sábado, 4 de fevereiro de 2012

Justiça mais dura



Prisão preventiva alargada se houver condenação. Recursos vão deixar de suspender prisão e contagem de tempo para a prescrição dos crimes.
Reforma: Ministra quer endurecer os códigos penais. Condenados vão ter mais dificuldade em fugir à cadeia. Consegue imaginar como seria a Justiça em Portugal se alguns dos condenados a penas de prisão nos tribunais de primeira instância fossem conduzidos de imediato à prisão em vez de ficarem em liberdade a aguardar o resultado dos recursos? E se passar a ser quase impossível que os crimes prescrevam? O que por enquanto são cenários pode tornar-se realidade a curto prazo.  
Pelo menos é essa a intenção de Paula Teixeira da Cruz. A ministra está a ultimar um conjunto de novas alterações aos códigos penal e de processo penal para levar a Conselho de Ministros dentro de duas a três semanas. Passado este crivo, ficará a faltar a necessária aprovação da Assembleia da República.   
A maior das ruturas acontece com o aumento do prazo da prisão preventiva, que agora não excede, em regra, dois anos para os crimes mais graves ou três anos e quatro meses nos processos mais complexos. A ministra foi inspirar-se no modelo alemão e prepara legislação que permita alargar aquele prazo assim que houver condenação de um tribunal de primeira instância.   
A intenção é que quem chegue a julgamento na condição de preso preventivo e seja condenado veja o limite da prisão preventiva ser alargado para o período fixado na sentença do tribunal. Por exemplo: se alguém que já esteve preso preventivamente dois anos for condenado a cinco, pode ficar em prisão preventiva durante mais três anos ou até os recursos serem apreciados.   
Na Alemanha, se um arguido for libertado por ter esgotado o prazo para a prisão preventiva e o tribunal de primeira instância o condenar a uma pena maior, pode voltar para a cadeia independentemente dos recursos que interpuser. E aguardará preso que as instâncias superiores se pronunciem, caso seja essa a vontade do juiz — normalmente nos casos em que haja perigo de fuga ou alarme social. O mesmo poderá vir a acontecer em Portugal, quebrando-se o princípio do efeito suspensivo dos recursos.   
Bom para a Alemanha  
Esta alteração está a ser cuidadosamente estudada, para não colidir com o tão falado "princípio constitucional da presunção de inocência até trânsito em julgado". A ministra ainda não tem a redação final da norma que levará aos seus colegas de Governo, mas os objetivos estão traçados e deverão ser de aplicação obrigatória aos casos em que haja perigo de fuga, continuação da atividade criminosa ou a libertação cause alarme social. Mas esta não é a única mudança profunda. Também a prescrição dos crimes passa a ser contabilizada de outra forma. Segundo as normas em vigor, o tempo de espera pela resolução dos recursos conta para a prescrição — e muitas condenações caem por excesso de tempo na resolução dos recursos. Isaltino Morais, por exemplo, aposta nesta eventualidade.
Porém, a ministra quer impor que o prazo para a prescrição termine logo que haja uma primeira sentença. Se assim for, deixam de ter quaisquer efeitos práticos os chamados "expedientes dilatórios" — os sucessivos recursos, pedidos de aclaração e incidentes processuais que eternizam os processos desde que saem do tribunal de primeira instância e ficam a aguardar acórdãos dos tribunais superiores. As prescrições passam a ser a exceção e não a regra, como agora acontece nos grandes casos. "O problema é que o sistema alemão é muito bom para ser posto em prática na Alemanha, onde há uma cultura de respeito entre as diferentes profissões jurídicas, aqui não sei", nota Figueiredo Dias, professor de Direito da faculdade de Coimbra. "Lá, só se pode ficar seis meses ou um ano em prisão preventiva sem ser julgado. Acha possível que em Portugal se adotem estes prazos?".  
Mais: "De acordo com o código alemão, nos casos de criminalidade especialmente violenta ou de especial complexidade, ou por uma "razão importante" não há um limite máximo para a prisão preventiva, outra coisa completamente inimaginável em Portugal. Mas até conhecer a proposta do Governo não vou pronunciar-me".  "Não concordo", reage Marinho Pinto. "Os magistrados têm é de trabalhar mais e decidir os recursos em tempo útil. Não é a reduzir direitos dos arguidos que se resolvem os problemas, e muito menos a andar a legislar ao sabor das manchetes dos tabloides, como o Governo anda a fazer", conclui. A Associação Sindical dos Juizes, não quis comentar a iniciativa do Governo e João Palma, do Sindicato dos Magistrados do MP, não respondeu aos contactos do Expresso.  
Teixeira da Cruz quer, também, que as confissões feitas durante a investigação, perante um magistrado e na presença do advogado de defesa, passem a ser válidas em tribunal — uma intenção anunciada em novembro numa entrevista ao Expresso e desde aí fortemente contestada pelo bastonário dos advogados. Outra das mudanças de peso é a realização de julgamentos sumários para os presos em flagrante delito — assunto que foi alvo de recente acordo entre PSD e CDS.   
João Garcia e Rui Gustavo
Expresso de 04-02-2012

Comarcas-piloto dão lições sobre o futuro


Os funcionários judiciais da Instrução Criminal na Amadora já ajudam nas penhoras de Sintra. É um exemplo do que aí vem. Em Mafra há um tribunal onde não existe um juízo de família e menores. Alguém envolvido num processo de divórcio litigioso tem de ir a julgamento a Sintra, a 23 quilómetros, onde fica a sede da comarca da Grande Lisboa Noroeste. Mas se só quiser entregar um ofício, pode fazê-lo na secretaria do tribunal de Mafra, sem se deslocar.
Os processos que correm em qualquer dos juízos de Mafra, Sintra e Amadora estão referenciados e acessíveis a partir de todas as secretarias dos três tribunais, desde que a comarca-piloto foi criada em 2009 — juntamente com as comarcas do Baixo Vouga e do Alentejo Litoral — para experimentar um modelo de organização que em muitas coisas já é igual ao plano traçado agora pela ministra da Justiça.
Para a juíza-presidente da comarca da Grande Lisboa Noroeste, o balanço é positivo. Ana de Azeredo Coelho realça que, com os mesmos meios humanos do que havia antes, e apesar de não ter sido cumprido o reforço previsto do quadro de funcionários, a eficácia aumentou. Em 2010, a comarca teve uma taxa de resolução de 108% (sobre o número de processos entrados durante esse ano), o que é significativo tendo em conta que são abertos 200 processos/ano por cada oficial de justiça, um recorde nacional. “É preciso conhecer a realidade anterior para perceber a evolução que houve”, diz a juíza, ressalvando que não se pode simplesmente olhar para as estatísticas dos processos em atraso. Na Grande Lisboa Noroeste há 65 mil processos de execuções pendentes (70% das pendências da comarca), a maioria deles penhoras. “Muitos não estão encerrados por motivos que não têm que ver com o tribunal”, argumenta João Paulo Raposo, juiz do juízo de execuções.
A autoridade conferida ao juiz-presidente fez com que fosse possível aperfeiçoar, por iniciativa própria, o sistema informático utilizado em Sintra. Os processos têm índices digitais e todos os atos realizados e a realizar estão informatizados. “Conseguimos gerir e decidir prioridades”, explica João Paulo Raposo.
Apesar de cada tribunal ainda manter a sua própria secretaria (no novo plano, isso muda), a flexibilidade aumentou. Neste momento, os funcionários da secretaria do juízo de instrução criminal do tribunal da Amadora, onde o volume de trabalho é volátil, estão a ajudar a despachar processos do juízo de execução de Sintra. “Os funcionários não se deslocam. Fazem-no eletronicamente”, sublinha Ana Coelho.
Em Aveiro, o juiz-presidente da comarca do Baixo Vouga acredita “muito no modelo apresentado”, acrescentando que é um aprofundamento da reforma em curso nas comarcas-piloto. “Não temos mais juizes, mas estão todos especializados e as pendências baixaram na comarca”, admite Paulo Brandão. Lamenta, no entanto, que não tenha havido um acompanhamento das comarcas-piloto por parte do Ministério da Justiça e não tenha sido criado um gabinete de apoio à gestão da rede judiciária do Baixo Vouga. “Estou a trabalhar praticamente sozinho.”
O juiz de Aveiro receia que o futuro mapa seja demasiado otimista em relação à produtividade esperada (“não estou a ver como é que em média um juiz de instrução pode despachar 6500 processos por ano”) e traga um retrocesso na especialização dos tribunais. “Albergaria-a-Velha, que faz parte da nossa comarca, vai voltar a ser um tribunal de competência genérica. Não me parece boa ideia.” E há ainda outra coisa que não lhe agrada: “Porque é que aquilo que sempre foi conhecido como juízo agora tem de passar a chamar-se secção? É que, sabe, as pessoas habituam-se aos nomes.”
Micael Pereira
Expresso de 04-02-2012

Jornal Oficial da União Europeia (04.02.2012)


L (Legislação): L033
C (Comunicações e Informações): C031 C031A C032