domingo, 11 de novembro de 2012

Perda de Mandato

Sentir o Direito
Por: Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
Acaba de se colocar perante os tribunais a questão de saber se a perda de mandato aplicada a autarcas condenados por crimes de responsabilidade política pode ainda ser executada quando, entre a sentença condenatória e o trânsito em julgado, o mandato cessou mas foi renovado através de eleição. A Lei nº 34/87 não dá resposta direta a tal questão. 
O artigo 29º da citada lei determina a perda de mandato de deputados e autarcas que sejam condenados, entre outros, por crimes de prevaricação, denegação de justiça, corrupção e peculato cometidos no exercício das suas funções. Porém, a morosidade do processo pode levar a que o mandato já tenha sido concluído quando a sentença se tornou irrecorrível.
Se o condenado não foi reeleito, nem sequer será possível aplicar, nesta parte, a decisão condenatória que transite em julgado após o termo do mandato. O condenado pode ter deixado de exercer cargos públicos eletivos, ter mudado de autarquia ou ter sido eleito para a Assembleia da República, a Assembleia Legislativa Regional ou o Parlamento Europeu.
É razoável entender que a lei penal quis determinar a perda do mandato em que o crime foi praticado, por ter havido uma grave violação da confiança depositada pelo eleitorado. A sanção de perda de mandato é acessória em relação à pena de prisão ou multa e fundamenta-se na violação de uma relação de representação, porque ninguém é eleito para cometer crimes.
Além disso, a aplicação da perda de mandato após a cessação do mandato vigente à data da condenação é muito problemática porque envolve, mesmo no caso de renovação, uma ampliação da letra da lei. Essa ampliação pode ser considerada uma analogia que, por razões de segurança jurídica, é proibida nos artigos 29º da Constituição e 1º do Código Penal.
De todo o modo, este caso constitui um desafio ao legislador. Se é certo que só uma condenação definitiva (insuscetível de recurso) pode levar à perda de mandato ou à inelegibilidade, nada obsta a que o efeito da condenação abranja um novo mandato, de igual ou diferente natureza (por exemplo, o mandato de deputado), para que o condenado foi depois eleito.
É possível garantir a eficácia da sanção com vontade política e respeito pela legalidade. Para tanto, é necessário que os processos sejam mais céleres e a lei seja clarificada. É possível prever a inelegibilidade ou a perda de mandatos exercidos aquando do trânsito em julgado da sentença condenatória, desde que o crime revele indignidade para o seu exercício.
Correio da Manhã | 2012.11.11

Provedor de Justiça quer aumentos salariais para docentes do Superior

 Ensino Superior

Por Samuel Silva


Numa carta ao Parlamento, provedor sustenta que não equiparação entre salários e categoria profissional viola Constituição
O provedor de Justiça, Alfredo José de Sousa, defende que os professores do Ensino Superior e os investigadores que ascenderam na carreira nos últimos anos devem receber os salários de acordo com a categoria profissional a que pertencem. Apesar de permitir a progressão na carreira, o Estado proíbe o respectivo aumento salarial desde 2010, o que configura uma "ilegalidade" que o provedor diz querer ver resolvida na discussão do Orçamento do Estado para o próximo ano.

Numa carta enviada na terça-feira à presidente da Assembleia da República - e que pede seja divulgada por vários grupos parlamentares -, o provedor de Justiça apela a que, em sede de apreciação da proposta de lei do Orçamento do Estado para o próximo ano, seja considerado o caso dos docentes universitários, dos politécnicos e dos investigadores que, depois de concluído o respectivo doutoramento, acederam a uma categoria profissional superior, mas mantiveram a remuneração. Nesse documento, Alfredo José de Sousa defende que se corrija "a desigualdade criada, através do ajustamento entre a categoria profissional e a remuneração correspondente".

O que o provedor defende não é uma excepção para estes professores, mas apenas o reconhecimento de que, tendo mudado a categoria profissional, também a situação salarial deve mudar. Em causa estão os docentes que, por via das alterações ao Estatuto da Carreira Docente Universitária, Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico e Estatuto da Carreira da Investigação Científica, viram eclipsada a categoria profissional em que se encontravam e que ficaram abrangidos por um período transitório durante o qual podiam obter o grau de doutor, subindo imediatamente de categoria profissional. Estes professores representam cerca de 0,2% dos cerca de 38 mil docentes universitários.

O regime transitório encontra-se em vigor até 2015, mas desde o Orçamento do Estado de 2010 que está afectado pelas medidas de contenção da despesa. Primeiro, o Governo proibiu as promoções e as actualizações de vencimento. E, apesar de no ano seguinte ter autorizado que os docentes em causa pudessem subir de categoria profissional, o executivo manteve o congelamento do salário. 

Esta decisão, defende o provedor de Justiça, é contrária à lei e à própria Constituição. Alfredo José de Sousa considera que está "comprometido o princípio da igualdade", na vertente de "trabalho igual, salário igual". Numa mesma instituição, docentes que detêm a mesma categoria e exercem correspondentes funções auferem remunerações distintas. Alfredo José de Sousa lembra que o próprio Governo reconheceu este desajustamento durante a preparação do Orçamento para 2013, quando foi antecipada a possibilidade de serem reconhecidos efeitos remuneratórios a estes docentes. "Acontece que a solução gizada acabou por não ser acolhida no texto final do OE 2013, desconhendo-se os motivos do recuo da posição adoptada", afirma o provedor, pedindo aos partidos com assento parlamentar para corrigirem agora o problema.

O provedor decidiu tomar posição depois de ter recebido queixas de professores, investigadores e sindicatos. A avaliação feita aponta a actualização salarial como "um verdadeiro direito dos trabalhadores, sendo, nessa medida, obrigatório para a administração". Por isso, o provedor entende que as imposições em matéria de controlo de despesa devem actuar em domínios em que haja margem de escolha na realização da despesa e não quando essa margem não existe.
Público - Domingo 11/11/2012