quinta-feira, 20 de julho de 2023

<>Há frases que ficam (e que merecem ficar)

Ricardo Cabral 

20 de Julho de 2014, 19:40

Por

Grandes homens (e grandes mulheres) ficam, com frequência, na História, não só pelos seus actos, mas sobretudo pelas suas palavras. E se há algo que é interessante fazer é investigar citações que passaram a conhecimento popular. Muitas vezes essas citações incorporam conhecimento e nuances que revelam o génio de quem as disse pela primeira vez. E é surpreendente descobrir, que em alguns casos, só por acaso, essas citações são hoje conhecidas.

Uma frase com frequência atribuída a Abraham Lincoln – mas em que existem fundadas dúvidas sobre se é mesmo da sua autoria[1]– é reveladora:

“You can fool all the people some of the time, and some of the people all the time, but you cannot fool all the people all the time.”

É uma frase que faz pensar. Sugere que existem conspirações permanentes e recorrentes que procuram enganar ou manter desinformada a generalidade da opinião pública. Sugere ainda que esse tipo de conspirações tem sucesso a maior parte do tempo. Acresce que sugere que são poucos os que são capazes de descortinar a verdade. Por último, e porque se me afigura que a frase traduz em larga medida a realidade, a frase traz consigo a solução para o problema: são necessários mecanismos que permitam que aqueles que detectam a conspiração possam informar a restante opinião pública – ou seja, por exemplo, a ideia de uma imprensa livre.

Estou certamente a ler mais na frase do que ela contém. Mas é essa a riqueza das palavras.

 [1] http://www.abrahamlincolnassociation.org/Newsletters/5-4.pdf

<>Verbo e verba

António Bagão Félix 

20 de Julho de 2014, 17:36

Por

Opresidente do PSD encomendou um relatório sobre políticas de apoio à natalidade a uma equipa formada no contexto do próprio partido.

Uma vez apresentado, Passos Coelho falou desse relatório num ambíguo casamento presidente do PSD / Primeiro-ministro. Baralhar as coisas até dá resultado, por vezes, quando uma das partes diz o que a outra quase nega. E foi, de facto, assim: o presidente do PSD começou por tecer louvaminhas ao relatório. Depois (na pele de PM) disse que se teriam que estudar as consequências orçamentais das medidas, para as quais ninguém … terá feito contas. Em álgebra, mais por menos dá menos. Está-se mesmo a ver o que vai suceder. Versão II do “cheque-bebé” de Sócrates?

Logo de seguida, é tornado público o relatório de uma equipa nomeada pelo Governo sobre a necessária reforma do IRS. Tem boas ideias e propostas que merecem ser discutidas.  Mas logo a ministra das Finanças, em estilo de duche escocês, arrefeceu as expectativas e tudo faz depender do “contexto”.

Em resumo: muito verbo (e com texto), pouca verba (e contexto). Apesar do Verão quente, o Inverno demográfico prossegue silenciosa e inexoravelmente.

<>Palavra de Santana Lopes: isto era mesmo para correr mal

Francisco Louçã

20 de Julho de 2014, 13:11

Por

Diz Santana Lopes no Expresso desta semana: “Nunca esqueci de um dia, enquanto Primeiro-Ministro, ter recebido o sr. Trichet, governador do Banco Central, em São Bento, e de ele me ter dito: isto é como se o escudo e o marco tivessem continuado a existir e o escudo se tivesse valorizado 30%”. Ou seja, “isto” serviu para destruir a economia portuguesa e beneficiar a alemã e para conduzir à redução dos salários, o que com simplicidade se chama “desvalorização interna”.

Os avisos foram muitos (por exemplo, o apelo a que Portugal não entrasse no euro, que várias personalidades assinaram em 1999, entre as quais me juntei a Carlos Carvalhas, Fernando Rosas, Saramago, Cardoso Pires, Mário de Carvalho, Urbano Tavares Rodrigues, Nunes da Silva, João Nabais, Carvalho da Silva, Óscar Lopes, entre muitos), mas o bulldozer acelerou mesmo. Faltou força para lhe fazer frente e mostrar que era possível governar, como era necessário, contra esta imposição e chantagem.

<>Todos iguais, todos diferentes

Ricardo Cabral 

20 de Julho de 2014, 11:05

Por

Viajar e sobretudo viver noutras culturas, expande horizontes e permite apreender diferenças que, de outra forma, não seriam perceptíveis. Começa porque, até mesmo debaixo do verniz da língua comum, existem diferentes dialectos ou acentos. Mas é mais profundo do que isso. Descobri com o tempo que existem mensagens subliminais específicas – conhecimento social tácito – que caracterizam o comportamento dos povos. Em pelo menos parte dos Estados Unidos, por exemplo, prevalece a cultura do ser individualmente responsável pelos seus actos, de que o indivíduo pode fazer a diferença, de que o nosso futuro só depende de nós. Tais crenças parecem contraditórias com aquela imensidão de território e de pessoas e com uma “máquina” da lei omnipresente e avassaladora. E com o facto da opinião pública parecer seguir colectivamente modas, “flip-flopping” com o vento. Mas, quase todos as seguem, resultando numa pobreza de diversidade de opinião que impressiona. Na Alemanha, surpreende a cultura do silêncio, do só falar quando relevante e só quando se tem a certeza do que se vai dizer, do pensar antes de falar, do planear antes de começar a fazer e do dizer “não” e não “sim”. Em Portugal, surpreende a cultura do dizer sim, mesmo quando as partes preferiam dizer não, de começar a fazer antes de se pensar o que se quer fazer, de reverenciar o que vem de fora ou de cima, de ter medo de arriscar dizendo algo novo e sobretudo de ter medo de perder a face ao fazê-lo. Vá se lá entender tudo isto … mas é bom sabê-lo.

<>Enquanto os tanques invadem Gaza, até ao fim da terra

Francisco Louçã 

20 de Julho de 2014, 00:42

Por

Enquanto as bombas explodem em Gaza e os mísseis caseiros atravessam a fronteira, olhamos para as pessoas afadigadas a salvarem o que puderem. Crianças mortas na praia. Edifícios em escombros. Imagens de jogos de vídeo, dizem que são túneis a explodir. E não conhecemos as vítimas.

David Grossman, cujo filho, um soldado, morreu numa destas operações de invasão (então era no Líbano), escreveu um livro poderosíssimo, “Até ao Fim da Terra” (ed. D. Quixote, 2012). Conta-nos a angústia de uma mãe, Ora, quando fica a saber que o seu filho, Ofer, se realistou nas forças armadas de Israel a poucos dias de terminar a sua comissão, em vez de voltar para casa. Ela vai caminhar ao desvario e atravessa a pé a Galileia, com um amigo e antigo amante, Avram, que arranca à melancolia da sua vida.

Os dois arrastam-se pelas memórias e pela imensidão sem horizonte, à espera do que pode acontecer e adivinham que vai acontecer, como se o destino viesse da fundura da terra e os tivesse que atingir como um raio, a eles, logo a eles. Grossman e Ora, a sua personagem, esses conhecem a guerra que nunca tem tréguas, porque só o sofrimento sabe quem são as vítimas.

No meio da mortandade sem fim, só nestas páginas de angústia telúrica se pode reconhecer a vontade de tréguas. Eles são os que querem a paz, porque sabem os nomes dos caídos da guerra.

<>Tudo menos economia?

António Bagão Félix 

20 de Julho de 2014, 09:00

Por

TUDO MENOS ECONOMIA perguntarão alguns? Não será um paradoxo ou, em estilo literário, um quase oxímoro? Não é a Economia, por definição, avassaladoramente tudo, pelo que o seu complemento se reduz a um conjunto tendencialmente vazio? Não significa, consequentemente, TUDO MENOS … TUDO? Tal qual, como dizer – em Luis de Camões – um contentamento descontente? Ou um silêncio ensurdecedor? Ou um eterno instante? Ou uma lúcida loucura? Ou uma obscura claridade? Ou um ilustre desconhecido? Ou um regresso ao futuro.

TUDO MENOS ECONOMIA é um título desafiante que nos indica, afinal, o óbvio (tantas vezes ignorado): que o TUDO está em nós. Ou seja, no todo: as pessoas. Certamente não ignorando a economia, mas apenas como sendo parte na parte. Se possível, com a eloquência da dúvida.

TUDO MENOS ECONOMIA não significa necessariamente MENOS ECONOMIA EM TUDO. Por isso, às vezes é preciso falar de Economia em parte de tudo que não é economia.

Posso falar de botânica e deliciar-me com a economia que subjaz à combinação de recursos escassos na fotossíntese. Ou olhar o jogo de futebol a pensar no efeito colateral de um lateral esquerdo ou direito. Ou exprimir a ideia da diferença, através da notável imagem do poliedro dada pelo Papa Francisco como “a união de todas as parcialidades, que, na unidade, mantém a originalidade das parcialidades individuais”.

Em síntese: falar de TUDO MENOS ECONOMIA é tentar fazer um exercício para vislumbrar a árvore isolada ou para ter uma visão holística da floresta, para ligar o tudo do todo com as partes e para encontrar o outro na expressão mais ecléctica do sentido da Vida.

Ah, já agora: a Economia também precisa de silêncio. Tal como eu, que também exijo o meu direito ao silêncio.

António Bagão Félix