Estando nós perante uma
solução proposta pelo Presidente, é provável que no estado líquido. Mas dado o
clima de irrealidade que rodeou o debate no Parlamento, o mais certo é que a
caminho do estado gasoso. A nação parece caminhar para a evaporação. E a passos
largos.
A única coisa que
interessava neste estado da nação era saber como é que os partidos se iam
posicionar perante as exigências do Presidente que ainda ninguém digeriu lá
muito bem. A sublinhá-lo, o facto de o actor principal do debate ter estado
ausente.
Um espectador de televisão,
instalado algures em Belém, decidiu emitir um comunicado durante o debate
exigindo que os partidos cheguem a acordo num “prazo muito curto”. Algo nunca
visto. Mais próprio de um país gasoso do que de um país ancorado em
instituições sólidas.
PSD, CDS e PS têm de fazer
de conta que são a favor do entendimento, para não ficar mal na fotografia. A
maioria PSD-CDS decidiu reagir à exigência de um acordo tripartido do
Presidente da República realizando uma OPA hostil à proposta de Belém e passou
a considerar a proposta de acordo como sua.
Um flick
flack político
que mostra como em Portugal os consensos estão sobrevalorizados.
Se o Presidente quer um
compromisso, logo a maioria quer um compromisso. Mas passámos a ter dois
compromissos em vez de um. E como PS também quer o seu, menos de 48 horas após
o discurso do Presidente, passámos a ter não um, mas três compromissos. Ou seja,
nenhum.
O excesso de zelo não
compensa.
Pela voz do
primeiro-ministro, o debate do estado da nação começou com a declaração de que
o Governo está vivo e recomenda-se. Um optimista este primeiro-ministro. E
acrescentou que o acordo a três proposto pelo Presidente é muito cá de casa,
pois que a maioria sempre o quis. É como se fosse a mesma coisa.
Passos inventou mesmo a
“estabilidade activa”, em resposta ao Presidente que foi reeleito afirmando
querer levar por diante uma “magistratura activa”. Como se tem visto, aliás,
para desgosto da maioria que o elegeu há dois anos.
Naturalmente, o chefe do
Governo optou por não mencionar a exigência de eleições antecipadas ou a recusa
de Belém em aceitar a remodelação que propôs. Razão pela qual o
primeiro-ministro se sentou em São Bento à frente de um governo que não é o que
quer e com o qual não vai poder governar o tempo que pretendia. Minudências.
No clima de irrealidade
política em que nos encontramos, não é nada que choque por aí e além.
Veja-se o discurso de Paulo
Portas. Um vigoroso apelo ao consenso, em nome da pátria, do protectorado, de
Sá Carneiro. Terei ouvido a palavra "irrevogável"? Ficámos a saber de
que pasta queria ser ministro? Ouvimos uma explicação sobre a crise que ele em
boa parte desencadeou? Dizer que está disposto a pagar "um preço de
reputação" é muito pouco.
Aplica-se a este como a
outros casos o princípio do esquecimento activo. O que foi dito antes esfuma-se
na memória. Sintoma do estado líquido: o país está sob o signo de Letes, o rio
do esquecimento da mitologia clássica. Portas esqueceu-se da sua demissão,
Passos das eleições antecipadas e os dois da remodelação rejeitada.
Cavaco propôs um acordo de
regime deslegitimando o Governo que está em funções e pedindo aos partidos que
marquem eleições, em vez de ser o Presidente a dissolver a AR. Começou a pagar
as contradições da sua proposta ao segundo dia.
Passos disse claramente que
os termos do acordo proposto por Cavaco (bastante claros) devem ser “trocados
por miúdos”, algo que já tínhamos ouvido ao CDS. Avançou que queria introduzir
os seus termos de referência para um entendimento. Seguro lembrou-lhe que era o
Presidente e não o PSD quem definia os termos do diálogo. E convidou o
primeiro-ministro a sair, no que foi acompanhado pelos partidos à sua esquerda.
O PS, de resto, voltou a
não insistir na data de 29 de Setembro para realizar eleições antecipadas. Cada
um retira o que quer da proposta de Belém. Foi o contributo dos socialistas
para o esquecimento colectivo.
Se Passos e Seguro não se entendem
sequer sobre o que deve ser negociado agora com a troika, como podem chegar a um
acordo a médio prazo? Podem dizer que estão de acordo quanto à necessidade de
um compromisso, mas não quanto ao teor do compromisso. Até ver, não vale nada.
Ninguém está de acordo
quanto ao acordo. Por enquanto, é como se estivesse em leilão. Mas ninguém quer
pagar o preço que Belém está a exigir.
Como é que saímos desta,
senhor Presidente?
É que o estado da nação não
vai para sólido.
Público on line, 13 de Julho de 2013