terça-feira, 18 de setembro de 2012

Portugal condenado por atraso na justiça

EUROPA Tribunal demorou nove anos a concluir um processo em que o arguido foi absolvido depois de ter estado em prisão preventiva
Licínio Lima
Foram nove anos à espera de ver resolvido um processo judicial que o levou à prisão preventiva depois de ter visto bens seus apreendidos, acabando por ser absolvido em julgamento. Assunção Santos, 68 anos, apresentou queixa contra o Estado português na Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) e ganhou, sem que tivesse pedido uma indemnização.
Tudo começou em 2000. O empresário era suspeito de fraude fiscal em associação criminosa. Em julho foi abordado por dois inspetores da Polícia Judiciária (PJ)e logo em seguida viu ser-lhe apreendidos bens, nomeadamente uma empilhadora e21 paletes. Passado um ano, o processo seguiu para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) devido à complexidade.
As investigações continuaram e em setembro do ano seguinte Assunção Santos pede a restituição dos bens apreendidos. A pretensão, contudo, não foi acolhida. Doisanos depois, em fevereiro de 2004, pediu um aceleração do processo. Mas também esta diligência foi indeferida. Pior: no ano seguinte, em julho de 2005, cinco anos após o início da investigação, é emitido um mandado de captura e Assunção Santos fica em prisão preventiva. Passados três meses, o Tribunal Central deInstrução Criminal (TCIC) autorizou a alteração da medida de coação, passando para a permanência na residência com vigilância eletrónica, que durou até maio de2006.
Próximo desta data, o Ministério Público (MP) deduziu a acusação, mas, tendo sido pedida a abertura de instrução, o TCIC entendeu mandar arquivar o processo por considerar injustificável o julgamento. O MP recorreu para a Relação e ganhou. Assunção Santos foi então julgado, e a 12 de novembro de 2009 o tribunal declarou-o inocente.
Para o TEDH não há dúvida de que a justiça violou o princípio segundo o qual os cidadãos têm direito a ver os seus casos resolvidos num “tempo razoável”, e condenou o Estado português, mas sem pagamento de indemnização, porque Assunção Santos não a requereu.
Diário de Notícias de 18-09-2012

PJ recruta dois ex-espiões ‘ despedidos’ das secretas

Direção daJudiciária garante desconhecer motivos do afastamento dos agentes
Carlos Rodrigues Lima e Valentina Marcelino
Doisex-espiões do Serviço de Informações Estratégicas e Defesa (SIED), exoneradosna sequência da polémica do chamado “caso das secretas,” foram requisitadospela Polícia Judiciária para a Unidade de Prevenção e Apoio Tecnológico (UPAT), o departamento que trata das vigilâncias aos suspeitos, assim como das açõesencobertas. A requisição de ambos, segundo informações recolhidas pelo DN, foiproposta com carácter de urgência pelo diretor da UPAT, João Carreira,justificando-a com os “conhecimentos técnicos e profissionais” dos ex-espiões.A direção da PJ garantiu ao DN desconhecer a ligação de ambos ao “caso das secretas”.
Foi nofinal de 2011, após meses de tensão e polémica no interior dos serviços deinformações devido a suspeitas sobre o ex-diretor do SIED Jorge Silva Carvalho,que o secretário-geral do Sistema da Informações da República (SIRP), JúlioPereira, levou a cabo uma “reestruturação interna”, eufemismo para aquilo quenas “secretas” ficou conhecido como uma “purga interna”. H. S e C. V., esteúltimo diretor de área do Departamento Operacional do SIED, foram dois dosalvos da tal “reestruturação”. Como decorre da lei, ambos foram colocados na Presidência do Conselho de Ministros. H. S. e C. V. estavam há mais de seis anos colocados no SIED, tendo adquirido, segundo a legislação, vínculo à função pública, sendo a PCM obrigada a abrir uma vaga caso os espiões cessem funções das secretas e o pretendam.
O despacho de integração no quadro da PCM foi assinado pelo primeiro- ministro e pelo ministro das Finanças a 5 de junho passado. Desde que tinham cessado as suas funções no SIED, H. S. e C. V. estavam sem funções atribuídas, em casa, a receber o seu salário de técnicos superiores.
Um dos ex-espiões em causa, C. V., tinha já tentado entrar na Polícia Judiciária em 2000, mas, por um mês, não foi aceite no concurso de agentes estagiários. É que C. V. fez 21 anos a 5 abril daquele ano, porém o concurso era de março, e uma das regras era “ter idade não inferior a 21 anos nem superior a 30”. Quatro anos depois, C. V.ingressou no SIED como “técnico superior de informações”, isto é, espião.
Contactada pelo DN, fonte da Direção Nacional da PJ manifestou-se surpreendida quando confrontada com a ligação dos dois ex-espiões ao escândalo das secretas. Esta fonte oficial garantiu desconhecer que tinham sido “despedidos” e assegura que não foi informada sobre o motivo que levou o secretário-geral do Sistema deInformações da República Portuguesa (SIRP), Júlio Pereira, a afastar H. S. e C.V. do SIED. Garante que também desconhecia que um dos novos contratados era testemunha de acusação do Ministério Público contra o ex-diretor do SIED JorgeSilva Carvalho.
“A proposta de recrutamento foi-nos apresentada no âmbito do regime de mobilidade da função pública e a informação curricular que nos foi transmitida era sobre as suas qualificações técnicas”, explica a mesma fonte. “Sabíamos a sua proveniência, mas não tentámos saber mais nada.” A Direção da PJ sustenta que o processo “foi tratado com a maior transparência”, tendo começado com uma proposta do diretor da UPAT, fundamentando-a com a necessidade urgente de contratar estes técnicos,para o “adequado funcionamento” daquela unidade tão sensível da PJ. A Direção de Recursos Humanos aprovou o recrutamento depois de assegurar a cabimentaçãoorçamental.
A mesmafonte referiu ainda que ambos não farão trabalho de investigação criminal, masuma espécie de trabalho administrativo na UPAT. No fundo, estarão à secretária. Porém, não foi possível apurar quais as razões da “urgência” na requisição dosantigos espiões para aquela unidade da Polícia Judiciária, uma vez que, nosúltimos tempos, não tem sido noticiada qualquer tipo de falta de meios nodepartamento de vigilâncias da PJ.
Contactadopelo DN, Carlos Garcia, presidente da Associação Sindical dos Funcionários deInvestigação Criminal (ASFIC), afirmou conhecer a situação, mas não quis pronunciar- se sobre a mesma. Questionado pelo DN sobre uma eventual falta de quadros na UPAT, que justificasse a requisição dos ex-expiões, Carlos Garcia manteve o silêncio. Certo é que a requisição dos antigos espiões para osquadros da PJ está a motivar alguma controvérsia. A dúvida é: se foram afastados das secretas são bons para a PJ?
‘ Password’ de ‘ e-mail’ pessoal nas mãos de Jorge Silva Carvalho
SECRETAS Ex-expião do SIED ficou no processo das secretas como testemunha de acusação do Ministério Público Ouvido a 27de abril pela procuradora Teresa Almeida, que investigou o chamado “caso das secretas”, C. L. ficou, segundo consta do auto de inquirição, “estupefacto” comuma revelação feita pela magistrada: no telemóvel de Jorge Silva Carvalho, ex-e um e-mail seu, assim como a respetiva password.
Ao processo, C. L. garantiu nunca ter “revelado a quem quer que seja” o referido endereço de email, utilizado, segundo o próprio, para “um contato pessoal”, assim como a respetiva password. Acrescentando que “quando acedia a endereços de correio eletrónico nunca o fez a partir da rede externa do SIED, mas apenas através de um portátil que, quando não estava em uso, estava guardado num armário”.
C. L. consta do “caso das secretas” como testemunha do Ministério Público. Recorde-se que a procuradora da 9. ª secção do Departamento de Investigação e Ação Penalde Lisboa acusou, em maio deste ano, Jorge Silva Carvalho, João Luís ( ex-diretor operacional do SIED) de crimes de abuso de poder, acesso ilegítimo adados pessoais. O antigo diretor do SIED foi ainda acusado de violação do segredo de Estado e corrupção passiva. Por sua vez, Nuno Vasconcellos, presidente do grupo Ongoing, foi acusado de corrupção ativa.
Ao Ministério Público, C. L. contou que um seu subordinado numa das áreas dos Departamento Operacional do SIED lhe contou ter recebido uma ordem direta de João Luís para efetuar uma pesquisa na base de dados da Dun& Bradstreet (cujo acesso é pago pelo SIED) sobre um empresário madeirense. C. L. disse ainda que João Luís o tinha sondado sobre a possibilidade de obter informações na operadora de telemóveis Optimus.
Diário de Notícias 2012-09-18

Mapa judiciário

Dia 28 de Setembro na Sala Caramulo | Hotel Montebelo | VISEU

Sindicato quer ingresso de 400 funcionários nos tribunais

O SINDICATO dos Oficiais de Justiça (SOJ) entregou ontem, no Ministério da Justiça, o caderno reivindicativo para 2013, alertando que o quadro de oficiais de justiça”está abaixo da linha de água” e reclamando o ingresso de 400funcionários.    O SOJ pede, para 2013, o ingresso de 300 oficiais de Justiça e 100 funcionários judiciais da carreira administrativa. Sugere, ainda, a revisão do estatuto profissional. “Desde que o Governo tomou posse, aposentaram-se cerca de350 oficiais de justiça. Desses, menos de 20, nos primeiros seis meses. Decorrido o estado de graça de que beneficiou o programa para a Justiça, assistimos agora a uma corrida às aposentações. O quadro está abaixo da linha de água”, refere o SOJ.    É fundamental “injetar sangue novo num corpo debilitado” – os tribunais – e que, neste momento, já tem dificuldades em assegurar as funções vitais. “É necessário aumentar os quadros, mas reforçar também os níveis de exigências, valorando o conhecimento adquirido nas escolas. Uma política para a Justiça que afasta os jovens com preparação académica e profissional, capazes de darem a resposta que os tribunais precisam, privilegiando o obscurantismo, não encontra a Justiça”, avisa o SOJ. Portugal atravessa um momento particularmente grave e os tribunais têm o dever de dar resposta, deforma célere, aos problemas do país e não somente aos das empresas, diz ainda o organismo.
Jornal de Noticias de 18-09-2012

Os remédios do poder contra o vírus da revolta

O primeiro antídoto administrado para combater o vírus da revolta foi uma vacina semântica: a rejeição que a população deu nas manifestações de sábado às medidas de austeridade está a ser transformada numa plácida "incompreensão".
A tese é esta: o milhão de pessoas que saiu à rua "não compreende" as medidas de Passos Coelho, em especial as alterações à taxa social única. Porquê? Porque o primeiro-ministro e o ministro das Finanças não as explicaram bem; porque Passos Coelho deixou-se fotografar a cantarolar, feliz, a Nini de Paulo de Carvalho; porque ninguém percebe o objetivo de uma medida que tira dinheiro aos trabalhadores para o dar ao patronato.
A verdade é outra. Depois de um primeiro ano de fortes sacrifícios, aceites pelo povo, Passos falhou em todos os seus objetivos - a começar no acerto ao seu (e da troika) alvo principal, a redução real do défice.
Para emendar a mão, o Governo quis tornar permanente uma baixa salarial, no sector privado, equivalente a mais de um salário mensal e insistiu em tirar dois salários à função pública. Toda a gente compreendeu isto muito bem.
A troika, para salvar o seu memorando, foi complacente e deu nota positiva ao Governo, apesar do desastre na execução desse malfadado plano, que falha com estrondo onde quer que se aplique. Os portugueses, que compreenderam mesmo tudo, revelaram-se afinal mais rigorosos do que a troika e fizeram o que se impunha: para já, chumbaram, por incompetência, Passos Coelho, porque nem as suas próprias metas conseguiu atingir, apesar de ter contado muito tempo com o apoio do povo para o fazer.
Mas há mais. Os portugueses sentem-se traídos. Traídos pelos Governos de Sócrates (e seus antecessores), que levaram o Estado à penúria; traídos por Passos Coelho pelo falhanço na redução do défice e pela exigência de um empobrecimento brutal sem horizonte que não seja o de novo falhanço.
O segundo remédio para o vírus da revolta é o antibiótico palaciano: Portas a descartar-se, Seguro a fingir que com ele seria diferente, Cavaco a convocar conselheiros e parceiros sociais. Está em marcha a recomposição do poder, com as alternativas do costume.
E, se tudo falhar para esta classe dirigente, está aí o anestésico da revolta: um "governo de salvação nacional", um executivo de tecnocratas que concretizará coisas como esta: tornar legal e proceder ao despedimento de cem ou 200 mil funcionários públicos - a solução final para a crise, que todos estes senhores sussurram e que arruinará de vez milhares e milhares de famílias... Não acredita? Aposta?
PEDRO TADEU
Diário de Notícias de 18-09-2012

Parcerias público-privadas (PPP) rodoviárias

O Bloco de Esquerda (BE) quer que o Governo entregue na comissão parlamentar de inquérito às parcerias público-privadas (PPP) rodoviárias e ferroviárias o relatório realizado pela consultora Ernst & Young .

Num requerimento hoje enviado ao presidente daquela comissão parlamentar, o deputado bloquista Pedro Filipe Soares refere que o executivo informou “em vários momentos” que o relatório da consultora seria entregue “no início de setembro”, mas, “até ao presente momento, não foi distribuído aos deputados” da comissão de inquérito. 

Para o BE, o documento da Ernst & Young tem a “maior importância para que os trabalhos da comissão parlamentar de inquérito decorram da forma mais célere e eficiente”. 

Sublinhando que, “segundo informação pública, o documento terá sido concluído em junho e entregue à delegação da ‘troika’ [Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia] na última avaliação do Programa de Assistência Económica e Financeira”, o BE considera que é “incompreensível” que a auditoria ainda não tenha sido entregue aos deputados. 

“Perante a atual situação financeira e política do país, em que se torna cada vez mais urgente a renegociação dos encargos futuros com as PPP, é necessário que a comissão parlamentar de inquérito possa realizar o seu trabalho com a maior informação possível. Logo, nesta fase, em que se inicia o segundo momento de audições, este relatório assume ainda mais importância”, justifica o Bloco. 

Por isso, o deputado Pedro Filipe Soares, que assina o requerimento do Bloco, pede que se confirme se o Governo entregou, ou não, algum elemento relativo ao relatório da consultora em sede de comissão, bem como esclarecimentos sobre o atraso na entrega do documento.

A comissão de inquérito às PPP rodoviárias e ferroviárias vai retomar os trabalhos na terça-feira, com o ex-ministro de Estado das Obras Públicas João Cravinho e o ex-secretário de Estado do Orçamento João Carlos Silva. 

Segundo os dados mais recentes do boletim da Direção-Geral de Tesouro e Finanças, divulgado em maio, os encargos públicos com as PPP cresceram 28,8 por cento no primeiro trimestre, em comparação com o mesmo período de 2011, totalizando 323,8 milhões de euros. 

O Governo está atualmente a renegociar os contratos de algumas PPP.
Público de 18-09-2012

Debate sobre o constitucionalismo


Ferrajoli, Luigi, Un debate sobre el constitucionalismo, Editora:  Marcial Pons,  Madrid 2012, ISBN: 9788497689915
Apresentação do livro
En el trabajo con el que se abre este debate, Luigi Ferrajoli defiende una concepción (iuspositivista) del constitucionalismo basada en una cierta interpretación de tres cuestiones centrales de la teoría del Derecho contemporánea: la separación entre el derecho y la moral, la contraposición entre los principios y las reglas, y el papel de la ponderación en la jurisdicción. Pero esa versión del constitucionalismo al que Ferrajoli denomina "normativo o garantista" no es aceptada por la mayoría de los participantes del debate, cuyo hilo conductor pasa precisamente por la contestación a las tres anteriores cuestiones. Y así, mientras que unos se oponen a la concepción de Ferrajoli desde posiciones (también) iuspositivistas, otros lo hacen desde el campo del postpositivismo.
Autores:
Josep Aguiló Regla
Manuel Atienza
Mauro Barberis
Paolo Comanducci
Pierluigi Chiassoni
Luigi Ferrajoli
Alfonso García Figueroa
Andrea Greppi
Liborio L. Hierro
Francisco Laporta
José Juan Moreso
Giorgio Pino
Luis Prieto Sanchís
María Cristina Redondo
Ángeles Ródenas
Juan Ruiz Manero
Alfonso Ruiz Miguel
Pedro Salazar Ugarte

Uma crise do regime

Menezes Leitão - A crise que atravessamos transformou-se numa crise de regime. O primeiro-ministro enganou não apenas os portugueses na campanha eleitoral, mas também os seus próprios deputados, uma vez que se desviou do programa do governo. O parlamento tem aprovado acriticamente as medidas do governo, mesmo quando claramente inconstitucionais.
O Tribunal Constitucional deixa passar essas medidas, sob pretextos vários. A única vez que declarou a sua inconstitucionalidade fê-lo de forma totalmente inconsequente, pedindo apenas ao governo que não voltasse a repetir a graça no ano seguinte. Mas o governo, que se acha muito engraçado, resolveu brincar ainda mais com o Tribunal Constitucional, atirando para os seus ombros as culpas de uma absurda transferência dos encargos da TSU dos trabalhadores para os patrões.
E o Presidente da República, que a Constituição colocou como último garante do regular funcionamento das instituições, assiste impávido e sereno ao descalabro do país.
"Portugal vive hoje, sem dúvida, uma das horas mais graves, se não a mais grave, da sua História, pois nunca as perspectivas se apresentaram tão nebulosas como as que se deparam à geração actual." Ao contrário do que parece, esta frase não diagnostica a presente crise, sendo o início do livro "Portugal e o Futuro" do general Spínola, surgido em Fevereiro de 1974. Dois meses depois, o antigo regime acabou. O actual pode não resistir muito mais tempo.
Luís Menezes Leitão, Professor FDUL
ionline de 18-09-2012

Salvar a "opinião pública"

Já se percebeu que Pedro Passos Coelho julga que pode governar sem ligar grande coisa à opinião pública. Depois da desastrosa comunicação de 7 de Setembro, as circunstâncias aconselhariam moderação e prudência. Mas o que ouvimos a Passos Coelho? "Quem governa não pode estar a governar para satisfazer a opinião pública". No dia seguinte, as manifestações foram o desabamento deste seu mundo de negação.
A democracia é o regime da opinião pública. É o regime da conversa, da persuasão, da negociação. Mesmo quando parece inútil ou improfícua, não se pode negar a conversa. Toda esta raiva que de repente fluiu para as ruas, sem sabermos como e onde acabará, significa que muita gente achou que devia participar na conversa. Muita gente achou que era uma maneira de parar o Governo. Nada mais natural.
Mas a democracia, é bom lembrar, também é o regime que tenta ir além da conversa. Somos hoje um país sem soberania. Temos um "ajustamento" severo a fazer. Temos metas orçamentais para cumprir. Temos credores à perna. Temos escolhas pela frente que nunca serão indolores. E não dependemos só de nós.
Os próximos tempos dirão se o Governo quer mesmo governar sem "ouvir" a opinião pública. Os próximos tempos também dirão se a dita opinião pública quer opinar e protestar sem "ouvir" o Governo. Não falo só deste Governo em concreto. Falo do reconhecimento de que as medidas duras precisam tanto de uma sociedade disponível para a austeridade, como de um país governável em austeridade; precisam de uma política realista e adaptada às nossas circunstâncias, de uma ética da responsabilidade e não apenas de uma ética da convicção. As manifestações de sábado podem até ser um sinal de que o Governo perdeu o país. Agora é preciso perguntar: será que o país perdeu o Governo?
As manifestações de sábado foram um acontecimento político. Com muita gente desiludida e receosa, farta de políticos sem honra nem vergonha, insatisfeita com o que está a ser cozinhado sem a sua compreensão. Mostram com clareza que a vontade de um Governo e o estado de emergência não são suficientes. Limitamse a despejar uma política de austeridade, convencidos de que o resto é acessório: ponderar o impacto das medidas, ouvir os parceiros sociais, perceber os sinais da sociedade. Mas uma manifestação não é nenhum "regresso da política". Pode até ser a sua negação. A política é o que fazemos quando precisamos de escolher e decidir no mundo real, com limitações e contingências. E é nesse mundo que estamos.
Os próximos tempos servirão para fazer o teste. Neste momento, não será melhor um Governo saído de eleições, influenciável pelo tribunal da opinião pública e disponível para se autocorrigir, do que um Governo imposto pela troika que, esse sim, actuará pela pura força? A democracia não está suspensa, como de resto provam as manifestações de sábado. Já das alternativas, não sabemos bem. E, contra essas, não haverá conversa que nos salve.
Cabe a Passos Coelho ponderar as consequências das medidas que propõe, mostrando que, ao contrário do que infantilmente diz, a opinião pública é importante. Isso passa por deixar cair o aumento da taxa social única para os trabalhadores e abrir-se às alternativas que existem. Cabe à opinião pública ponderar as consequências dos seus protestos, mostrando que não deseja o vazio e o caos.
A opinião pública pode salvar o Governo de um erro crasso. Salvar-se-á a opinião pública também de si mesma?
Pedro Lomba
Público de 18-09-2012

There you are!

António Cluny - Os portugueses conhecem bem as "chico-espertices", que sempre têm servido para beneficiar os amigos e compensar os serventuários do poder político e económico.
1. Um dos problemas que afligem o país é a propensão dos que detêm qualquer tipo de poder para se julgarem acima da lei e desrespeitarem as decisões dos tribunais.
Em geral, recorrem à utilização de estratagemas interpretativos para contornar a substância dos comandos legais ou o sentido real das sentenças. Há, em áreas que muito contribuíram para o actual estado de "crise" - fiscalidade, finanças públicas, urbanização e ordenamento do território, organização do Estado -, especialistas capazes de orientar os cidadãos, as corporações privadas e até certas instituições públicas no caminho da superação dos limites e obrigações que a lei ou a jurisprudência impõem a certas actividades e condutas. O próprio legislador habituou-se a negar com uma mão o que quer permitir com a outra. Nasceu assim, entre outras, a moda pós-moderna das empresas e institutos públicos, cujo objectivo principal é, demasiadas vezes, o de permitir contornar proibições de despesa pública e fazer auferir aos seus responsáveis, partidariamente escolhidos, rendimentos que estão vedados aos quadros da administração pública.
Os portugueses conhecem bem essas "chico-espertices", que sempre têm servido para beneficiar os amigos e compensar os serventuários do poder político e económico.
Tais estratagemas têm enriquecido muitos, mas têm também, quando excessivos, feito perder eleições e maiorias. Os poderes públicos têm agido, todavia, quase sempre com cuidado e sem se arriscarem a contrariar, directa ou violentamente, a Constituição, as leis e as decisões judiciais.
2. O acórdão (Ac) do TC relativo ao corte dos subsídios é, pese a poeira contra ele lançada, simples, claro e directo. Neste momento de aflição insuportável para a maioria dos portugueses e a fim de que não haja desculpas, convém, por isso, relê-lo:
O Ac relembra, primeiro, que fora já "...adoptada em 2010,2011 e 2012 uma política de congelamento dos salários do sector público e, nos dois últimos anos, das pensões, (...) o que, conjugado com o fenómeno da inflação, resulta numa redução real desses salários e pensões...".
Acrescenta depois:
(i)"... os subsídios de férias e de Natal ou quaisquer prestações correspondentes ao 13.8 e 14.8 meses (...) não revestem, no essencial, natureza diversa das remunerações salariais que foram objecto da redução determinada pelo OE para 2011»;
(ii)"... com as medidas constantes das normas impugnadas, a repartição de sacrifícios (...) não se faz de igual forma entre todos os cidadãos...";
(iii)"... a diferença de níveis de remuneração não pode ser avaliada apenas em termos médios, pois o tipo de trabalho e funções que são exercidos no sector público (...) não são de modo nenhum necessariamente iguais aos do sector privado";
(iv)"... No que respeita à alegação da maior garantia de subsistência do vínculo laboral (...) esse dado não é idóneo para justificar qualquer diferenciação na participação dos cidadãos nos encargos com a diminuição do défice público";
(v)"... a diferença do grau de sacrifício tem de ser proporcionada (...) não podendo revelar-se excessiva";
(vi)"... nenhuma das imposições de sacrifícios descritos tem equivalente para a generalidade de outros cidadãos que auferem rendimentos provenientes de outras fontes...";
(vii)"... as normas que prevêem a suspensão dos subsídios de férias e Natal ou quaisquer pensões (...) violam o princípio da igualdade";
(viii) "Declara-se a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da igualdade (...) das normas...".
«There you are!», em inglês para nomista entender.
António Cluny, Jurista e presidente da MEDEL
ionline de 18-09-2012