Poderá haver mais dificuldade em recuperar créditos, já que só cheques, letras e livranças vão valer como títulos executivos
JOÃO MALTEZ
Os propósitos anunciados são simples: reduzir os casos parados nos tribunais, acelerar a Justiça e reduzir os formalismos processuais. Para os chamados advogados de barra, os objectivos que presidiram à reforma do Código do processo Civil até são de aplaudir. Contudo, o documento legal que vigorará a partir de Setembro também suscita dúvidas quanto à bondade de algumas das medidas. Entre estas, a mais evidente é a da redução dos títulos de dívida – documentos usados para comprovar a existência de créditos, que ficarão limitados a letras, livranças e cheques.
Esta reforma, cujo texto final foi agora publicado em Diário da República, vem reforçar, segundo Nuno Líbano Monteiro, o poder do juiz. O novo texto legal pretende que o juiz passe a ser o gestor do processo, evidencia este sócio da PLMJ.
Além disso, tal como evidencia Pedro Sousa Uva, associados da Miranda, a Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho, que entrará em vigor a partir do dia 1 de Setembro de 2013, “tem como pilar fundamental a obtenção de um processo civil mais célere e menos formalista, onde a simplificação de determinados procedimentos, a eliminação de algumas normas obsoletas e a aposta numa política de maior responsabilização por atrasos na justiça são notórios”.
“Simplificação” ou “confusão”?
Francisco Colaço, sócio da Albuquerque e Associados, evidencia as mesmas ideias, embora num tom crítico. Segundo diz, o novo CPC “é fruto de uma reforma apressada pelas circunstâncias socioeconómicas actuais que todos conhecemos”. Em sua opinião, “por vezes, a simplificação ‘à força’ é apenas causa de maior complexidade e confusão. Apressa não é boa conselheira”.
Ainda assim, Francisco Colaço entende que o novo CPC tem “algumas boas ideias”, pese embora sublinhe que as mesmas “acabam por se perder no conjunto que visa, apenas, retirar processos dos tribunais, onerando, no entanto, quem a estes tem de recorrer para fazer valer os seus direitos”. Um dos exemplos negativos que o sócio da Albuquerque aponta é a extinção da instância executiva por não localização de bens penhoráveis: ou seja, “se não forem encontrados bens penhoráveis em três meses contados da notificação da secretaria para início das diligências de penhora, são exequente e executado notificados para indicar bens à penhora, não havendo indicação, no prazo de 10 dias, extingue-se a execução”.
Para Francisco Colaço, toda a reforma se fez em prol de um aparente ganho de celeridade e eficácia no processo, em benefício do utilizador da Justiça “Na prática, pouco ou nada haverá de ganho para o cidadão e para a empresa”, entende este advogado.
Positivo ou negativo? Prática dirá
É ainda no âmbito da acção executiva que Natália Garcia Alves, sócia da Abreu Advogados encontra uma medida que lhe suscita dúvidas. “Só com a prática veremos quais serão as verdadeiras mudanças positivas e negativas”, observa, embora veja com reticências “a abolição dos documentos particulares assinados pelo devedor que importassem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias do elenco dos títulos executivos”.
Nuno Líbano Monteiro, sócio da PLMJ, admite que esta medida possa implicar algumas dificuldades para as empresas, na medida em que poderá tornar a recuperação de créditos mais difícil. Porém, prefere colocar em evidência o outro lado da moeda, ao considerar que deste modo será possível reduzir de forma significativa os processos que estão parados nos tribunais, um dos grandes problemas do nosso sistema de Justiça
ALGUMAS DAS PRINCIPAIS MUDANÇAS DO NOVO CÓDIGO
ALTERAÇÕES REFORÇAM PODERES DO JUIZ, LIMITAM TESTEMUNHAS , E REDUZEM “PAPÉIS” QUE PODEM SER USADOS PARA COBRAR DÍVIDAS
JUIZ REFORÇA PODERES E SERÁ GESTOR DO PROCESSO
Esta reforma vem reforçar o poder do juiz. 0 novo texto legal pretende que o juiz passe a ser o gestor do processo. Os magistrados judiciais passam a dispor de instrumentos legais para exigir maior rigor no cumprimento de prazos. Além disso, há um reforço do princípio da concentração do processo ou do recurso num mesmo juiz. Ocorre ainda um reforço do princípio da concentração do processo ou do recurso num mesmo juiz.
AGENTES FORENSES PASSAM A SER RESPONSABILIZADOS
Uma importante novidade que procura responsabilizar os agentes forenses pelos adiamentos injustificados de julgamentos. A partir de Setembro, se uma audiência for adiada por impedimento do tribunal, deve ficar consignado nos autos o respectivo fundamento. Do mesmo modo, se o adiamento se dever à realização de outra diligência, deve ser ainda identificado o processo a que respeita.
PROCESSO DECLARATIVO COM TUDO PROGRAMADO
No âmbito do processo declarativo, ocorrem alterações significativas a nível da audiência preliminar – que se passará a denominar “audiência prévia” coma introdução de regras que visam permitir o debate entre os intervenientes em prol de uma maior organização e adequação dos procedimentos a adoptar no caso concreto, nomeadamente a programação dos actos a realizar em audiência final, a definição do número de sessões de julgamento necessária, a sua duração e respectivas datas.
É ESTABELECIDO LIMITE DE DEZ TESTEMUNHAS POR CADA PARTE
A nível da prova testemunhal, foi diminuída para metade o limite actual de 20 testemunhas que uma parte pode arrolar. Tal alteração permite evitar julgamentos longos com inúmeras sessões apenas porque as partes, por excesso de segurança ou estratégia, procuram arrolar o número máximo – ou aproximado ao máximo – de testemunhas, sem que isso traga necessariamente benefício às partes.
TESTEMUNHAS CHAMADAS PARA HORAS DIFERENTES
Proíbe a convocação de mais de uma testemunha para a mesma hora no mesmo dia, ao contrário do que é prática e costume hoje em dia nos nossos tribunais, que convocam para a mesma hora todas as testemunhas de uma das partes. Esta alteração permitirá seleccionar com rigor as testemunhas que serão efectivamente ouvidas em determinado dia, evidenciando também uma maior consideração pelas próprias testemunhas que se deslocam e se prontificam a depor.
JUNTAR PROVAS DOCUMENTAIS SEM ARTICULADO DÁ MULTA
No que respeita à prova documental, o novo quadro legal torna-se mais exigente. O texto que entra em vigor em Setembro alterou a norma legal em vigor que permite que as partes juntem tardiamente documentos novos até ao encerramento da audiência de julgamento, ainda que com multa. A partir de 1 de Setembro de 2013, será aplicada multa à parte que junte documentos a menos de 20 dias antes da data designada para audiência final, excepto se provar que não os pode oferecer com o articulado.
MUDANÇAS SIGNIFICATIVAS NA ACÇÃO EXECUTIVA
Lei vem estabelecer a extinção da instância executiva, no prazo de três meses, por não localização de bens penhoráveis. Por outro lado, são reduzidos os documentos que podem servir de título executivo (comprovativos da dívida). Só letras, livranças e cheques continuam a ser aceites para tal fim.