terça-feira, 11 de julho de 2006

Ainda o caso Hamdam e as Comissões Militares da Administração Bush


Como tive oportunidade de referir aqui e repetir ali, a decisão Hamdam v. Rumsfeld não é inequivoca em diversos vectores, nem abordou o núcleo das questões suscitadas pelas comissões militares aprovadas pela administração Bush. Pelo que importa seguir com atenção a sequência e o debate político e jurídico que provocou.

Sobre o acórdão parece-me com muito interesse o artigo de Cass Sunstein no New Republic, em que se analisa de uma forma sintética e clara (não exaustiva mas bastante mais apreensível do que o texto das várias «opiniões» do acórdão e mesmo o sumário que o precede) a decisão do Supremo Tribunal e as suas implicações. Refira-se que para Sunstein (que é um académico muito prestigiado da «Law School» da Universidade de Chicago, que já foi assessor do juiz Breyner), o essencial centra-se na reafirmação de uma jurisprudência histórica sobre a tensão entre os poderes do Congresso e do Presidente, tendo o tribunal rejeitando a tese da primazia presidencial na protecção da segurança nacional.

Tenho ainda de reconhecer que a expectativa de que a dimensão simbólica que referi aqui e, embora não o tenha dito, pensei, decerto em virtude de «wishful thinking», que poderia ser uma oportunidade que a presidência aproveitaria para um recuo, não foi confirmada por declarações de Bush.
Com efeito, Bush afirmou, em conferência de imprensa da passada sexta-feira, que, afinal, o tribunal «aceita a utilização de Guantanamo, a decisão que eu proferi» (o que está longe de ser exacto), em contraponto deixou em aberto a proposta que a presidência apresentará ao Congresso: «Temos lá [Guantanamo] cerca de 600 [prisioneiros], 200 já foram enviados de volta à casa. Gostaríamos de enviar mais para os seus países de origem. Alguns precisam de ser julgados e a questão fundamental é como vamos julgá-los?». Ou seja parece, que no seu estilo, Bush comunicou que, pelo menos, será ponderada a hipótese de sujeitar a um julgamento por entidades com um recorte distinto das comissões militares e, o que é fundamental em face da decisão do Supremo, com um procedimento justo (ou menos injusto do que o inicialmente previsto), em especial com espaço para o contraditório.

Por último, a carga simbólica da decisão não deixa de envolver na boa tradição anglo-americana a clara divisão de campos na crítica do acórdão, uma panorâmica com ligações pode ser encontrada aqui, no precioso SCOTUSblog.

Casa da Suplicação LXXVI

Recurso Extraordinário - Revisão de sentença - Inconciabilidade de decisões

Um dos fundamentos da designada revisão pro reo e que diz respeito à revisão da sentença condenatória é a que tem por base a inconciliabilidade dos factos dados como provados nessa decisão com os dados como provados noutra, daí devendo resultar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, ou seja, dúvidas tão sérias, que se ponha fundadamente o problema de o condenado poder vir a ser absolvido, embora se não ponha necessariamente o problema da sua inocência.
Não ocorre essa inconciliabilidade se os factos dados como provados em ambas as decisões não se excluírem mutuamente.
As divergências que possa haver entre os factos dados como provados numa e noutra decisão só são fundamento de revisão se tornarem ambas as decisões incompatíveis e puderem gerara graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Ac. do STJ de 6.7.2006, Proc. n.º 2319/06-5, Relator Cons. Artur Rodrigues da Costa