terça-feira, 29 de janeiro de 2013

O admirável mundo novo: na senda da irrelevância da ordem jurídica

Por António Cluny, publicado em 29 Jan 2013, i
A expressão deste “pensamento” não resulta já da reflexão sobre a complexidade do sistemajurídico e da sua relação com a vida político-económica, que o cria, condiciona e modifica
A discussão sobre o valor que a Constituição encerra para a vida e para os destinos dos portugueses e do país tem revelado o grau de “colonização” dos nossos intelectuais – neles se incluindo alguns juristas – por um estilo de pensamento e expressão efémeros, mais próprios da opinião desenvolvida nas redes mediáticas instantâneas, que tanto cultivam.
O seu nível é, por conseguinte, confrangedoramente simplista, tanto do ponto de vista da elaboração da análise política, como, inclusive, jurídica, não conseguindo sequer autonomizar--se visivelmente do simples comentário radiofónico e televisivo ou de um post na net.
A expressão deste “pensamento” não resulta já da reflexão sobre a complexidade do sistema jurídico e da sua relação com a vida político-económica, que o cria, condiciona e modifica. Apenas é capaz de exprimir a justificação casuística das medidas fragmentárias com que a “política” actual sustenta um modelo económico e social que, não se sabendo já como e para onde se move, sobreviveu, se renovou e se impõe de novo com toda a sua força bruta.
Alheados já de qualquer narrativa política coerente, desinteressados até dos fins de uma economia – antes política, mas agora só gestionária –, tais “pensadores”, que apenas podem assim ser chamados em virtude das obras que anteriormente produziram na busca de um sentido para a justiça, o direito, a lei e o uso transformador que deles queriam fazer num quadro democrático e que a vontade de um povo (soberano no seu país) exigia; tais “pensadores”, dizia, pretendem relativizar e enquadrar agora a Constituição na esquadria maleável de um “direito” global, espontâneo e não sistémico, que os mercados, ou algumas instituições internacionais (por eles) produzem, rapidamente volatilizam e ininterruptamente reconstroem.
Tais comentários sobre o “valor” da Constituição face à “crise” e às medidas que supostamente a hão-de combater, poderão, parodicamente, inspirar-se, assim, na expressão crítica de Gunther Teubner (2010): “Tomando em consideração a pluralidade descoordenada de órgãos de decisão jurídica organizados descentralizadamente, a pergunta sobre qual a norma aplicável só pode ser respondida, agora de maneira inequívoca, quando se tenha decidido o caso concreto.”
Bloqueados num vazio de princípios e objectivos vitais, entendem por isso hoje que a Constituição não se destina afinal a orientar a acção política corrente e a contê-la nos trilhos desejados pela comunidade que a celebrou como pacto social essencial, antes servirá para a “justificar” perante ela.
Segundo o mesmo autor, acontece que assim “O limite entre o legal e o ilegal fixa-se (necessariamente) ‘de forma arbitrária’, sem uma adequada fundamentação científica. Ao mesmo tempo, os aspectos políticos, morais e económicos adquirem um enorme peso.”
Não admira, pois, que “inovações jurídicas”, moldadas em conceitos mediático-políticos, como é o caso recente do chamado “estado de emergência económica”, possam ser consideradas “realidades jurídico-constitucionais” válidas no debate “jurídico-científico” actual, assumindo-se mesmo como justificativas ilimitadas das soluções concretas determinadas pelos mercados e por aqueles que, nacional ou internacionalmente, agem “politicamente” no seu interesse.
Só que esta relativização da Constituição e da lei conduzirá, mais cedo do que tarde, à irrelevância da própria ordem jurídica, com todos os problemas sociais – e também económicos – que daí inevitavelmente decorrerão.
Jurista e presidente da MEDEL

Justiça territorial, já

PAULO RANGEL 
Público - 29/01/2013 - 00:00
A experiência mostra que um dos efeitos mais comuns da austeridade é o reforço inusitado do centralismo
1. A Região Norte é a região mais pobre de Portugal e uma das mais pobres da Europa. Vou escrever isto outra vez: a Região Norte é a região mais pobre de Portugal e uma das mais pobres da Europa. Vou escrever isto uma terceira vez: a Região Norte é a região mais pobre de Portugal e uma das mais pobres da Europa.
2. Há muitas e boas razões para defender a equidade territorial. Há razões de justiça, de justiça para com os portugueses, não os dividindo em cidadãos de primeira e de segunda, num mirífico Portugal a várias velocidades. Razões de justiça, portanto. Há também razões de estratégia e geopolítica. Um território desequilibrado e desguarnecido, acantonado num "mega-centro" urbano, está mais exposto e é francamente vulnerável, não resistindo às ameaças perenes. Razões políticas, por conseguinte. Há ainda razões económicas e ecológicas. Um espaço de grandes diferenças e grossas assimetrias gera tensões sociais, fomenta distorções de recursos, promove desregulações agrícolas, florestais e ambientais. Subsistem razões económicas e razões ecológicas, com efeito. Há razões de qualidade de vida. A concentração excessiva faz do quotidiano do centro um inferno nada palpitante e deixa o dia-a-dia das periferias numa rotina rasteira e entediante. Há puras razões de qualidade de vida, afinal. Há razões de credibilidade europeia e internacional. Não se pode ser o arauto da coesão e da solidariedade em Bruxelas, usando para tanto as estatísticas das regiões nacionais mais deprimidas, e coetaneamente fomentar uma descarada concentração de recursos, que alimenta a divergência no seio do todo nacional. Há razões de ética e credibilidade, enfim.
3. Há, na verdade, razões da mais variada índole para defender e pôr em prática um desígnio e um programa de justiça territorial. Mas a crise, a profunda crise que vivemos, é hoje o argumento - o argumento principal, o argumento de tomo - para propor, pedir, reivindicar e exigir justiça territorial.
O actual Governo tem, com grande incompreensão e com atendível insatisfação, executado um duríssimo programa de austeridade e sacrifício. Tem, muitas vezes acossado com o labéu de professar uma ideologia "assistencialista" e "caritativa", tentado poupar o mais possível as camadas mais fragilizadas da população. Na realidade, compelido a distribuir e dispersar os enormes sacrifícios até aos umbrais da mais baixa das classes médias, o Governo tem sistematicamente procurado não tocar os estratos mais pobres, que são, como todos sabemos, verdadeiramente pobres.
Este princípio de acção, válido para a esfera atomística da justiça familiar e individual, não pode deixar de prevalecer também na dimensão mais estrutural do território. Um Governo que pretende salvaguardar as franjas mais desprotegidas da população não pode, pura e simplesmente, ignorar a sua inserção espacial ou territorial. Uma política de distribuição da austeridade que faça tábua rasa da dimensão territorial acaba por atingir duplamente os mais pobres, os mais carenciados. Não pode haver uma justa distribuição dos sacrifícios que ignore ou despreze a prevalência regional da pobreza.
4. A experiência - aí incluída a experiência portuguesa - mostra que um dos efeitos mais comuns dos programas de austeridade é o reforço inusitado do centralismo. Por um lado, porque os centros de poder avocam a si as mais ínfimas e irrelevantes decisões, na ânsia de tudo frenar e controlar. Por outro lado, porque, desconhecendo as realidades locais e regionais, tudo o que por ali mexa lhes parece despiciendo e dispensável. Em muitas situações, as decisões de paralisia e corte revelam-se contraproducentes, pois o acréscimo de burocracia central e a desvitalização das economias locais são amiúde fonte de mais despesa, lá onde centralmente se supunha residir uma choruda bolsa de poupança.
Acresce a esse efeito "automático", nem sempre voluntário, que não falta quem aproveite a conjuntura de escassez e de rigor para, com esse preciso pretexto, legitimar a visão centralista e unipolar que sempre teve. A invocação da contingência de austeridade e contenção orçamental serve, pois, de justificação exemplar para levar a efeito o enfraquecimento e o desmantelamento dos mais diversos pólos de afirmação regional e local.
5. É por causa deste pano de fundo que, em matéria de equidade territorial não podemos baixar os braços. É preciso pedir e exigir justiça territorial.
Primeiro, porque a falta de critérios territoriais de distribuição dos sacrifícios origina um duplo gravame para os cidadãos das regiões mais pobres. Não é a mesma coisa cortar 10% numa região cujos índices, em termos de PIB, apontam para 100% da média europeia ou numa região cujos índices pouco excedem os 60%. Não está em jogo, como é óbvio, tratar diferentemente cidadãos em circunstâncias idênticas, só por causa da sua proveniência regional. Trata-se, isso sim, de não tratar as regiões - no que aos factores estruturais de desenvolvimento e atracção diz respeito - por igual, quando elas apresentam enormes disparidades em sede de progresso económico e social. Eis o que explica bem o caso das portagens, da RTP, do porto e aeroporto, da Casa da Música, a norte do país.
Segundo, porque a alteração estrutural da despesa que agora se prepara, com base nos relatórios pedidos ao FMI e à OCDE, não pode deixar de incorporar uma visão quanto ao desenvolvimento regional e à coesão territorial. Eis uma oportunidade única para fazer política em ordem à justiça territorial.
Talvez a maioria dos decisores ainda não se tenha dado conta. Mas quem vive e respira fora do centro já percebeu. Chegou o tempo da justiça territorial. Agora. Já.
Eurodeputado (PSD). Escreve à terça-feira paulo.rangel@europarl.europa.eu

A primeira mulher executada nos EUA desde 2010


Kimberly McCarthy, de 51 anos, cuja execução está marcada para esta terça-feira nos Estados Unidos, será, desde 2010, a primeira uma mulher que é morta devido à prática de um crime.
A mulher, que está no corredor da morte há 15 anos, assassinou uma outra mulher durante um assalto em 1997 e será morta no Estado do Texas.
Kimberly McCarthy será a 13.ª mulher a ser executada nos Estados Unidos desde que a pena de morte voltou a ser permitida, em 1976.
No Texas, McCarthy será a quarta mulher a ser executada desde 1976, de um total de 493 mortes por decisão judicial.
Jornal de Notícias, 29-01-2013

Bolseiros que prestem declarações falsas perdem bolsa


por Lusa
A prestação de declarações falsas por parte dos bolseiros ou dos orientadores científicos passam a ser punidas, segundo as alterações ao Estatuto do Bolseiro de Investigação hoje publicadas em Diário da República.
A lei 12/2013, hoje publicada, define que "as falsas declarações do orientador científico impedem a continuidade da supervisão e são punidas nos termos da lei".
Da mesma forma, a "prestação de falsas declarações pelo bolseiro" passa a ser uma das causas suficientes para cessação do contrato e cancelamento do estatuto do bolseiro.
O diploma é a primeira alteração, por apreciação parlamentar, ao Decreto-Lei n.º 202/2012, de 27 de agosto, relativo ao Estatuto do Bolseiro de Investigação.
Diário de Notícias, 29-01-2013

Ladrão filmado a chorar no ombro de vítima


Há assaltos que não correm bem, mas ver um ladrão a chorar no ombro da vítima é, no mínimo, pouco habitual. Mas foi o que se passou num posto de gasolina em Oldenburg, na Alemanha.

Um enzapuzado entrou na bomba de gasolina e, munido de uma faca, pediu ao funcionário do estabelecimento para retirar todo o dinheiro da caixa.

Porém, a vítima, Robert B., responde munido de um bastão e consegue controlar o ladrão. Sem forças, o larápio acaba por começar a chorar no ombro do funcionário, depois de perceber que não terá hipóteses de consumar o roubo.

De acordo com o jornal ‘Bild’, Robert B. contou que o assaltante pediu para ser libertado, por ter mulher e filhos. No entanto, a polícia informou depois que o criminoso pretendia gastar o dinheiro em droga. 
Correio da Manhã, 29-01-2013

Má justiça é segunda maior preocupação


É a segunda maior preocupação dos empresários inquiridos pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, a pedido da Associação Comercial de Lisboa, ACL: a Justiça não funciona (a primeira é a crise).

PROBLEMA PROCESSOS ARRASTAM-SE

EM MÉDIA um processo cível arrasta-se por quase dois anos e meio - demasiado tempo para, por exemplo, a cobrança de uma dívida.

PROPOSTA MUDAR A LÓGICA DE ORGANIZAÇÃO

A REFORMA em curso é positiva, mas deve dar lugar a um "rasgar e fazer de novo", diz Bruno Bobone, presidente da ACL: os juizes precisam de mais autonomia para fixar o passo do processo; a citação deve usar novas tecnologias; deve ser possível apurar a verdade ao longo do processo (agora só pode ser alegada no início); e permitir recuperar o IVA relativo a clientes falidos mediante testemunho de um ROC ou TOC.

O Grupo Informal de Combate aos Custos de Contexto (GICCC) sugere uma gestão dos tribunais por objetivos, definindo um número mínimo de processos que um juiz tem de decidir (matéria prevista na proposta do Governo e apoiada pelo Conselho Superior da Magistratura, CSM).

Propõe ainda que as manobras dilatórias sejam forçadas a pagar custas ainda mais altas; e que o juiz tenha assessores técnicos para matérias especializadas, algo também defendido pelo CSM.

Sobre as matérias levadas a tribunal, defendem que casos como pequenas cobranças e os cuja decisão depende do apuramento da matéria de facto e não da interpretação da lei devem ser remetidos a tribunal arbitrai. Deve ser pública a lista dos juizes que ultrapassam os prazos legais em cada um dos passos do processo, incluindo a sentença.

Mouraz Lopes, da Associação Sindical dos Juizes, entende que a proposta do Governo é positiva e realça a importância de dar mais autonomia aos juizes ("os advogados têm de estar preparados para isso"), mas lembra que tudo depende da sua aplicação prática, tanto que não há "demasiados processos por juiz", como cada um "exige demasiados passos", como o facto de ás sentenças terem de ser escritas qualquer que seja o caráter do processo.

Marinho e Pinto aponta a desmotivação dos juizes ("trabalham três e quatro vezes mais do que o colega ao lado e ganham o mesmo") e à falta de funcionários e de juizes, cuja responsabilidade atribui aos próprios juizes, que "não querem perder regalias".

Fernando Jorge, do Sindicato dos Funcionários Judiciais, atesta a falta de meios humanos e informáticos e aponta a existência de demasiados procedimentos administrativos.

ALEXANDRA FIGUEIRA

Colaboraram os membros do GICCC: João Oliveira, Miguel Cadilhe, Carlos Moreno, Meira Fernandes, Jorge Bártolo e Magalhães Machado

"O problema do atraso não está no julgamento. Quando muito, demora meses", depois de arrancar. "O problema está ao nível da sentença, que pode demorar anos. É preciso motivar os juizes".

Marinho e Pinto

Bast. Ord. Advogados

PROBLEMAS:

1. Entrave ao Investimento

O mau funcionamento da Justiça é uma das razões mais invocadas por empresários (nacionais e estrangeiros) para justificar o não-investimento em Portugal.

PROPOSTAS

1.Gerir tribunal por objetivos

No início de cada ano, fixar objetivos quantificáveis e orientar a gestão do tribunal para o seu cumprimento, dotando-o dos meios necessários para os atingir.

2. Auxiliar técnicos

No caso de processos judiciais de elevada complexidade técnica, o juiz deve dispor de especialistas que o auxiliem a compreender a matéria de facto.

3. Alterar regras de citação

O sistema de citação deve ser alterado, aproveitando as novas tecnologias ou adotando o sistema de notificação usado pelas Finanças - carta normal.
Jornal de Notícias, 29-01-2013

O mito do segredo de justiça


Manter o segredo de justiça como está hoje, se não é uma fraude, é pelo menos um mito

Jorge Neto*

O anúncio da procuradora-geral da República (PGR) de realização de uma auditoria às violações do segredo de justiça ocorridas nos inquéritos dos últimos dois anos só pode concitar o apoio generalizado. São demasiadamente recorrentes tais violações e nunca se apura rigorosamente nada no tocante aos seus responsáveis. Se há área da nossa vida pública em que a culpa morre solteira, esta é por natureza uma das suas referências paradigmáticas. E por isso urge, de uma vez por todas, tomar medidas para pôr cobro a este inominável atentado ao Estado de direito.

Penso que ninguém questiona a importância do segredo de justiça. Trata-se de um instrumento fundamental para assegurar os objectivos de perseguição e censura criminal, para salvaguardar a dignidade da administração da justiça, para preservar a privacidade e o bom nome do arguido e em certos casos dos ofendidos e das vítimas. Mesmo nos países de matriz anglo-saxónica, onde o processo penal assume um cariz acusatório singular de maior abertura, há sempre uma fase prévia ou preliminar de rigoroso secretismo. Como sustenta Eduardo Maia Costa, uma investigação feita na praça pública ou em coligação com os arguidos está condenada ao fracasso.

Sucede, porém, que manter o segredo de justiça como está hoje, se não é uma fraude, é pelo menos um mito. É que ele não tem servido nenhum dos propósitos que lhe subjazem. Antes tem funcionado como mera arma de arremesso de guerras políticas ou judiciais, ou como elemento essencial de uma perversa estratégia de investigação a que não raras vezes nem os advogados escapam. No fim da linha, quem sofre é o Estado de direito. O cidadão indefeso e inocente que se vê condenado sem apelo nem agravo aos olhos da opinião pública, o bom funcionamento do sistema judicial, que se vê confrontado com um clima de tensão e de suspeição entre os diversos operadores judiciários, a confiança da comunidade na justiça que se esboroa face ao desrespeito sistemático e impune dos direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição.

Apontar o dedo atrabiliariamente e sem provas aos suspeitos do costume não resolve o problema Mas também não resolve o problema cruzar os braços. Daí que a iniciativa da PGR seja um bom ponto de partida para mudar o rumo das coisas, com uma nova linha de acção no combate à violação do segredo de justiça, consignando- -se a primazia do secretismo sobre a publicidade na investigação e reafirmando-se o princípio de que o segredo de justiça deve existir, mantendo-se por regra ao nível interno até à constituição do primeiro arguido e ao nível externo até à acusação do Ministério Público. No mais deveria agravar-se significativamente a moldura penal da violação do segredo de justiça, cominando-se como circunstância agravante o facto de o violador ser agente de investigação e responsabilizando-se civilmente e em sede contra-ordenacional a empresa proprietária do órgão de comunicação social que violasse o segredo de justiça. Talvez então o mito passe a ser realidade... *Advogado
i, 29-01-2013

Custo das leis mal feitas dava para pagar salários dos deputados


Apesar de uma grande parte dos deputados que estão na Assembleia da República se dedicar à advocacia, a verdade é que a qualidade das leis que ali se produzem deixa muito a desejar. E não é de hoje. Já chegámos ao ponto de ver Pinto Monteiro a pedir aos deputados, em plena comissão parlamentar, que tirassem uma vírgula entre sujeito e predicado num artigo. Mas o problema legislativo em Portugal não é só gramatical. Cavaco Silva já avisou um sem número de vezes que "toda a lei que seja incerta, mal avaliada quanto aos seus efeitos ou portadora de normas de duvidosa inconstitucionalidade inquina o sistema de justiça".

Por entre gralhas, erros gramaticais, omissões, inconstitucionalidades, remissões para normas inexistentes, se vão fazendo as leis em Portugal. Exemplo disso é a nova lei que aprova o pagamento de metade dos subsídios em duodécimos e que está a provocar as mais variadas interpretações jurídicas.

É que a lei que entra em vigor hoje, sim hoje, diz que o pagamento em duodécimos "não se aplica a subsídios relativos a férias vencidas antes da entrada em vigor da presente lei". O problema é que os subsídios de férias devidos este ano (pelo trabalho prestado em 2012) são relativos a férias já vencidas a 1 de Janeiro. Logo, se a lei entra em vigor hoje, então o pagamento em duodécimos excluiria o subsídio de férias. É esta a interpretação de vários especialistas contactados pelo Diário Económico que dizem que em vez de "antes da entrada em vigor da presente lei", os deputados deveriam, ao invés, ter escrito "antes da produção de efeitos da presente lei". É uma nuance, mas que faz toda a diferença. O caso em si não é grave. Os deputados, muito provavelmente, vão fazer uma declaração de rectificação, e daí não vem grande mal ao mundo. Mas é um sintoma da forma atabalhoada e apressada como as leis são feitas. E não seria preocupante se fosse um caso único. Ainda há dias Cavaco promulgou a Reorganização Administrativa do Território e agora veio-se descobrir que o decreto fez "desaparecer" três freguesias do concelho de Barcelos. Quem vivia em Ucha, Várzea ou Vila Seca deixou de existir aos olhos da lei. Carlos Abreu Amorim veio ontem descartar a necessidade de uma nova votação no plenário, bastando accionar a famigerada figura de rectificação. O deputado do PSD veio criticar a "tendência natural neste país para complicar, em vez de simplificar".

E terá sido imbuídos deste espírito simplificador que os deputados também desenharam e aprovaram o novo desenho administrativo de Lisboa com um insólito erro no mapa que criou a freguesia do Parque das Nações, num território até à altura pertencente ao município de Loures. Neste caso Cavaco perdeu a paciência e chumbou o diploma. Na altura, voltou a pedir "qualidade e o rigor na produção das leis". E foi com a qualidade habitual que os deputados também aprovaram a lei sobre a limitação dos mandatos e até agora, com as autárquicas à porta, ainda ninguém percebeu muito bem se a limitação dos mandatos dos autarcas incide sobre o território ou sobre a função.

Se procuráramos mais para trás, se calhar vamos encontrar outros exemplos - Código do Trabalho, Lei do Divórcio... decasos de leis que, por terem sido mal feitas, tiveram custos directos e indirectos para o Estado, sendo que o mais gravoso é a insegurança jurídica e a inoperância da Justiça. A única estimativa que se conhece para os custos de legislação mal feita foi avançada, há já dois anos, por uma técnica da presidência do Conselho de Ministros: 7,5 milhões por ano. Visto que temos 230 deputados, e que cada um leva para casa cerca de três mil euros, é fácil concluir e fazer as contas: se os deputados fizessem as leis como deve ser, o dinheiro que se pouparia chegava para lhes pagar o salário.
Diário Económico, 29-01-2013