Talvez tenha uma atracção mal explicada por todos quantos saíram do Direito para outras actividades, nomeadamente aqueles que eu digo, maldosamente, procuraram asilo nas Artes e na Literatura. Só a escrita recebeu uma boa leva deles.
Talvez isso suceda porque ante a secura das leis a alma procure qualquer outro alimento mais suculento com que matar a sua sede de vida ou talvez porque pelos labirintos da Justiça passam almas mais penadas que na melhor narrativa de ficção.
Do ponto de vista estrito do acto de escrever sempre me causou viva impressão a que tem como destino final os fólios dos processos, quais corpos inertes em esquifes, condenados ao pó do esquecimento.
A melhor prosa forense, a mais burilada sentença, a mais refinada acusação serão um dia - salvo raríssimas excepções históricas - afinal um nada literário na memória dos seus autores e daqueles que forem seus forçados leitores.
Correspondendo ao repto que aqui me foi lançado pelo Simas Santos e pelo Lemos da Costa, vou voltar. Não falarei propriamente do Direito no esquemático da sua literalidade, nem no denso da sua legitimação. Talvez sobre os pretextos que a vida lhe deu para se ensaiar como Justiça.
Dito agora, deste momento em que é impossível exemplificar antecipando o exemplo, o leitor teme que sejam vacuidades sazonais, fruto ainda da preguiça do tardio Verão. Espero conseguir melhor do que isso.
No momento em que escrevo lembro-me, como intróito de prédica, de um homem que foi advogado até que um processo de inventário lhe matou a paciência causídica. A partir daí, escritor, editor, prosélito, tornou-se advogado de Deus, conversando com ele, num mundo dos diabos. Chama-se - porque os grandes vultos não morrem nunca - António Alçada Baptista, Começo com ele.
A sua editora, a Moraes, ali a São Carlos, por onde o chic se tornou hoje num café, editou, por exemplo, o Formulário e um Código de Processo Penal do juiz Pinheiro Farinha. E tanta outra obra, sobretudo a que trouxe aos portugueses o personalismo cristão. E depois foi O Tempo e o Modo que acabou às mãos do MRPP. Esgotou o dinheiro que tinha e o que lhe emprestaram por uma causa. Advogado uma vez, advogado sempre.