante é analisar se a restrição daquele direito é proporcional face ao perigo em concreto", diz. O advogado lamenta, contudo, que a CNPD não tenha convidado a PSP a suprir as insuficiências do pedido.
Mariana Oliveira
Público de 13-10-2012