[Informação]Por António Cluny, publicado em 5 Fev 2013 -
03:00 | Actualizado há 11 horas 51 minutos
Os
europeus não se resignam mais a um estatuto limitado de cidadania e,
possivelmente em conjunto, acabarão por descobrir as necessárias alternativas
De Hans Magnus Enzensberger conhecia apenas “Poemas Políticos”,
uma colectânea publicada em 1975, com selecção e tradução de Almeida Faria.
Impressionara-me então um poema intitulado “dúvidas”.
“Eu digo: quase tudo o que
vejo/podia ser diferente. mas a que preço?/os rastos do progresso são
sangrentos./são os rastos do progresso?”
Entretanto, no passado dia
22/12/2012, data do 40.o aniversário da Galileu, a livraria que teima em
existir e continuar a preencher o espaço cultural de Cascais, comprei, desse
autor, um causticante ensaio sobre a União Europeia, justamente chamado “O
afável monstro de Bruxelas ou a Europa sob tutela”.
Depois de o ler e de relembrar
aquele poema, concluí que Enzensberger é acima de tudo um cidadão alemão que
gosta de colocar dúvidas: dúvidas produtivas.
A questão que percorre todo o ensaio
refere-se à limitada “democraticidade” da UE e à possibilidade de esta
continuar, assim, a realizar as aspirações dos europeus.
Interroga-se, pois: “Será possível
que a democracia, tal como aprendemos a conhecê-la, árdua e insuficientemente
depois de 1945, e a que estamos a habituados, não consiga funcionar ao nível
supranacional? Ou que, pelo contrário, em lugar de nos dar a solução que esperamos,
seja ela própria o problema numa impotência cada vez maior?”
E aventa: “é aqui que está o ponto
fraco da União. Oficialmente, designamo-lo por um eufemismo: é o défice
democrático […] Este défice não é mais que uma expressão nobre para justificar
a tutela política sobre os cidadãos.”
E acrescenta: “Os governos nacionais
não vêem nisso nenhum inconveniente. Ao regressarem a casa afirmam com um
encolher de ombros que, infelizmente, nada puderam fazer contra as decisões de
Bruxelas. Inversamente, a Comissão pode abrigar-se atrás da vontade dos
estados-membros, que ela se limitou a seguir. Desta forma, afinal, já ninguém
tem responsabilidade pelos resultados.”
Do Conselho Europeu diz ainda: “[…]
à falta de melhor, recorre a uma divisa que é igualmente cara aos governos
nacionais: não há alternativa àquilo que decidimos.” Os mercados de capitais
não o fazem dizer isto duas vezes. Troçam do mundo da política e parodiam este
slogan com o acrónimo TINA, que significa There is no alternative.
Quem lê estas palavras e recorda o
que Dominique Schnapper (que comentei no anterior artigo) antes questionara
sobre a possibilidade de a UE, de facto, chegar a criar uma cidadania plena
para os europeus – com direitos políticos, económicos e sociais – não pode
senão ficar inquieto com o rumo do país.
O que se passa em Portugal, com os
cortes sucessivos (e auto-reprodutivos) no Estado social, medidas sempre
justificadas, internamente, com as políticas, “sem alternativa” da UE e que
esta, pela boca do seu presidente, diz serem apenas da responsabilidade dos
governos, permite-nos compreender melhor aquelas dúvidas e apreensões.
Eduardo Lourenço, porventura mais
realista, vai mais longe e no ensaio que o “Público” de 15 de Janeiro nos deu a
ler afirma agora: “Hoje é por dentro, não já insidiosamente mas às claras e até
jubilosamente, que a Europa que ainda existe se desmorona.”
Com ou sem esta União Europeia (será
ainda reformável?), a verdade, porém, é que os europeus não se resignam mais a
um estatuto limitado de cidadania e, possivelmente em conjunto, acabarão por
descobrir as necessárias “alternativas”, resolvendo este paradoxo em que,
tivessem querido ou não, os envolveram.
Jurista e presidente da MEDEL