terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O caminho da esperança

Por António Cluny, publicado em 4 Dez 2012 - 03:00 | Actualizado há 15 horas 56 minutos
Os “direitos” converteram-se em “privilégios”, salvo, é claro, para os verdadeiros privilegiados
Do infinito valor da esperança - ilustração
1. No prefácio da sua obra maior – “O Princípio Esperança” –, o filósofo marxista Ernst Bloch dirige-se ao seu filho dizendo: “Trata-se de aprender a ter esperança. (…) A esperança é superior ao medo, não conduz à passividade como este, nem é prisioneira do nada. O amor da esperança sai dela própria, engrandece os homens em lugar de os diminuir (…) o desenvolvimento deste amor exige dos homens que se lancem activamente no devir, do qual, eles mesmos, fazem parte. Ele não suporta esta vida de cão passivo de quem se sente lançado na pura existência, uma existência incompreensível e, nalguns casos, reconhecidamente miserável.”
Mais recentemente, outro alemão escrevia: “A complexidade e gravidade da situação económica actual preocupa-nos com toda a justiça, mas devemos assumir com realismo, confiança e esperança as novas responsabilidades a que nos chama o cenário de um mundo que tem necessidade de uma renovação cultural profunda e da redescoberta de valores fundamentais para construir sobre eles um futuro melhor. A crise obriga-nos a projectar de novo o nosso caminho, a impor-nos regras novas e a encontrar novas formas de empenhamento (…). Assim, a crise torna-se ocasião de discernimento e elaboração de nova planificação.”
Escrevia isto após ter referido também que a actual situação de crise coloca opções que dizem respeito ao próprio destino do homem, para depois concluir que as inter-relações a nível mundial e os efeitos deletérios sobre a economia real de uma actividade financeira mal utilizada e maioritariamente especulativa devem induzir-nos a reflectir sobre as medidas necessárias para dar soluções a estes problemas.
O homem que o disse é Joseph Ratzinger – o Papa Bento XVI.
2. Falhou, em muitos aspectos, a concretização dos melhores sonhos que “comandaram a vida” e a acção de gerações de mulheres e homens livres. Falharam, também – ou deixaram de interessar – as vias compromissórias com que, no “Ocidente”, se procurou iludir a expansão de tais sonhos.
Num lado, à custa de sacrifícios heróicos, tentou-se conquistar um mundo novo – um futuro – cujos contornos nunca foram claramente definidos e que, por isso, em alguns casos, se revelaram medonhos.
No outro, pelo contrário, pretendeu--se oferecer um “presente” pleno de satisfações imediatas, as quais se multiplicavam, depois e sucessivamente, em anseios e demais necessidades.
Aparentemente, acreditava-se ter sido conquistado este último caminho: mais real e mais palpável.
Não foi assim: logo se disse que quem assim foi “presenteado” vivera, afinal e abusivamente, acima das suas possibilidades.
Hoje confiscam-se os “presentes” – as casas, os carros, a saúde, a segurança social, os estudos, as férias, o tempo para si e para a família – e, como na Grécia ou na Espanha, pessoas há que começam a atirar-se das varandas que foram sonhos, pois foram esvaziadas do “presente” em que viviam e a que julgavam ter direito.
Os “direitos” converteram-se em “privilégios”, salvo, é claro, para os verdadeiros privilegiados.
“É preciso repensar o Estado”, justificam, zangados, os “encarregados” deste “presente” que, afinal, nega o passado e interdita o futuro.
3. Um dos problemas da desesperança é, no mínimo, conduzir à passividade acrítica, ao niilismo e, no máximo, à revolta inconsequente, à “pura” violência sem objectivos: é não oferecer projecto.
Por isso, como dizem aqueles alemães:
É urgente rejeitar a vida de cão passivo e a existência de novo miserável que nos querem impor.
A crise obriga a projectar novamente o caminho, a encontrar novas formas de empenhamento.
Jurista e presidente da MEDEL

Mais de 34 mil portugueses estão sem bens para pagar dívidas


A lista pública de execuções bateu o recorde de devedores em Outubro, com o total de dívidas incobráveis a disparar para 488 milhões de euros, à ordem de 67 mil euros por dia só nos últimos 11 meses. Particulares respondem pela maior fatia.

Dívidas incobráveis disparam para 488 milhões de euros

Lígia Simões

ligia.simoes@economico.pt

A lista pública de execuções (LPE) já tem mais de 34.700 nomes de devedores que não têm dinheiro para pagar as dívidas ou bens para penhorar. A situação agravou-se nos últimos meses e as dívidas incobráveis atingem já os 488 milhões de euros. Os particulares representam a maior fatia da lista.

Em causa estão dívidas a fornecedores, instituições financeiras (banca e seguros), crédito ao consumo, arrendamentos ou empresas de serviços públicos essenciais (água e luz) e telecomunicações. Desde Janeiro deste ano, registam-se 55 devedores crónicos por dia.

Em Outubro foi mesmo batido o recorde de publicação de devedores crónicos com a inclusão de 2.633 nomes na lista, o maior número de sempre desde que o registo foi criado em Junho de 2009, revelou ao Diário Económico fonte oficial do Ministério da Justiça.

A crise, o aumento do desemprego e as medidas de austeridade estão a acelerar o processo de insolvência de muitos portugueses. A prova disso são os milhares de nomes constantes da LPE. Só entre Janeiro e 23 de Novembro deste ano, foram incluídos mais 17.971 nomes, totalizando 34.728 devedores crónicos. A grande fatia são particulares, assumindo já um peso de 60% (contra 57% em Julho). Ou seja, 55 devedores por dia cujas execuções terminaram por não existirem bens penhoráveis ou pagamento parcial, uma média muito superior aos 31 registos diários verificado entre Janeiro e Novembro de 2011 (período em que foram incluídos na lista 10.287 nomes). E de acordo com os dados do Ministério da Justiça, só na primeira metade do ano, o número de registos quase duplicou, existindo mais 7.684 registos face aos 11 primeiros meses do ano passado.

A LPE permite detectar situações de incobrabilidade de dívidas e prevenir acções judiciais inúteis, evitando processos artificialmente vivos por falta de bens penhoráveis. Uma evolução que, segundo o fiscalista Samuel Almeida se pode atribuir às dificuldades económicas que o país atravessa, nomeadamente o decréscimo da actividade interna, a maior pressão fiscal, o desemprego e a "enorme" dificuldade de aceder ao crédito. "É expectável que este valor continue a crescer em 2013", antecipa.

Dívidas disparam até Novembro

O valor em dívida da LPE, entre Janeiro e Novembro, totaliza já 219 milhões de euros: qualquer coisa como 67 mil euros de dívidas que por dia são declaradas incobráveis. Ou seja, em 11 meses, as dívidas incobráveis já superam o total registado em 2011 (186 milhões). Segundo Samuel Almeida, esta evolução "aumenta o ciclo recessivo, pois representa uma diminuição das receitas efectivas das empresas e prestadores de serviço. E coloca maior pressão na tesouraria das empresas". Na prática, diz, significa igualmente uma contracção do mercado.

Do total de devedores crónicos, 20.962 são particulares e 13.766 empresas. Para o aumento do número de particulares Samuel Almeida dá uma explicação: "Tradicionalmente os devedores incobráveis eram empresas, mas o aumento do desemprego e o corte no acesso ao crédito ao consumo colocou enorme pressão sobre uma faixa da população que vivia no limite da sua capacidade de endividamento. Sem fontes adicionais de rendimentos, tais famílias entraram em incumprimento definitivo".

Lista facilita recuperação de IVA

Além de evitar processos judiciais sem viabilidade, a criação da lista pública de execuções (LPE) em 2009 teve também como objectivo permitir aos credores recuperarem o IVA para dívidas até oito mil euros. Se uma empresa celebrar um contrato com alguém que não lhe pagou e que, depois, venha a ser incluído na lista, pode recuperar o IVA que teve de entregar às Finanças sem mais formalidades, desde que tenha tentado recuperar esse crédito por escrito (através de uma carta). Mas o OE/12 acabou por introduzir uma limitação: a impossibilidade de dedução automática do IVA liquidado em todos os casos em que o devedor já constasse da LPE, na data da realização da operação. L.S.
Diário Económico, 4-12-2012

Quase metade dos tribunais estão em estado de degradação


Juizes apresentam hoje relatório sobre o estado dos tribunais. Primeiros dados só cobrem o Norte, mas a garantia é a de que este é retrato de todo o país.

Inês David Bastos

ines.bastos@economico.pt

Cinco anos depois de terem divulgado um relatório onde alertavam para a falta de condições e de segurança em mais de 70% dos tribunais portugueses, os juizes voltaram ao terreno para um novo diagnóstico, começando pelo Norte do país. E , para já, quase metade dos 26 tribunais analisados voltaram a receber nota negativa. Mais: estes tribunais não só não receberam obras de melhoramento, como até se degradaram mais desde 2007, altura em que, feito o alerta, foram garantidas intervenções pelo Governo.

O relatório preliminar, a que o Diário Económico teve acesso, será hoje apresentados nas jornadas que a Associação Sindical dos Juizes Portugueses está a promover até ao próximo dia 10 e faz uma análise dos tribunais nos círculos de Braga, Viana do Castelo, Amares, e Porto e Guimarães.

No documento, pode ler-se que, desde 2007, apenas 23% dos tribunais sinalizados há cinco anos tiveram obras de melhoramento, ao passo que em 42% dos restantes edifícios deu-se, até, "uma degradação das condições de higiene, segurança e saúde". A falta de segurança é um dos principais problemas apontados por magistrados e funcionários judiciais. Quase 40% daqueles 26 tribunais receberam "mau" ou "medíocre" na avaliação. Nestes tribunais, lêse no relatório, não existe nem segurança, nem sequer um sistema de controlo à entrada, sendo impossível verificar se entram no edifício metais ou armas perigosas. Mais: não existindo segurança, os gabinetes dos magistrados tem acesso facilitado 'a qualquer pessoa'.

Ao nível das condições de trabalho são vários os problemas apontados pelos magistrados e funcionários. Entre eles, estão sistemas de ar condicionado degradados ou estragados, janelas deterioradas que deixam entrar chuva nos edifícios e infiltrações nos gabinetes. Os tribunais de trabalho de Guimarães, Celorico de Basto, Fafe, Felgueiras, Amares, Braga ou Barcelos são alguns dos que se encontram em estado adiantado de deterioração. Algumas destas situações, diz o relatório, "estavam contempladas no PIDDAC para o ano de 2011, mas nenhuma intervenção se verificou". Em Fafe, por exemplo, "o combustível para aquecimento não chega ao final do Inverno pelas enormes dificuldades orçamentais". Barcelos é outro dos concelhos mais problemáticos, onde 66,6% dos tribunais viu o seu estado degradar-se desde 2007.

Mouraz Lopes, presidente da Associação Sindical dos Juizes Portugueses, diz ao Económico que os magistrados continuam no terreno a fazer o levantamento do estado dos tribunais portugueses para em breve apresentarem o relatório final. Mas adianta que, para já, este relatório preliminar é uma amostra do que se passa por todo o país.

"Principal problema é a desproporção entre processos e meios"

- Estudos recentes indicam que o impacto negativo da lentidão da justiça na economia é de 1 a 3% do PIB...

- A justiça é importante para o desenvolvimento económico, mas é preciso desmistificar isso. Não há qualquer estudo que comprove uma causa-efeito entre a lentidão da justiça e decréscimo económico. É preciso separar certas situações. Se a justiça cível de facto tem atrasos, a justiça criminal em Portugal é uma das mais rápidas quando comparada com outros países europeus. Onde existem de facto maiores problemas é na justiça administrativa e fiscal, onde os níveis de celeridade são escuros. É preciso fazer estas distinções e actuar com bases nelas.

- Actuar de que forma?

- Nestas jornadas damos alguns exemplos de tribunais que funcionam bem ao nível da gestão. É o caso da justiça cível no Porto, onde foi aplicado há quatro anos o processo civil experimental, em que os processos são simplificados e o número de testemunhas reduzido. Aqui os processos estão a durar em média dois meses. Esta experiência vai ser transportada para o novo Código de Processo Civil e por isso vamos no bom sentido.

- É possível impor números de processos concretos aos juizes, como se pretende com a reorganização judiciária?

- Sim, é, tal como já se faz nos tribunais da Relação. Mas tem que ser visto tribunal a tribunal. Não basta alterar a lei, é preciso mudar a cultura e a forma de encarar o sistema de Justiça por todos os operadores. A conclusão que tiramos destas jornadas é que o principal problema nos tribunais que não estão a funcionar bem é a desproporção que existe entre o número de processos e os meios humanos e técnicos. Os casos mais graves colocam-se nos tribunais de comércio e de trabalho e é preciso intervir aí o mais rápido possível.
Diário Económico, 4-12-2012

Antigo procurador de processos de Angola incomoda MP


O CONSELHO SUPERIOR do Ministério Público (CSMP) continua a ignorar para onde foi trabalhar o procurador Orlando Figueira – que era, até há poucos meses, titular das investigações relacionadas com Angola -, mas decidiu, ontem, não lhe exigir esse esclarecimento. Os conselheiros decidiram antes aprofundar a análise jurídica da questão, para perceberem se tal exigência lhes é legítima.
No início do ano, Orlando Figueira viu ser-lhe aprovada uma licença sem vencimento, mas as notícias posteriores que o colocavam numa empresa financeira ligada a Angola causariam desconforto no CSMP. Recearam-se incompatibilidades entre as atuais funções do magistrado e aquelas que ele assumiu na investigação de figuras como o presidente do BES Angola.
O desconforto agudizou-se, há um mês, quando o JN noticiou que Figueira continuava a manter segredo sobre o assunto. É que, em fevereiro, o magistrado prometera revelar o nome da empresa quando, em setembro, nela começasse a trabalhar.
Elogio à PJ
Na discussão do assunto, ontem, o CSMP acabou por apreciar positivamente a direção nacional da Polícia Judiciária, por esta, num caso similar, ter exigido saber para onde iria a diretora da sua Unidade de Informação Financeira. Há um mês, informada de que Sílvia Pedrosa queria mudar-se para a consultora Ernst & Young, a PJ indeferiu-lhe um pedido de licença de curta e, depois, de longa duração, levando-a exonerar-se. N.M.
http://www.smmp.pt/?p=19563

Cândida Almeida no Clube dos Pensadores

CÂNDIDA ALMEIDA PROCURADORA-GERAL ADJUNTA

A diretora do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) é a convidada do Clube dos Pensadores, no dia 10 de dezembro, no Porto, a falar sobre o estado da justiça em Portugal. Cândida Almeida abordará temas como da igualdade entre os cidadãos no tratamento e acesso aos tribunais.
Diário de Notícias, 4-12-2012

Boicote ao veto do PR?


Magalhães e Silva - É quase unânime o entendimento de que há três ou quatro normas do OE 2013 que violam a Constituição: desde a prevalência da tributação sobre o trabalho, até essa regra de tribo selvagem a mandar os velhos para o deserto, sem água, nem pão, que é tributar as reformas em medida geometricamente superior aos salários.
Donde, só por falta de sentido da função, é que o PR não mandará o OE para o Tribunal Constitucional.
Procura semear-se o terror, dizendo que, então, entraremos em 2013 sem OE.
Siga o texto, na próxima semana, para Belém, e a meio de Dezembro já poderá haver decisão do TC. Depois, tenha a maioria prontas soluções alternativas às normas ditas inconstitucionais; e se o TC concluir por aí, passe a AR o Natal a trabalhar, para ter o OE corrigido em tempo.
A rádio acaba de noticiar que a Comissão de Orçamento só reúne às quartas; na próxima, não poderia estar pronta a redacção final do OE, donde só seguiria para Belém depois de 12!
Neste cenário, o Presidente da Comissão, Eduardo Cabrita fará, seguramente, tudo para evitar o boicote.
Magalhães e Silva, Advogado
Correio da Manhã, 02-12-2012