sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006

Casa da Suplicação LXII

Declaração de excepcional complexidade do processo — Poderes do Supremo Tribunal de Justiça — Justificação
1 – Não estabelecendo a lei prazo para a prolação do despacho a qualificar o processo como de excepcional complexidade, pode o mesmo ter lugar a qualquer momento de forma a produzir os efeitos adequados a partir desse momento, nomeadamente na validação da prisão preventiva.
2 – E a excepcional complexidade pode ser declarada pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça, sem que isso signifique que a mesma só se verificou em recurso, não existindo antes.
3 – Mostra-se adequada tal declaração num processo com 25 volumes e que contava inicialmente com 13 arguidos, mostrando de especial complexidade na parte de investigação e mesmo julgamento incluindo os recursos, de facto e de direito cruzados, motivando sucessivas delongas no processamento.
Ac. do STJ de 09.02.2006, Proc. n.º 65/06, Relator: Cons. Simas Santos

Tráfico de estupefacientes — objectos declarados perdidos — a favor do Estado — a favor de Região Autónoma — regime especial
1 - O DL n.º 15/93, de 22-01, é uma lei geral da República Portuguesa, com aplicação a todo o território nacional, que prescreve um regime especial de perdimento de bens a favor do Estado, em caso de tráfico de estupefacientes.
2 - O art. 113.º, al. e), do Estatuto da Região Autónoma dos Açores, que se refere apenas aos bens abandonados e aos que integrem heranças declaradas vagas para o Estado, desde que uns e outros se situem dentro dos limites territoriais da Região, não permite que os objectos relacionados com tráfico de droga sejam declarados perdidos a favor dessa Região e não do Estado.
3 – E o mesmo se diga da al. g) do art. 145.º da Lei n.º 13/91 (redacção da Lei n.º 130/99, de 21 de Agosto–Estatuto da Região Autónoma da Madeira) que determina expressamente que constitui património privado da Região: “os bens que, na Região, sejam declarados perdidos a favor do Estado e a que lei especial, em virtude da razão que determine tal perda, não dê outro destino”.
4 – É que o DL n.º 15/93 institui um regime especial, destinando os objectos, valores e vantagens provenientes do tráfico de estupefacientes a fins de interesse público (art. 39.º) já que se destinam ao apoio de acções, medidas e programas de prevenção do consumo de droga, à implementação de estruturas de consulta, tratamento e reinserção de toxicodependentes, quer estejam em liberdade, quer estejam em cumprimento de medidas penais ou tutelares, daí a importância do perdimento dos bens na economia do plano de combate à droga.
Ac. do STJ de 09.02.2006, Proc. n.º 110/06-5, Relator: Cons. Simas Santos

Conclusões da motivação de recurso — convite à correcção — jovem delinquente — atenuação especial da pena — falta de fundamentação — medida concreta da pena
1 – Não se deve convidar o recorrente a completar as lacónicas conclusões da motivação se o texto desta é ainda mais lacónico.
2 – Se o Tribunal, para não atenuar especialmente a pena a um jovem delinquente, se refere aos parâmetros a que a lei manda atender (idade do arguido e a circunstância de ter menos de 21 anos; gravidade dos factos praticados; complexo percurso de vida, já com ligações anteriores à justiça; antecedentes criminais e falta de interiorização das normas), não há falta ou insuficiência da fundamentação.
3 – Não é de fazer uso da faculdade de atenuação especial prevista no art. 4º do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, quando é grande o grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido e é grave a sua culpa, na forma de dolo directo. Como não é legitimo concluir então que há razões sérias para crer que da atenuação especial da pena resultem vantagens para a sua reinserção social.
4 – Por isso, haverá que apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes, pois a idade não determina, por si só, o desencadear dos benefícios do regime, designadamente porque estes não se traduzem numa mera atenuação da dosimetria punitiva, mas numa atenuação especial, que terá de ser concretizada e quantificada de harmonia com o disposto nos artigos 72.º e 73.º do C. Penal, preceitos estes, que embora inseridos em perspectiva diversa, constituem apoio subsidiário daquele regime.
5 – A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura.
Ac. do STJ de 09.02.2006, Proc. n.º 4389/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

Proibição de propaganda política — publicidade — acto eleitoral — contra-ordenação — admoestação
1 - A publicação, como publicidade, através de um encarte num jornal, de uma folha informativa de uma Câmara Municipal, constituída por duas páginas, a primeira com a divulgação de projectos de obras e actividades a levar a cabo pela autarquia, um evento cultural e outro social com fotografias alusivas, e uma segunda página, publicitando obras e melhoramentos efectuados em duas freguesias do concelho, com apresentação de fotografias dos autarcas, bem como a acta da reunião da Câmara do dia 13 de Setembro de 2005, na véspera do acto eleitoral, quando já nenhum contraditório é possível, viola a proibição de propaganda política feita, directamente ou indirectamente, através dos meios de publicidade comercial, a partir da publicação do decreto que marque a data da eleição.
2 – Quis o legislador proibir mais do que a mera propaganda “eleitoral”, pois o termo “propaganda política” usado no preceito tem um âmbito mais vasto do que aquela. E tanto é proibida a propaganda política directa, objectiva e clara e assim apreendida pelos cidadãos, como a indirecta, aquela em a vocação de propaganda se encontra dissimulada, camuflada, escondida, mas continua a ser a de levar o cidadão a, em detrimento de outras, votar numa candidatura.
3 – A gravidade da contra-ordenação e da culpa não consente a aplicação da pena de admoestação.
Ac. do STJ de 09.02.2006, proc. n.º 255/06-5, Relator: Cons. Simas Santos

A reforma e a lei que a rege

Na caixa do correio encontrei este texto lapidar de Marcello Caetano:
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«Tem-se discutido na doutrina se pelo facto da inscrição como subscritor da Caixa o funcionário adquire ou não o direito a aposentação nos termos da lei vigente nesse momento.
Sem dúvida que a inscrição do funcionário origina mera expectativa, a qual só se transforma em direito quando ele, nos termos legais, reúna as condições necessárias para ser aposentado.
Dentro da orientação objectivista que prevaleceu durante muito tempo nos países latinos, negadora de direitos aos funcionários, entendeu-se que estes não gozavam de qualquer garantia jurídica no respeitante à aposentação, enquanto não se subjectivasse por um acto administrativo para cada situação de aposentado.. Os funcionários ao serviço estariam completamente dependentes do legislador que poderia em qualquer altura aumentar a idade ou o número de anos necessários para a aposentação ordinária, diminuir a pensão ou até suprimi-la, pois o desconto feito nos vencimentos era simples expediente de contabilidade e não o pagamento de um prémio de seguro.
Tais ideias estão inteiramente ultrapassadas e devem considerar-se obsoletas. Como tem sido frisado, a situação dos funcionários não pode ser menos favorecida que a dos empregados das empresas privadas, nem seria moral que o Estado procedesse com o seu pessoal em termos que condena no procedimento dos restantes patrões.
O funcionário, ao pagar as quotas fixadas por lei, adquire o direito a, uma vez reunidas as condições nela estabelecidas, vir a ser aposentado e em termos não menos favoráveis que os então previstos».
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Manual de Direito Administrativo, vol. II, 9.ª edição, pp. 778-779

Em democracia tal actuação já é tolerável e moderna?...