Acabámos de aceitar o encargo de representar e dirigir o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público nos próximos três anos. Serão certamente três anos intensos e difíceis.
A grande questão que agora se nos coloca é: o que é que os magistrados do Ministério Público esperam do seu sindicato? Que esperam de nós, de mim, aqueles que nos honraram - e responsabilizaram - com a maior votação de sempre?
A grande questão que agora se nos coloca é: o que é que os magistrados do Ministério Público esperam do seu sindicato? Que esperam de nós, de mim, aqueles que nos honraram - e responsabilizaram - com a maior votação de sempre?
A resposta não poderá deixar de ser esta - que cumpra os objectivos estatutários desta associação: que defenda os interesses dos magistrados do Ministério Público, nomeadamente no âmbito do seu estatuto socioprofissional; que pugne pela dignificação da magistratura do Ministério Público e pelo aperfeiçoamento e democratização do aparelho judiciário; que fomente o aperfeiçoamento técnico e cultural dos seus sócios, a solidariedade e convivência entre eles, bem como a sua consciência sindical; que se faça ouvir na elaboração das leis do âmbito judiciário e proponha aos órgãos competentes as reformas necessárias à melhoria do sistema judiciário e à realização da justiça; que participe, com organizações congéneres de outros países, na defesa, no âmbito internacional, de uma justiça democrática.
O nosso compromisso não pode deixar de ser, antes de mais e acima de tudo, com esses objectivos.
Com eles estaremos comprometidos porque acreditamos convictamente no Ministério Público, nos seus magistrados e no papel determinante que o SMMP pode ter no interminável processo de construção de um sistema de justiça verdadeiramente independente, democrático e de qualidade.
Assumimos a natureza sindical da nossa associação sem vergonha ou embaraço, antes com honra pelo que ela significa e significou na história do nosso judiciário democrático. Prestamos homenagem a todos aqueles que, nestes 37 anos de história do SMMP, integraram os seus diversos órgãos e, seguramente com muita satisfação, mas também com não menor sacrifício pessoal, muito contribuíram para o aperfeiçoamento e democratização do nosso sistema de justiça. Destacamos, porque de inteira justiça, aqueles que integraram as últimas Direcções, em períodos extremamente difíceis.
Não nos limitaremos, nem nos deixaremos limitar, à defesa do estatuto socioprofissional dos magistrados. O SMMP continuará a fazer ouvir a sua voz em todos os assuntos respeitantes ao Direito e ao Judiciário. Fá-lo-á com firmeza, convicção e responsabilidade, sem dúvidas quanto à legitimidade da sua intervenção e à importância das suas propostas.
Hoje, como antes, continuará o SMMP empenhado num correcto diagnóstico dos problemas no nosso sistema judicial e na procura das verdadeiras soluções, mantendo sempre uma atitude de rigor e objectividade. Como expressão da vontade dos seus associados, da riqueza do seu conhecimento jurídico e da sua experiência profissional, deverá impulsionar a mudança necessária no Ministério Público. Sem hesitações.
Queremos um Ministério Público dinâmico e inconformado, que observe os princípios constitucionais e estatutários inerentes a um Estado de Direito democrático moderno e avançado; isento e objectivo; eficaz no reconhecimento, defesa e efectivação dos direitos fundamentais, olhando o Direito como ferramenta capaz de actuar sobre o real e de contribuir para o transformar em nome do ideal de Justiça plasmado na nossa lei fundamental.
Queremos um Ministério Público democrático e não autocrático, que afirme, garanta e reclame permanentemente a sua autonomia como condição da sua democraticidade e do cabal desempenho das suas funções. Uma autonomia externa, mas também interna, de todos e cada um dos seus magistrados, pela qual sempre nos bateremos.
Defendemos um Ministério Público com uma hierarquia respeitadora dos seus princípios, que por directivas, ordens e instruções conformes à Constituição e à lei, uniformize formas de actuação, permitindo que o Ministério Público seja veículo de garantia de uma Justiça igual para todos, independentemente da sua condição social, cultural, económica ou qualquer outra; uma hierarquia que, de forma visível e transparente, assuma as suas responsabilidades; que, sem resignação, organize internamente o Ministério Público, criando mecanismos eficazes de coordenação e de apoio aos magistrados.
Queremos um Ministério Público que privilegie e fomente a formação, o mérito e a qualidade dos seus magistrados; onde estes se possam candidatar a todos os lugares por concurso que assente apenas em critérios objectivos de aptidão para a específica função e não em critérios de confiança pessoal; um Ministério Público que valorize os seus magistrados, que lhes permita a especialização, a construção de uma carreira digna, com progressão e realização profissional; um Ministério Público composto por magistrados com um estatuto socioprofissional condizente com a complexidade da sua função, com a exclusividade, responsabilidade e empenho que lhe são exigidos e que com gosto assumem.
O estatuto socioprofissional assume nesta altura uma preponderância que gostaríamos que não tivesse. Gostaríamos que nada houvesse a mencionar neste aspecto. Mas há. Muito.
Em dois anos, os magistrados do Ministério Público viram reduzidos os seus rendimentos provenientes do trabalho em cerca de 30%. Aquilo que se afirmava temporário vai agora despudoradamente sendo apresentado como definitivo; aquilo que se apresentava como regra para todos os servidores do Estado - que, na verdade, muitos vêem antes como verdadeiros servos -, admite cada vez mais excepções. Excepções cujos fundamentos invocados são por vezes pouco mais do que absurdos. A violação do princípio da igualdade, clara desde o início destas medidas, é cada vez mais manifesta. Que fará agora o Tribunal Constitucional? Assumir-se-á como verdadeiro tribunal? Defenderá a Constituição? Ou tudo relativizará?
A este propósito, chamamos a vossa atenção para as palavras de Gabriela Knaul, Relatora Especial das Nações Unidas para a Independência do Poder Judicial, que, recentemente, referindo-se à situação dos magistrados portugueses, disse, e citamos, ter a certeza que uma redução destas é um ataque à independência do poder judicial. Os magistrados dedicam-se de tempo inteiro e de forma exclusiva à sua função, não podem ter outras actividades que não sejam a magistratura. A redução do salário é criar uma excepção a um direito que é absoluto, que não pode ter excepção. Os magistrados não podem ser estimulados a deixar a profissão por razões económicas ou essa questão impedir que outros profissionais, bons e honestos, optem pela magistratura (fim de citação).
Todos os tribunais são chamados à coragem de assumir integralmente a sua função no reconhecimento, defesa e efectivação dos direitos fundamentais.
O Ministério Público deverá ser firme na defesa dos princípios e direitos constitucionalmente consagrados. A Justiça não pode aceitar ser instrumental e submissa à economia. O que se espera dela, o que a Constituição lhe atribui como função matricial, é a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos; é pois, também, corrigir as desigualdades e os erros que a Economia produz e continuará a produzir.
Não queremos a injustiça. A justiça é melhor que a injustiça, verdade tão antiga e óbvia como Platão a enunciou, mas que importa ir lembrando, pois, por vezes, quanto maior é a evidência, maior o esquecimento. Mesmo que a democracia onde a possamos defender seja frágil, falível, em deriva oligárquica, ou precária, só aí é possível a liberdade e a justiça social, uma liberdade que não tem que ser temida, uma justiça social que seja pelo menos respeitada e humanista, que se não puder ser a ideal, que seja a possível, mas que continue sempre como um objectivo da nossa sociedade.
Não devemos acumular mais amargura e desilusão pela justiça, nem podemos ficar indiferentes à impunidade, à corrupção e à injustiça que muitos querem afirmar como regra e fado inelutável.
A justiça é instrumento de emancipação e de iluminação. Não passou o tempo da emancipação, o de viver com igual dignidade e direitos num mundo que fatalmente permanecerá desigual, mas em que o esforço de o fazer menos desigual valerá a pena. Utópico? Talvez. Mas como poderemos estar no judiciário sem essa utopia?
Valorizaremos e dignificaremos a Justiça, valorizando e dignificando o Ministério Público.
É esse o nosso compromisso.
É o que faremos.
É o que farei.
É o que faremos.
É o que farei.
Lisboa, 18 de Abril de 2012