terça-feira, 28 de agosto de 2012

por Lusa, publicado por Ricardo Simões FerreiraHoje

Adriano Moreira defende intervenção do TC no caso RTPO ex-líder do CDS Adriano Moreira defendeu hoje que o Tribunal Constitucional deve ser ouvido no processo de concessão da RTP, sublinhando que esta questão necessita de um "cuidado jurídico extraordinário".
"A constituição não pode ser ultrapassada, ela tem que ser inteiramente respeitada e por isso, volto a insistir, seja qual for a solução, que o Tribunal Constitucional seja ouvido e, por isso, o Presidente da República mande o diploma para ao Tribunal Constitucional", defendeu.
Para Adriano Moreira "vai ser preciso uma perícia e um cuidado jurídico extraordinário" se essa decisão (de concessão da RTP a privados) for tomada.
Adriano Moreira falava aos jornalistas em Castelo de Vide (Portalegre) à margem de uma conferência sobre "Há sinais de esperança num mundo em crise?", uma iniciativa promovida pela Universidade de Verão do PSD, que decorre naquela vila alentejana até domingo.
Para que a operação relativa à estação pública de televisão seja correta e para "ultrapassar as dúvidas constitucionais", Adriano Moreira reiterou que o Tribunal Constitucional tenha que ser "ouvido" e "tenha que decidir sobre o que vier a ser acordado".
Sobre a RTP, Adriano Moreira alertou ainda que a definição do que é o serviço público tem que ser "minuciosa, cuidadosíssima" e que vai "exigir a intervenção de técnicos muito atentos e competentes e com experiência, e talvez não haja essa experiência" em Portugal.
Na quinta-feira passada, o economista e consultor do Governo António Borges considerou, em entrevista à TVI, que a possibilidade de concessionar a RTP1 a investidores privados é um cenário "muito atraente", mas assegurou que nada está ainda decidido sobre o futuro da empresa.
Borges disse que a RTP2 irá "muito provavelmente" fechar, independentemente do cenário a adotar para o futuro da empresa, em razão do seu avultado custo, para reduzidas audiências.
Já na sexta-feira, o Governo admitiu a concessão da RTP1 e o eventual encerramento da RTP2, afirmando que esta decisão permitirá "reduzir os encargos públicos" com a estação de televisão, garantindo em simultâneo a sua "propriedade pública".

Expresso | terça-feira, 28 Agosto 2012
Artigo de Opinião
António Manuel Hespanha – professor universitário, reformado da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Continua a ensinar (na Universidade Autónoma, Lisboa) e em outras lides académicas.

A recente decisão do Tribunal Constitucional (TC) sobre os cortes dos subsídios de funcionários públicos e de reformados tem tido o mérito de trazer cá para fora a sensibilidade constitucional de imensas figuras públicas. Algumas têm formação jurídica e responsabilidades académicas na área. Outras não, e têm invocado isso para estarem mais à vontade ao exprimir opiniões bizarras acerca de como de devia tratar a constituição em tempos de crise.
Os princípios constitucionais invocados pelo TC são daqueles que existem desde que na Europa se descobriu a ideia de um Estado limitado por uma Constituição. Se – como alguns ignorantes têm sugerido – se revisse a constituição para permitir as medidas legislativas agora invalidadas, do que se trataria era, pura e simplesmente, de despedir a constituição (já agora … por inadaptação ao posto de trabalho) e entrar num regime de arbítrio, como o do Brunei, a Coreia do Norte, a Arábia Saudita ou o Vaticano (estes últimos, ainda assim, reconhecem limites espirituais à governação).
Senão, vejamos que princípios estão em causa. Um princípio constitucional atingido teria sido o da violação de direitos adquiridos, afetando o tal princípio da confiança que se deduz logo do art. 2º da CRP. É esta norma que consagra a propriedade de cada um, a validade dos contratos livre e legalmente estabelecidos, o direito às prestações públicas concretamente consagradas na lei, a proibição do confisco, a limitação dos impostos ao que está previsto na lei, etc.. Enfim, coisas básicas, sem as quais dificilmente se concebe que se possa viver numa sociedade civilizada. Que os salários contratados ou as pensões contratadas – e em que os pensionistas até já pagaram a sua parte – sejam direitos adquiridos é algo que poucos discutem – embora os juristas tendam a discutir tudo  – , e que os tribunais portugueses têm considerado uma opinião correta.
Claro que não há direitos absolutos, direitos que não possam ser limitados ou mesmo ignorados em caso de extrema necessidade. Os regimes revolucionários fazem isso; e mesmo muitos outros regimes apenas reformistas ou em situação de extrema necessidade, recorrem ao confisco, à denúncia de contratos e tratados, à retenção de pagamentos, ao não pagamento da dívida; como, ainda mais gravemente, recorrem à prisão arbitrária, à vigilância intrusiva e à tortura. Nos últimos anos, países como o Zimbabué, a Venezuela, a Argentina, a Islândia – com um generalizado escândalo da opinião dominante, diga-se de passagem … – tomaram medidas extraordinárias do primeiro tipo.
Porém, mesmo que adotássemos, em tempo de crise, um regime assim permissivo, não estaríamos ainda livres da maçada de uma constituição (ideológica …). Em primeiro lugar, há três coisas que teriam que ser demonstradas sem margem para dúvidas: (i) que a necessidade existe e é tão extrema como a adoção de medidas da gravidade do confisco; (ii) que estas medidas vão resolver o problema; e (iii) que não há outras saídas para a crise. Provar isto cabalmente é muito mais do que repetir ad nauseam e com cara compungida que não há alternativas, que as que se apresentam são delírios ideológicos e que, em contrapartida, se espera e se fará tudo para que o confisco dê resultado, tal como de resto já antecipam os mercados e a opinião internacional sobre o país. Dizer isto é o mesmo que não dizer nada.
Mas há mais. Admitindo que se provava tudo isto sem recurso à retórica, com honestidade e com rigor, a tal de Constituição ainda tem um outro princípio – o princípio da igualdade -, também ele crucial (talvez ainda mais do que o anterior) e insuscetível de revisão. Se se riscar da Constituição o princípio da igualdade, fica instaurado o arbítrio e desaparece de todo o Estado constitucional. Aqui, nem a extrema necessidade vale como escapatória. Pelo contrário, ainda reforça mais a necessidade de, nestes momentos de aperto, todos contribuírem por igual para salvar a comunidade. A salvação de todos exige o sacrifício de todos. Chocantemente inconstitucional, à luz de qualquer constituição, e imoral, à luz de qualquer moral própria de humanos, seria que, para salvar todos, só alguns se sacrificassem. O TC invocou também este princípio da igualdade – os rendimentos do trabalho, público ou privado, devem ser tratados do mesmo modo. Infelizmente, a formulação foi incompleta, demasiado estreita, e isso tem permitido uma enorme manipulação da sua discussão.
A igualdade é um princípio universal, que abrange todos os sacrifícios. Do que o país precisa, não é de sacrifícios dos trabalhadores (por conta de outrem …), é de sacrifícios de todos. Ou seja, se estamos em guerra, todos têm que contribuir para a guerra de todos. Para isso, a contribuição de guerra tem que ser repartida por todos os rendimentos: salários, lucros de empresas, dividendos distribuídos, remunerações de PPPs (declaradas imorais e lesivas do Estado pelo e pelas próprias instituições internacionais financiadoras), ganhos de mais-valias, rendimentos exportados para paraísos fiscais ou para países de regime fiscal mais favorável, ativos de grandes fortunas, consumos sumptuários, etc.. Para não falar dos proventos da enormidade da fraude fiscal e da florescente economia paralela.
Ora desta realização do princípio da igualdade nunca se fala, apesar de até já terem surgido propostas legislativas nesse sentido. Oportunisticamente, todos se concentram na formulação restrita do princípio da igualdade que se encontra no acórdão do TC, e omitem as consequências de uma formulação geral desse princípio, que englobe todos os rendimentos e não apenas os daqueles que são mais fracos e que estão mais à mão. Além de apontar para soluções muito mais justas, esta formulação genérica conduz a soluções economicamente mais razoáveis e mais adequadas ao objetivo de suster a crise.
Sair da constitucionalidade é bastante fácil, sobretudo quando se cobre o país de um fogo cerrado de medos e de ameaças catastróficas, a que o próprio TC sucumbiu em acórdãos anteriores. Mas voltar à constitucionalidade é muito difícil, sobretudo se as soluções ilegítimas foram levianamente dadas como favas contadas. Única vantagem: fazer a prova dos nove quanto à devoção de muitos opinativos pelo núcleo duro de um Estado constitucional. Todos os oportunistas reduzem tudo à oportunidade. Uma constituição pode-lhes convir muito pouco, mas convém-nos muito a nós todos, os muitos.

Prestigiar a justiça para defender a Constituição

Por António Cluny, publicado em 28 Ago 2012 

Se nenhuma reforma é politicamente neutra, no actual contexto não parece possível, também, conferir eficácia e legitimidade à justiça sem mudanças significativas
1. Depois do que se tem dito sobre a influência do associativismo judiciário – e têm-se dito muitos disparates –, convém ler os importantes documentos que a Associação Sindical dos Juízes e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público recentemente divulgaram sobre as reformas.
Concorde-se ou não com a generalidade das suas observações, certo é que ninguém pode negar empenhamento, profundidade, honestidade e utilidade a tais estudos.
Eles alertam para problemas importantes, sugerem soluções viáveis para a melhoria do sistema de justiça e contribuem, com rigor científico e sem demagogia, para um debate político e cívico que é preciso travar.
Uma intervenção desta natureza só prestigia a forma como o associativismo judiciário português soube renovar-se, reinventando, nas circunstâncias de hoje, as suas melhores tradições.
2. Essa intervenção evidenciou, além disso, uma característica imprescindível a este debate.
Desvendou, de novo, os termos correctos em que deve situar-se a discussão política em torno dos problemas da justiça.
Quem pôde acompanhar as reformas que moldaram a justiça portuguesa da democracia é capaz de recordar como até finais dos anos 80, início dos anos 90, tal discussão era situada por todos os intervenientes políticos e sociais – dentro e fora do parlamento – num espaço e num tom bem diferentes daqueles usados em outras áreas da política.
Não por acaso, apesar da vigorosa conflitualidade política e ideológica de então, tais reformas obtinham, nesse período, contributos de diversas origens, numa consensualidade rara e exemplar.
Foi só após o surgimento de alguns processos judiciais invulgares no panorama político-judiciário português que esse modelo foi rompido por quem, na «política» e por vezes fora dela, representava os interesses ameaçados.
Ainda hoje, perante a recente e polémica decisão do Tribunal Constitucional, houve quem não resistisse a percorrer esses caminhos.
Os prejuízos dessa estratégia para o prestígio e a autoridade da justiça foram, porém, notórios.
Se foi esse também o resultado pretendido, então temos de reconhecer que o sucesso foi total.
3. Reconstruir a eficácia e a autoridade da justiça exige, de facto, de todos os agentes políticos e sociais um debate especialmente orientado por uma lógica própria de intervenção democrática.
Se nenhuma reforma é politicamente neutra, no actual contexto não parece possível, também, conferir eficácia e legitimidade à justiça sem mudanças significativas.
A necessidade de a democracia retornar a um discurso baseado no direito, um discurso escudado na genuinidade dos princípios constitucionais e capaz de se afirmar, de novo, como um sustentáculo da esperança colectiva na realização do bem comum, exige inevitavelmente um esforço de todos para a credibilização da justiça.
A discussão a encetar deve, assim, ter sempre em conta a preocupação de recolocar os tribunais no plano institucional que lhes compete. Só assim eles podem constituir um baluarte socialmente eficaz da lei fundamental.
Importa, por isso, erradicar todo o tipo de facciosismos fáceis, estudar profundamente as matérias em causa, discutir os problemas reais e encontrar soluções consensuais (constitucionais) para problemas comummente reconhecidos.
A defesa do Estado de direito e da Constituição – enfim, da soberania nacional – perante a univocidade e a prepotência do discurso das «exigências dos mercados» tem, também, de passar por aí: pela eficácia e pelo prestígio da justiça.
Jurista e presidente da MEDEL