sexta-feira, 14 de junho de 2013

Governo poupa 3550 milhões com função pública e pensões até 2014

Rescisões amigáveis no Estado, mobilidade especial, convergência entre sector público e privado e cortes nos ministérios são algumas das receitas
Resgate
José Manuel Rocha
O Governo propõe-se poupar 3550 milhões de euros na despesa com a função pública e com pensões até ao final do próximo ano. O valor está inscrito no memorando de entendimento que saiu da 7ª avaliação da troika e que ontem foi divulgado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
No total, o valor de cortes inscrito no documento revelado pelo fundo – que anteontem aprovou nova tranche do financiamento a Portugal – ascende a 4700 milhões de euros. Mas fonte oficial do Ministério das Finanças esclareceu que o quadro avançado pelo FMI inclui um programa (denominado attrition) – referente à diminuição de pessoal ao serviço do Estado – que já estava em execução e que, por isso, não pode ser incluído nas poupanças a pôr em prática. Assim, o valor efectivo de cortes a aplicar até ao final de 2014 é de cerca de 4300 milhões de euros, conforme constava da carta enviada pelo primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, no início de Maio, aos credores internacionais.
Os cortes com que o Governo se comprometeu na 7ª avaliação vão ser conseguidos na base de três segmentos de intervenção: cortes na despesa com os trabalhadores do Estado, reforma do sistema de pensões e reduções nos encargos relacionados com os consumos intermédios dos ministérios – 854 milhões de euros.
As duas primeiras áreas de intervenção representam a parte mais substancial das poupanças, com um corte global de mais de 3500 milhões de euros entre 2013 e 2014. O consumo intermédio registará, ao longo dos próximos dois anos, um emagrecimento financeiro de 854 milhões de euros.
No documento ontem revelado pelo FMI consta ainda uma rubrica de quase 300 milhões de euros sob a designação “outros”, mas sem identificar as medidas de intervenção previstas.
Requalificação (que substitui a mobilidade especial), convergência nas regras laborais entre sector público e privado, rescisões amigáveis – com um custo de 500 milhões de euros em indemnizações – e alterações na tabela salarial e suplementos remuneratórios são medidas que o Governo colocará em curso no âmbito do processo de ajustamento da dimensão da administração pública. O esforço de contenção chegará aos 2172 milhões de euros, nas contas do Governo (incluindo as saídas não compensadas com novas contratações).
Mas há também uma intervenção profunda no sistema de pensões, que resultará em poupanças de 1378 milhões de euros conseguidos à custa do aumento da idade de reforma, da convergência entre os sectores público e privado e da contribuição especial de solidariedade, conhecida como a “TSU dos pensionistas”.
O CDS já afirmou que esta é a linha que nunca ultrapassará, mas a medida continua inscrita (embora não seja considerada estrutural, ou seja, indispensável). Para que não seja aplicada, terá de haver cortes da mesma dimensão numa outra área.
Cálculo das pensões
Do lado das pensões, o documento avança também com mudanças na forma de cálculo das que são atribuídas aos funcionários do Estado. Ao contrário do que sucede actualmente – o valor da pensão é equivalente a 90% do último salário – irá passar-se para um novo rácio de apenas 80%.
No próximo ano, o Governo conta ainda conseguir poupanças de 445 milhões de euros com reduções nas prestações salariais da função pública, resultantes da criação da tabela única e da reformulação dos suplementos remuneratórios em vigor. Com o processo de ajustamento a correr em plena recessão, Abebe Selassie admite que as metas do défice possam vir a ser novamente flexibilizadas, se o andamento da economia tal exigir. No entanto, anteontem a directora-geral adjunta do FMI, Nemat Shafik, tinha afirmado que a margem de manobra “é limitada”, tendo em conta as “elevadas necessidades de financiamento a médio prazo” e os níveis da dívida pública.
Selassie, numa vídeo-conferência realizada ontem, não põe de parte dar anuência a um aumento da despesa com prestações sociais decorrentes do aumento do desemprego, que deverá ultrapassar os 18% no próximo ano. Na área laboral, aliás, o FMI volta a insistir na redução das indemnizações por despedimento. Os instrumentos legislativos para dar corpo à reforma do Estado deverão ser entregues na Assembleia da República até ao final da actual sessão legislativa, ou seja, 15 de Julho.
O documento do FMI alerta, porém, que a prossecução destes objectivos pode enfrentar dificuldades – porque diminui a margem de obtenção de consensos políticos e sociais, o ajustamento irá continuar a fazer-se em clima de recessão e há barreiras jurídicas que não podem ser ultrapassadas, como as que foram levantadas pelo Tribunal Constitucional. com Luís Villalobos
Encontro a dois
Cavaco e Durão pedem troika sem FMI
Durão Barroso considerou ontem “completamente contraproducente” retirar o Fundo Monetário Internacional (FMI) das troikas de credores internacionais de Portugal ou Grécia, mas defendeu que essa é uma possibilidade real para o futuro. A afirmação foi feita durante uma conferência de imprensa com o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Em contrapartida, defendeu: “No futuro – e tenho que vincar no futuro – penso que há mais do que condições, se os governos [da União Europeia] quiserem, [para que sejam as instituições europeias a assumir o processo] na plenitude das suas responsabilidades.” No início dos programas de ajuda, que arrancaram com a Grécia em Maio de 2010, a inclusão do FMI na troika em pé de igualdade com a Comissão Europeia e o BCE foi imposta como uma “condição essencial” por “alguns governos”, lembrou Barroso.
A afirmação refere-se implicitamente à Alemanha e outros países do Norte da Europa que alegavam que só o FMI é que tinha a experiência e a capacidade necessária para conceber e gerir os programas de ajustamento dos países ajudados. Cavaco Silva, que na quarta-feira já tinha defendido a necessidade de repensar “o desenho” da troika, precisou ontem igualmente que no imediato o que é preciso é fazer uma reflexão sobre o tema, o que poderá levar “à conclusão de que é tempo de libertar o FMI”, solução que tem a sua preferência pessoal.
O presidente da Comissão defendeu-se igualmente de forma implícita das críticas que começam a chover de várias capitais contras as troikas pela austeridade que está a ser imposta aos países sob programa de ajuda.
Público | Sexta, 14 Junho 2013

FMI, ordem para fintar. Reforma do Estado pronta até 15 de Julho

A táctica do FMI para fintar o Tribunal Constitucional é simples: é preciso avançar lei a lei antes de o parlamento ir de férias
O relatório do FMI da sétima avaliação desvenda a táctica para fintar os juízes do Tribunal Constitucional. Em vez de um pacote legislativo incluído no Orçamento do Estado de 2014 é preciso avançar de lei em lei na reforma do Estado, que o FMI assume ser a mais difícil do programa de ajustamento português. Lisboa pode ainda alegar que as medidas são necessárias para cumprir o Tratado Orçamental europeu, que prevalece sobre leis gerais.
O plano prevê uma poupança de 1411 milhões este ano e 3289 milhões em 2014, tendo em conta ainda cortes nos consumos intermédios. E assim se chega ao valor mágico de 4700 milhões de euros de cortes, que assombra a sociedade portuguesa desde o final de 2012. Mais 700 milhões que os 4 mil inicialmente avançados pelo governo. E tudo até final de 2014. Valores bem diferentes dos anunciados por Passos Coelho, que em 3 de Maio garantia cortes de 4788 milhões até final de 2015.
Pacote do trabalho Mobilidade especial dos funcionários públicos, que agora se chama regime de requalificação, Lei Geral do Trabalho em funções públicas, que aproxima o regime de trabalho no Estado do privado, nova tabela salarial, que inclui cortes nas remunerações suplementares, aumento do horário semanal para 40 horas, rescisões amigáveis. Cinco diplomas sobre o trabalho na função pública que valem uma poupança de 777 milhões este ano e 1395 milhões em 2014, num total de 2172 milhões, que o governo deve enviar para o parlamento a tempo e horas de serem aprovados antes das férias dos deputados, isto é, a 15 de Julho.
Pacote das pensões No campo das pensões, os trabalhos de casa do executivo também são complexos. É necessário legislar com rapidez no aumento da idade da reforma para 66 anos, com a inclusão do factor de sustentabilidade, e acelerar a convergência entre os regimes da Caixa Geral de Aposentações e da Segurança Social. A convergência passa por definir o tecto de 80% sobre o último salário para as pensões do Estado, em vez dos actuais 90%, uma medida que se aplica não só aos futuros pensionistas mas também aos actuais reformados. Os cortes nas actuais pensões no Estado irão penalizar de forma diferente o universo de reformados da Caixa Geral de Aposentações. Os mais atingidos serão os pensionistas anteriores a 2005, que beneficiaram de regimes bem mais favoráveis que os funcionários que entraram na reforma depois desse ano. Um funcionário público que saia hoje para a aposentação tem a reforma calculada com base em duas parcelas: a primeira tem em conta o tempo de descontos até 2005 e que tem por base o último salário actualizado; a segunda parcela tem em consideração os descontos efectuados desde 2006 até à reforma e que tem por base a média dos descontos. Esta regra aplica-se a quem entrou na administração pública até Agosto de 1993, que é a maioria dos que agora se reformam. Quem foi admitido depois desta data já tem regras iguais às do regime geral. Por sua vez, as regras de cálculo das pensões pagas pela Segurança Social também têm duas componentes. A primeira tem em conta os dez melhores anos dos últimos 15 de descontos efectuados até 2006 e a segunda tem em conta toda a carreira contributiva. Já quem entrou no sistema a partir de 2002 tem uma única fórmula: toda a carreira conta para o cálculo da pensão.
Alternativa à TSU dos reformados Além desta convergência, o governo tem de encontrar rapidamente alternativas credíveis em matéria de cortes na despesa do Estado para evitar a aplicação da taxa de sustentabilidade a todos os reformados, a chamada TSU dos reformados, que Paulo Portas e o CDS juram não aceitar.
Este pacote de leis sobre as pensões deve implicar alterações na Lei de Bases da Segurança Social e também um diploma específico para a integração da Caixa Geral de Aposentações na Segurança Social. Resta saber se o governo aproveita a febre legislativa de Verão para integrar na Segurança Social outros subsistemas de pensões, nomeadamente o das Forças Armadas. Seja como for, no domínio das pensões, o FMI só prevê poupanças em 2014. O aumento da idade para 66 anos representa uma poupança de 270 milhões de euros em 2014, a convergência 672 milhões e a TSU 436 milhões, num total de 1378 milhões.
ionline.pt | Sexta, 14 Junho 2013

Supremo dos EUA diz que ADN humano não pode ser patenteado

Polémica. Guerra legal entre empresa que descobriu genes que pertenciam cancro da mama e associação de direitos civis chegou a envolver a dupla mastectomia realizada por Angelina Jolie
HELDER ROBALO
O Supremo Tribunal dos EUA colocou um ponto final na polémica e decidiu retirar à empresa Myriad Genetics a patenteação dos genes que potenciam o aparecimento de cancro da mama e do ovário. A disputa legal, que durava desde 2009, terminou com uma decisão unânime, para satisfação da American Civil Liberties Union (ACLU).
Embora a decisão do Supremo Tribunal defenda que os genes humanos não podem ser patenteados, abre uma porta de esperança para o trabalho de empresas como a Myriad Genetics, já que os juízes entenderam que o ADN artificialmente copiado pode ser reivindicado como propriedade intelectual.
Mas os juízes entenderam que o ADN humano é um “produto da natureza” e deve ser encarado como um instrumento básico para a investigação científica e tecnológica. Os juízes sublinharam a ideia de que leis da natureza, fenómenos naturais e ideias abstraías não podem ser entendidas no âmbito da proteção de patentes.
A empresa, especializada no diagnóstico molecular, isolou o ADN que contém os genes BRCA-1 e BRCA-2 e que estão ligados a um maior risco hereditário de aparecimento do cancro da mama e ovários. Com a patenteação dos genes, a Myriad reclamou para si todo e qualquer teste de diagnóstico destes dois cancros, cobrando para tal uma quantia que rondava os três mil euros.
O final da batalha jurídica representou um tremendo alívio para os representantes de associações de doentes de cancro e direitos civis que se tinham aliado para enfrentar a Myriad. Um dos pontos mais polémicos desta disputa jurídica acabou por surgir no campo mediático, quando, no mês passado, a atriz Angelina Jolie anunciou que realizara uma dupla mastectomia para prevenir o cancro da mama.
Segundo um artigo publicado no New York Times a atriz assumia que tinha 87% de probabilidades de vir a sofrer da doença. Porém, o que podia ser encarado como um incentivo às mulheres, acabou por ser visto por muitos como um golpe mediático do Myriad Genetics na tentativa de influenciar os juízes do Supremo Tribunal.
Se era essa a intenção do anúncio, a verdade é que os nove juízes não se deixaram influenciar e ontem deram conta da decisão. Para grande satisfação de Sara Park, a advogada da associação de direitos civis. “A Myriad não inventou os genes BRCA nem deveria controlá-los”, frisou, ao mesmo tempo que relembrou que, agora, “as doentes terão maior acesso aos testes genéticos e os cientistas podem dedicar-se a investigar esses genes sem receio de virem a ser processados”.
Diário Notícias | Sexta, 14 Junho 2013