A Ordem dos Advogados vai
prestar apoio, através do conselho distrital de Lisboa, aos 226 detidos na
quinta-feira, dia da greve geral, depois de terem participado num desfile que
teria como objectivo cortar o trânsito no acesso à Ponte 25 de Abril, segundo a
PSP. Os manifestantes, que tinham partido da Assembleia da República, foram
acusados de manifestação ilegal (por o desfile não ter sido comunicado à câmara
municipal) e do crime de atentado à segurança de transporte rodoviário (artigo
290º do Código Penal), punido com pena de prisão de um a cinco anos.
“Estamos a tratar de fazer uma escala
especial [de apoio aos detidos] para este recorde de detenções em Portugal”,
disse aos jornalistas o presidente do conselho distrital de Lisboa da Ordem dos
Advogados, Vasco Marques Correia, no tribunal onde os arguidos têm de se
apresentar nesta sexta-feira.
Segundo a PSP, foram identificados e
notificados 226 manifestantes que, depois da concentração de quinta-feira em
frente ao Parlamento, decidiram seguir em desfile em direcção ao viaduto Duarte
Pacheco, em Lisboa.
A Ordem dos Advogados manteve contactos
durante a noite com o comando metropolitano de Lisboa e decidiu prestar apoio
aos cidadãos que necessitem.
“Não é normal que sejam detidas mais de 200
pessoas numa noite” no contexto de uma manifestação pacífica, afirmou Vasco
Marques Correia.
Em comunicado divulgado de madrugada, a PSP
afirma que um grupo de manifestantes abandonou as imediações da Assembleia da
República cerca das 18h30 em direcção ao Viaduto Duarte Pacheco, onde terá
procedido a um “corte da via de trânsito” no acesso à Ponte 25 de Abril.
Porém, esta versão não é confirmada pelos
manifestantes, que dizem ter sido conduzidos pela polícia até àquele local,
onde foram isolados.
Cristina, uma agente de viagens de 57 anos,
que integrava aquele grupo, disse à Lusa que a polícia foi “sempre à frente e a
abrir caminho”.
“Pensava que íamos até às Amoreiras e depois
para o Marquês de Pombal. E depois conduziram-nos para a ponte 25 de Abril.
Ninguém fez corte de trânsito, algumas pessoas saltaram para uma faixa de
rodagem e gritaram para os carros apitarem”, relatou.
Monsenhor Nunzio Scarano, funcionário do
organismo que gere os bens da Santa Sé, é acusado de ter tentado levar de volta
para Itália 20 milhões de euros depositados por amigos na Suíça.
As detenções
desta sexta-feira no Vaticano decorrem de uma investigação lançada em 2010 MAX
ROSSI/REUTERS
Um alto funcionário da Cúria romana, um
membro dos serviços secretos italianos e um corrector financeiro foram detidos,
nesta sexta-feira, no âmbito de investigações da justiça italiana ao Instituto
para as Obras Religiosas (IOR) – o banco do Vaticano.
Ao contrário do inicialmente avançado pela
imprensa italiana, Nunzio Scarano não é bispo de Sarlerno, mas membro
da Administração do Património da Sede Apostólica (APSA), entidade que
gere os bens da Santa Sé. Segundo informação prestada à Reuters pelo seu
advogado, Silverio Sica, o prelado foi detido numa paróquia dos arredores de
Roma.
Segundo a televisão Sky TG-24, Scarano
teria feito um acordo com o funcionário dos serviços secretos italianos
Giovanni Maria Zito para trazer da Suíça 20 milhões de euros em notas, que
pertenceriam a amigos seus, num jacto privado. Como pagamento por este
serviço, Zito teria recebido 400 mil euros, acrescenta o Corriere della
Sera. Os três homens poderão ser acusados por fraude e corrupção.
Scarano é visado num outro inquérito, desencadeado
pelo Ministério Público de Salerno, por lavagem de dinheiro e
levantamentos suspeitos no valor de 560 milhões de euros. Suspeitas que levaram
o Vaticano a suspendê-lo de funções.
As detenções, por ordem do Ministério Público
de Roma, de um filão independente de uma vasta investigação lançada pela
Justiça italiana em 2010 ao IOR, por suspeita de violação da legislação
contra branqueamento de capitais.
A investigação inicial visava o então
presidente do IOR, Ettore Gotti Tedeschi, e o director-geral, Paolo Cipriani,
entretanto afastados. Eram suspeitos de terem omitindo nomes de envolvidos em
transacções financeiras consideradas suspeitas pelas autoridades. Por causa
dessas transacções, 23 milhões de euros foram congelados.
Ao longo dos anos, a reputação do IOR foi
abalada por escândalos, entre os quais os que levou, em 1982, à falência
do Banco Ambrosiano, do qual era accionista. O Vaticano tem vindo a
reforçar os mecanismos de controlo do IOR.
O conselheiro da Autoridade de Informação
Financeira (AIF) que supervisiona o IOR, o suíço René Brülhart, referenciou
seis transacções suspeitas em 2012. O novo presidente do instituto, o alemão
Ernst von Freyberg, nomeado poucos dias antes da demissão do Papa Bento XVI,
encarregou a agência norte-americana de consultadoria financeira Promontory de
verificar uma a uma as contas do IOR, calculadas em 19 mil e pertencentes
maioritariamente a membros do clero.
Há dois dias o Papa Francisco criou uma
comissão especial para acompanhar a actividade do instituto que responde apenas
perante si próprio.
O Instituto para as Obras Religiosas é uma
instituição privada com sede da Cidade do Vaticano, fundada em 1942 pelo Papa
Pio XII.
Actualizada e corrigida: Corrige informações iniciais segundo as quais
Scarano era bispo de Salerno.
Pode ter sido ele que revelou o programa que criou o
vírus Stuxnet
Obama e Eric Holder, o responsável pelo
Departamento de Justiça, que lanlou a investigação sobre a fuga de informação SAUL
LOEB/AFP
O Departamento de Justiça norte-americano
está a investigar o general aposentado James Cartwright como a possível fonte
da fuga de informação classificada sobre os ataques com o vírus Stuxnet,
desenvolvido pelos EUA em colaboração com Israel, contra o programa nuclear
iraniano. A informação é avançada pela NBC e pelo New York Times.
James Cartwright foi general dos Marines e o
segundo oficial de mais alta patente nas forças armada dos Estados Unidos,
adianta o jornal de Nova Iorque. Entre 2007 e 2011, enquanto vice chefe de
Estado-maior, tornou-se um dos conselheiros preferidos do Presidente Barack
Obama em questões de segurança.
Segundo dizia o New York Times no
ano passado, Cartwright foi o responsável pela coordenação do programa Olympic
Games, que permitiu o desenvolvimento de um vírus informático, em
cooperação com Israel, que inactivou 1000 das 6000 centrifugadoras usadas nessa
altura pelo Irão para enriquecer urânio. O vírus tinha características
surpreendentes, e foi detectado também na Internet em vários países do Médio
Oriente e em alguns da Europa de Leste. Houve acusações em surdina de que
Israel o teria usado de uma forma não autorizada pelos EUA.
Cartwright, no entanto, nunca surgia como a
fonte da revelação deste programa secreto. Ele tinha-se reformado em 2011, e
passou a trabalhar nothink tank Center for Strategic and
International Studies. Tem sido um defensor de cortes substanciais nas armas
nucleares e alertado sobre a possibilidade de o uso de drones pelos
Estados Unidos no Paquistão e no Iémen para assassinar selectivamente
terroristas – embora com danos colaterais significativos – criarem riscos ainda
maiores para Washington, porque geram revolta e antipatia entre as populações
civis.
Segundo o Washington Post,
Cartwright não era bem visto por muitos outros generais, incluindo David
Petraeus, porque se tinha oposto aos planos de enviar um reforço de tropas para
o Afeganistão em 2009. Mas o facto de ter assumido essa posição tornou-o caro a
Obama, que o incluiu no seu circuito mais próximo. Na Casa Branca dizia-se que
Cartwright era o general preferido de Obama. No entanto, o Presidente não o
nomeou chefe de Estado-maior em 2011 precisamente porque as suas relações com
outros generais mais graduados tinham ficado danificadas durante o debate sobre
o envio de um reforço de tropas para o Afeganistão, diz o Post.
Desde que a história sobre o Stuxnet e
progama Olympic Games foi revelada, no ano passado, que o
Departamento de Justiça dos EUA começou a investigar para descobrir a origem da
fuga de informação. Agora, surge esta notícia nos media norte-americanos –
proveniente de “fonte judicial não identificada” – que divulga o nome de
Cartwright como alvo da investigação.
Quem está a liderar a investigação lançada
pelo Departamento de Justiça de Eric Holder é o procurador-geral do estado
de Maryland, Rod J. Rosenstein, que através de um porta-voz disse ao New
York Times não ter qualquer comentário a fazer a esta notícia. O
advogado do general, que é um ex-conselheiro da Casa Branca, fez a mesma coisa.
Dzhokar Tsarnaev acusado formalmente. Em 17 das acusações
enfrenta pena de morte.
Dzhokar Tsarnaev foi formalmente acusado de
ter matado quatro pessoas e do uso de arma de destruição maciça, na maratona de
Boston deste ano, a 15 de Abril, enfrentando um processo com 30 acusações de
crime, 17 delas sujeitas à pena de morte ou a prisão perpétua.
O jovem de 19 anos é acusado da morte de
quatro pessoas (três espectadores da maratona e um polícia, que morreu na
perseguição a Dzhokar e ao irmão mais velho, Tamerlan, também ele morto nas
horas seguintes ao atentado).
Numa acusação de 74 páginas, revelada nesta
quinta-feira, o jovem de origem tchetchena é acusado, entre outros, dos crimes
de atentado em espaço público e do uso de arma de fogo.
Dzhokar deverá comparecer pela primeira vez
perante o tribunal federal de Boston no dia 10 de Julho, confirmou o
procurador.
Detido a 19 de Abril, o jovem terá, segundo a
acusação, escrito nas paredes interiores do barco onde se escondeu a razão de
ter alegadamente participado no atentado: “O Governo americano mata civis
inocentes. Não posso suportar ver que esta maldade fica impune. Nós,
muçulmanos, somos um único corpo: fazem mal a um de nós, fazem mal a todos
nós”.
Segundo a acusação, os dois irmãos terão
preparado as bombas artesanais com base em instruções que retiraram de uma
revista online, a Inspire, uma publicação da Al-Qaeda.
Dzhokar Tsarnaev chegou aos Estados Unidos
com dez anos e sempre foi visto como alguém que se integrou bem na sociedade
norte-americana.
Agentes de execução terão regras apertadas daqui a um mês e Executivo tutela a nova entidade. Inês David Bastos, no Diário Económico
A pedido da 'troika', o Governo vai apertar o controlo à actividade dos agentes de execução, que realizam os processos de penhora, e dos administradores de insolvência. O objectivo é criar uma estrutura fora das classes profissionais que fiscalize estes agentes da justiça para evitar as irregularidades e fraudes que foram detectadas no passado, sobretudo na actividade de alguns agentes de execução, que desviavam verbas dos devedores.
O projecto de lei que cria a nova Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça (CAAJ), que ficará sob tutela do Ministério, foi ontem aprovado em Conselho de Ministros. No diploma, a que o Diário Económico teve acesso, a ministra explica que os técnicos do FMI, BCE e Comissão Europeia tinham avisado (em 2011) para a ineficiência da fiscalização sobre estes profissionais, pedindo uma intervenção rápida do Executivo. Paula Teixeira da Cruz lançou um ano depois medidas intercalares para travar as irregularidades (ver texto ao lado) e ontem viu os restantes ministros aprovarem a entidade que vai substituir as actuais Comissão para a Eficácia das Execuções (CPEE) e Comissão de Controlo da Actividade dos Administradores da Insolvência. A CAAJ estará no terreno dentro de um mês, cumprindo assim uma exigência dos credores internacionais. Os agentes que vão ser fiscalizados por esta entidade terão que pagar uma taxa à CAAJ, cujo montante será ainda definido por portaria conjunta dos ministros das Finanças e da Justiça.
Paula Teixeira da Cruz pediu urgência aos serviços da Presidência do Conselho de Ministros para agendar o diploma, para que este pudesse ser votado ainda durante a visita intercalar dos técnicos da 'troika' que está a decorrer. A ministra quis mostrar trabalho sobretudo na área executiva (acções de cobrança de dívidas), onde o número de processos atrasados é o maior problema do sistema e, em 2011, representava 21 mil milhões de euros acumulados por cobrar.
CAAJ vai poder autuar e decidir processos contraordenacionais As irregularidades de agentes de execução e de insolvência encheram páginas dos jornais em 2011 e 2012. Só em 2011 a Comissão para a Eficácia das Execuções tinha recebido quase mil queixas e em dois anos 102 dos 700 agentes de execução (a maioria é solicitador ou advogado) foram alvo de processos disciplinares. Um foi expulso, muitos outros viram a actividade ser suspeita. A fraude, na maioria dos casos, passava pelo desvio de dinheiro de penhoras depositado na conta-cliente (o devedor pagava mas o credor nunca chegava a receber o montante em dívida).
A actual Comissão para a Eficácia das Execuções alegou nos últimas anos não dispor de meios para responder a todas as queixas e muitas inspecções não eram feitas. A CAAJ, embora seja uma "entidade administrativa independente', passa a responder perante a tutela e é o Governo, em Conselho de Ministros, que nomeia o presidente e os vogais. Com a junção, Paula Teixeira da Cruz diz no diploma que vai ser possível aumentar os meios humanos e técnicos e "reforçar os poderes de supervisão". A nova comissão vai fiscalizar "de forma contínua" os registos e forma de gestão dos valores que são confiados aos agentes nos processos de penhora e de insolvência de empresas. A CAAJ terá ainda poderes para instruir e até decidir processos contraordenacionais e competências para aplicar sanções disciplinares. O acesso à profissão - que o Governo quer limitar - será também gerido pela Comissão de Acompanhamento dos Auxiliares Judiciais.
O Governo dá, até, poderes ao presidente para autorizar a realização de despesa urgente (caso de uma inspecção que tenha de se realizar com o efeito-surpresa a um escritório) sem passar por uma decisão colegial, segundo se lê no artigo 11.º do projecto de lei.
Diário EconómicoNovas regras para a acção executiva entram também em vigor em Setembro.
Com as acções de cobrança de dívidas a dominarem as preocupações do Ministério da Justiça, dado que é nesta área que os processos se arrastam, Paula Teixeira da Cruz tem lançado desde o memorando da 'troika' vária legislação. Neste momento, depois de aprovada a nova entidade de fiscalização, a ministra da justiça está a ultimar o regime remuneratório dos agentes da justiça que realizam as penhoras.
Logo depois de a 'troika' ter exigido uma intervenção rápida do executivo nesta área, Paula Teixeira da Cruz lançou medidas intercalares para tentar travar as fraudes e irregularidades dos agentes de execução. Em causa estava o avolumar de queixas de desvio de dinheiro das contas-cliente e o aumento de processos disciplinares. Para não esperar pela criação da comissão de acompanhamento dos auxiliares da justiça (caaj), que ontem foi aprovada em Conselho de Ministros (ver texto ao lado), a ministra aprovou em Janeiro do ano passado a obrigatoriedade de todos os movimentos nas contas dos agentes de execução serem registados no processo judicial. Numa portaria publicada no início do ano passado, a ministra justifica esta obrigação pela "necessidade imperiosa de assegurar uma satisfação tão rápida quanto possível dos créditos devidos e não pagos, para o bom funcionamento da justiça e da economia, prosseguindo um esforço de simplificação do processo executivo". Tendo em conta que as acções executivas representam cerca de 70% do total de 1,6 milhões de acções paradas em tribunal, a ministra lançou também medidas para extinguir processos anteriores a 2003 e criou equipas para acelerarem outros processos. O Código de Processo Civil, que foi terça-feira publicados em Diário da República e entra em vigor em Setembro, contém também medidas para simplificar a acção executiva. I.D.B.
Depois da Turquia, o Brasil: dois 'milagres' económicos abalados por acontecimentos que apanharam praticamente toda a gente de surpresa - e, sobretudo, os seus governos. Dois países apontados como modelos políticos para as respectivas regiões, o Médio Oriente e a América Latina, aparecem subitamente fracturados por inusitadas explosões sociais.
Afinal, a tão celebrada prosperidade económica turca não chegou para silenciar os protestos da rua contra as urbanizações megalómanas e o autoritarismo pró-islamista de Erdogan. Bastou o projecto de um centro comercial e a reconstrução de um quartel otomano num dos raros espaços verdes de Istambul para abrasar a Turquia laica e ocidentalizada contra um regime que, no entanto, beneficia da caução do voto popular.
Também no Brasil, onde o Governo de Dilma Rousseff desfrutava de altas taxas de popularidade, tudo começou por um pretexto aparentemente irrelevante: um aumento de 20 centavos nos transportes públicos. Mas, a partir daí, a cólera da rua estendeu-se às maiores cidades do país e 'descobriu-se' o outro lado da herança do lulismo. Um lado que permanecia encoberto pelo sucesso do plano de combate à pobreza (que fez ascender cinco milhões de brasileiros à classe média, embora vinte milhões ainda permaneçam nos patamares vizinhos da miséria).
Transportes públicos decrépitos, um sistema de ensino em crescente degradação e incapaz de garantir as bases elementares de acesso à universidade (extremamente elitista, aliás) e, por fim, uma rede de cuidados de saúde pública que mantém a indigência característica do Terceiro Mundo (com excepção dos hospitais privados a que só os ricos podem aceder). Além destes índices de um imenso atraso social - para não falar dos eternos problemas dos guetos habitacionais, do caos urbano ou das desigualdades chocantes que atravessam a sociedade brasileira continuaa florescer uma desenfreada corrupção política que teve como expressão culminante o escândalo do Mensalão, envolvendo algumas das figuras mais influentes do lulismo.
A orgia do poder levou personalidades com um passado notável de resistência à ditadura militar - como José Dirceu - a abandonarem os valores éticos e cívicos pelos quais se tinham batido - e sido torturados -, cedendo à tentação do cinismo mais repugnante na conduta política e ao tráfico de influências para enriquecimento pessoal. Depois das duras sentenças do Supremo Tribunal - presidido hoje pelo homem mais respeitado do Brasil, Joaquim Barbosa contra os cabecilhas e actores principais do Mensalão, os deputados tentaram alterar as regras constitucionais e aprovar o que os manifestantes chamaram de 'lei da impunidade', a qual transferiria a responsabilidade da investigação criminal do Ministério Público para a Polícia. Ora, foi precisamente sobre estes temas que se concentrou a mobilização popular, estimulada ainda pelas despesas faraónicas da construção de estádios e infra-estruturas para os próximos Mundial de Futebol e Jogos Olímpicos. Aliás, a coincidência da realização da Taça das Confederações expôs o contraste entre a tradicional euforia futebolística e a profunda depressão social cujos sinais quase ninguém soubera pressentir.
Dilma levou quase duas semanas para reagir ao movimento de fundo que incendiava o Brasil. Foram anulados os aumentos dos transportes e assegurado o investimento de uma elevada percentagem das royalties da exploração do petróleo e outras riquezas nacionais na reforma da Educação e da Saúde. Outra proposta presidencial de um referendo sobre a reforma do sistema político provocou surpresa e cepticismo, enquanto os protestos continuavam. Finalmente, os deputados já haviam antecipado a votação da 'lei da impunidade' e rejeitaram-na por uma maioria esmagadora (quando, antes das manifestações, se previa 70 por cento de votos a favor...).
O sobressalto de consciência que abrasou o Brasil testemunha, apesar de tudo, uma vitalidade democrática e uma abertura política que contrariam a reacção autocrática do regime turco. Mas, para além disso, a lição brasileira é também a de que os índices de expansão económica tão celebrados nos países emergentes podem constituir, em larga medida, uma miragem (aliás, o Brasil e a Turquia, tal como a índia, a Rússia e a China vêm sofrendo um abrandamento mais ou menos acentuado das taxas de crescimento). Quando a economia e a política se alienam da sociedade, a ameaça de incêndio pode manifestar-se a todo o instante. Eis o que nós, portugueses e europeus, devíamos aprender com o Brasil.
É uma crítica habitual - que, aliás, já vem dos tempos da outra senhora, que os proibia - dizer que os partidos políticos só olham para o seus próprios interesses e dos seus apaniguados, subordinando os interesses nacionais a interesses particulares e mesquinhos. Mas não é verdade. É um mito que os partidos não saibam ultrapassar as suas divergências e não sejam capazes de se unirem quando o interesse nacional está em causa, pondo de lado, ainda que temporariamente, eventuais vantagens económicas ou eleitorais.
Um exemplo recente foi a decisão do passado dia 27 de Fevereiro, tomada por unanimidade pelos presidentes dos grupos parlamentares, de não clarificar a lei da limitação dos mandatos autárquicos. Uma decisão que foi anunciado com legítimo orgulho pela presidente da Assembleia da República e em que vimos os partidos representados na Assembleia da República darem as mãos e produzirem obra de valor, pensando exclusivamente no interesse de todos os portugueses,
Souberam aí os partidos políticos discernir o interesse da nação e não ir atrás, por exemplo, do sedutor canto de aves agoirentas. Como era o caso do provedor de Justiça que, dias antes, tinha recomendado que a Assembleia da República clarificasse o real alcance do artigo da lei sobre a limitação de mandatos dos presidentes das câmaras, no sentido de que, ou a limitação apenas se aplicava na mesma autarquia em que tinham sido cumpridos os mandatos anteriores ou em qualquer outra autarquia.
A presidente da Assembleia da República, numa clara e insofismável demonstração da supremacia da lógica jurídica sobre a realidade, explicou lapidarmente a situação: "O argumento de que há uma polémica sobre a interpretação não pode levar o legislador a entrar em procedimentos legislativos permanentes, porque há sempre polémicas de legislação que no lugar certo se resolvem" e acrescentou "se de cada vez que há um problema de interpretação o Parlamento voltasse a legislar, aí é que o Estado de direito sofreria alguma crise".
O sacrifício partidário que representou esta atitude dos nossos parlamentares ainda se torna mais digno de encómios pelo facto de terem assim permitido ao "Movimento Revolução Branca" ganhar um merecido protagonismo. Esta associação, com base nessas dúvidas de interpretação da lei, tem vindo, como é sabido, a apresentar providências cautelares nos tribunais para impedir a recandidatura dos "dinossauros" autárquicos que se decidiram a mudar de território, mas não de pastagem.
O manifesto desta associação, em boa hora promovida pelo nosso Parlamento, é claro no seu diagnóstico: "O que determinou cairmos no estado desesperado em que Portugal se encontra foi o facto da classe política que partilha, de forma controlada, o poder e a passividade de actuação das restantes forças políticas, representadas no Parlamento, terem desenvolvido e centralizado todas as suas actuações, visando interesses obscuros privados e não o bem público, bem como da nação como seria suposto, constitucionalmente, fazerem". O seu líder afirmou mesmo, manifestando a sua sintonia com o Parlamento: "Somos apartidários. O nosso partido é unicamente o nosso país"! Dá gosto ouvir palavras tão profundas.
E como é que poderão não se sentir recompensados os nossos parlamentares ao verem as sucessivas e contraditórias decisões das providências cautelares sobre esta matéria enquanto se aproxima a data das eleições? Seguramente, sentirão uma inebriante sensação do dever cumprido. Contra ventos e marés. E, com toda a certeza, uma particular comoção ao ouvirem o empolgante discurso do líder desta associação: "Há muitos anos que deixei de ser palhaço. Hoje luto para deixar de ser escravo e para não permitir que esta herança chegue aos meus filhos". Na verdade, quem é que ainda é palhaço no nosso país? E quem é que não quer deixar de ser escravo?
Mas ainda há mais um motivo de orgulho para os nossos partidos políticos. E esse motivo é particularmente honroso: ao recusarem-se a clarificar a lei, contribuíram para o prestígio, credibilidade e respeito pelos nossos tribunais. Um exemplo? O que fez o candidato à Câmara de Lisboa pela coligação PSD/CDS, quando se viu confrontado com uma decisão judicial de 1.ª instância, confirmada por um tribunal superior, de que se encontrava impedido de se candidatar à presidência da capital? Passou a assumir plenamente a sua candidatura, afirmando publicamente: "Enquanto jurista e docente universitário de Direito Constitucional, não tenho a mínima dúvida sobre a minha legitimidade para me apresentar como candidato à presidência da Câmara de Lisboa, convicção esta que me leva a assumi-la plenamente". É muito bonito de se ver. E é mesmo caso para dizer: podemos não ser palhaços mas o circo é permanente.
Os créditos atribuídos pela experiência profissional e outras actividades exercidas pelos estudantes do ensino superior vão passar a estar limitados. O Governo aprovou ontem, em Conselho de Ministros, uma alteração ao regime jurídico dos graus académicos que cria regras mais apertadas para a obtenção de equivalências, pelo que deixa de haver possibilidades de acontecerem casos como o da licenciatura do ex-ministro Miguel Relvas. Com o novo regime, o número de créditos atribuídos por equivalência nunca poderá ser superior a um terço da totalidade dos créditos totais de cada um dos cursos. “Há uma clarificação no sentido de uma limitação”, esclareceu o ministro da Presidência, Luís Marques Guedes, à margem do Conselho de Ministros. A alteração não é feita “para resolver casos concretos”, visando “disciplinar” a situação, referiu o governante.
Até ao momento a legislação deixava em aberto a possibilidade de atribuição de créditos, dando total liberdade às universidades para atribuírem equivalências sem que houvesse um limite máximo. Foi isso que permitiu que, em casos como o de Miguel Relvas, grande parte do curso tivesse sido substituído por créditos concedidos tendo por base a experiência profissional e outras actividades exercidas pelo aluno. Com o novo quadro aprovado na reunião do Governo de ontem, as instituições de ensino superior mantêm autonomia para a avaliação dos currículos dos estudantes, mas dentro de regras mais apertadas.