Os “direitos” converteram-se em
“privilégios”, salvo, é claro, para os verdadeiros privilegiados
1. No prefácio da sua obra maior – “O
Princípio Esperança” –, o filósofo marxista Ernst Bloch dirige-se ao seu filho
dizendo: “Trata-se de aprender a ter esperança. (…) A esperança é superior ao
medo, não conduz à passividade como este, nem é prisioneira do nada. O amor da
esperança sai dela própria, engrandece os homens em lugar de os diminuir (…) o
desenvolvimento deste amor exige dos homens que se lancem activamente no devir,
do qual, eles mesmos, fazem parte. Ele não suporta esta vida de cão passivo de quem
se sente lançado na pura existência, uma existência incompreensível e, nalguns
casos, reconhecidamente miserável.”
Mais recentemente, outro alemão escrevia:
“A complexidade e gravidade da situação económica actual preocupa-nos com toda
a justiça, mas devemos assumir com realismo, confiança e esperança as novas
responsabilidades a que nos chama o cenário de um mundo que tem necessidade de
uma renovação cultural profunda e da redescoberta de valores fundamentais para
construir sobre eles um futuro melhor. A crise obriga-nos a projectar de novo o
nosso caminho, a impor-nos regras novas e a encontrar novas formas de empenhamento
(…). Assim, a crise torna-se ocasião de discernimento e elaboração de nova
planificação.”
Escrevia isto após ter referido também que
a actual situação de crise coloca opções que dizem respeito ao próprio destino
do homem, para depois concluir que as inter-relações a nível mundial e os
efeitos deletérios sobre a economia real de uma actividade financeira mal
utilizada e maioritariamente especulativa devem induzir-nos a reflectir sobre
as medidas necessárias para dar soluções a estes problemas.
O homem que o disse é Joseph Ratzinger – o
Papa Bento XVI.
2. Falhou, em muitos aspectos, a
concretização dos melhores sonhos que “comandaram a vida” e a acção de gerações
de mulheres e homens livres. Falharam, também – ou deixaram de interessar – as
vias compromissórias com que, no “Ocidente”, se procurou iludir a expansão de
tais sonhos.
Num lado, à custa de sacrifícios heróicos,
tentou-se conquistar um mundo novo – um futuro – cujos contornos nunca foram
claramente definidos e que, por isso, em alguns casos, se revelaram medonhos.
No outro, pelo contrário, pretendeu--se
oferecer um “presente” pleno de satisfações imediatas, as quais se
multiplicavam, depois e sucessivamente, em anseios e demais necessidades.
Aparentemente, acreditava-se ter sido
conquistado este último caminho: mais real e mais palpável.
Não foi assim: logo se disse que quem
assim foi “presenteado” vivera, afinal e abusivamente, acima das suas
possibilidades.
Hoje confiscam-se os “presentes” – as
casas, os carros, a saúde, a segurança social, os estudos, as férias, o tempo
para si e para a família – e, como na Grécia ou na Espanha, pessoas há que
começam a atirar-se das varandas que foram sonhos, pois foram esvaziadas do
“presente” em que viviam e a que julgavam ter direito.
Os “direitos” converteram-se em
“privilégios”, salvo, é claro, para os verdadeiros privilegiados.
“É preciso repensar o Estado”, justificam,
zangados, os “encarregados” deste “presente” que, afinal, nega o passado e
interdita o futuro.
3. Um dos problemas da desesperança é, no
mínimo, conduzir à passividade acrítica, ao niilismo e, no máximo, à revolta
inconsequente, à “pura” violência sem objectivos: é não oferecer projecto.
Por isso, como dizem aqueles alemães:
É urgente rejeitar a vida de cão passivo e
a existência de novo miserável que nos querem impor.
A crise obriga a projectar novamente o
caminho, a encontrar novas formas de empenhamento.
Jurista e presidente da MEDEL