terça-feira, 2 de setembro de 2008

Segredo de Justiça - inconstitucionalidade

Começa a ser apreciada a constitucionalidade da "regra da publicidade" que veio substituir, na revisão do Código de Processo Penal, o "segredo de justiça".
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E temos, aqui, o sumário de um acórdão do Tribunal Constitucional, a ler na integra no sítio próprio.
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SEGREDO DE JUSTIÇA – TERMO DO PRAZO DO INQUÉRITO – ACESSO AOS ELEMENTOS CONSTANTES DO INQUÉRITO – PROTECÇÃO DA INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA DE TERCEIROS – SEGREDO BANCÁRIO – SEGREDO FISCAL

Decisão: Julga inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação do artigo 89.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, segundo a qual é permitida e não pode ser recusada ao arguido, antes do encerra­mento do inqué­rito a que foi aplicado o segredo de justiça, a consulta irrestrita de todos os elementos do processo, neles incluindo dados relativos à reserva da vida pri­vada de outras pessoas, abran­gendo elementos bancários e fiscais sujeitos a segredo profissional, sem que tenha sido con­cluída a sua análise em termos de poder ser apreciado o seu relevo e utilização como prova, ou, pelo contrário, a sua destruição ou devo­lução, nos termos do n.º 7 do artigo 86.º do Código de Processo Penal.

I – A regulação do segredo de justiça em processo penal convoca, com particular acuidade, a tarefa de concordância prá­tica das finalidades, irremediavelmente conflituantes, apontadas a esse processo: a reali­zação da justiça e a descoberta da verdade material, a protecção perante o Estado dos direitos fundamentais das pessoas e o restabelecimento, tão rápido quanto possível, da paz jurídica posta em causa pelo crime e a consequente reafirmação da validade da norma vio­lada.
II – Num processo penal constitucionalmente conformado, como o português, numa estrutura acusatória integrada pelo princípio da investigação, a necessidade de har­monização das apontadas finalidades justifica soluções diferenciadas consoante as fases por que se desenrola o processo, tendo em conta o diferente peso relativo que lhes deve ser atri­buído em cada uma delas, compreendendo‑se uma evolução em que o predomínio do princí­pio do segredo sobre o princípio da publicidade, típico da fase preliminar da investigação, vá gradualmente evoluindo para o predomínio do princípio da publicidade, típico da fase da audiência de julgamento.
III – Porém, nem num extremo nem no outro do iter processual, o princípio dominante, seja ele o do segredo ou o da publicidade, tem valor absoluto. O carácter predominantemente secreto da fase do inquérito não obsta ao acesso do arguido aos elementos de prova sempre que tal acesso se mostre necessário para a eficácia da defesa dos seus direitos nessa fase, designadamente para contraditar e, sendo caso, impugnar a necessidade da aplicação de medidas de coacção, nomeadamente a sujeição a prisão preventiva.
IV – A constitucionalização do dever de protecção do segredo de justiça – ocorrida na revisão constitucio­nal de 1997, com o aditamento do n.º 3 do artigo 20.º, tendo por finalidade não apenas a defesa dos direitos pessoais do arguido e de terceiros, mas também a necessidade de assegurar a eficiência da investigação criminal e do exercício da acção penal – não pode ser lida como uma mera remissão para a total liberdade de conformação da protecção do segredo de justiça pelo legislador ordinário, antes a exigência da adequação dessa protecção encerra uma impostergável injunção no sentido de que a inter­ven­ção legislativa garanta um nível de protecção suficiente, apropriado, pertinente e eficaz.
V – Tendo sido decidido, por acórdão transitado em julgado, que a segunda prorrogação da manutenção do segredo de justiça em inquérito que já havia atingido o prazo máximo normal de duração não podia ser fixada em prazo superior a três meses, na sequência do que o juiz de instrução determinou, a requerimento dos arguidos, que a estes fosse facultado acesso irrestrito a todos os elementos constantes do inquérito, apesar da oposição do Ministério Público, que excluíra do acesso os dados relativos à reserva da vida privada de outras pessoas, abrangendo elementos bancários e fiscais, há que concluir que o requisito constitucional da adequação da protecção do segredo de justiça é desrespeitado pelo critério normativo adoptado.
VI – Na verdade, não estando em causa o acesso do arguido a elementos constantes do processo que fossem necessários para a adequada defesa dos seus direitos, designadamente para contrariar ou impugnar a aplicação de medidas de coacção, mas o mero diferimento por algum tempo do seu acesso irrestrito a todos os elementos constantes do inquérito, entende‑se que não assegura adequada protecção do segredo de justiça, atendendo à sua finalidade de preservação de direitos pessoais de terceiros, o critério normativo, adoptado na decisão recorrida, que faculta, sem quaisquer limites, o acesso a dados relativos à reserva da vida privada de terceiros, incluindo elementos bancários e fiscais, sem que tivesse sido con­cluída a sua análise em termos de poder ser apreciado o seu relevo e utilização como prova, ou, pelo contrário, a sua destruição ou devolução.
VII – Sendo certo que a inclusão no inquérito de elementos cobertos por esses tipos de segredo já pressu­pôs um juízo de admissibilidade da sua quebra em homenagem aos interesses da investigação, não menos certo é que estão em jogo outros valores constitucionalmente protegidos, ligados à reserva das pessoas em causa a que esses segredos respeitam, que nada justificará sejam sujeitos a devassa por parte dos restantes intervenientes processuais sem que previamente seja emitido o juízo de relevância para a prova previsto no n.º 7 do artigo 86.º do CPP.
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Acórdão n.º 428/2008
Processo n.º 520/08
Data: 12/8/2008
Relator: Conselheiro Mário Torres

Insegurança política

Na sua crónica (Uma linha a mais) de hoje do Público, Miguel Gaspar, escreve, além do mais, o seguinte, a merecer a nossa atenção:
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*«Como se esperava, a “onda de violência” tardou pouco a esmorecer. Repetindo um padrão conhecido de casos anteriores - o da criminalidade na noite do Porto, por exemplo -, a coisa cresceu até atingir um nível insustentável, o poder politico apresentou “medidas” e as polícias fizeram “mega-rusgas”, como a do fim-de-semana. E do alarme geral passámos ao sossego total.
O Presidente vela, o primeiro-ministro vela, a polícia vela. Vamos ter um secretário-geral de segurança interna, qual Batman que nos permitirá voltar a pregar olho nesta tão lusitana e perigosa Gotham, unidades especiais de combate ao crime violento e até chips nas matrículas dos carros. Perante tamanha demonstração de eficácia do Estado, os criminosos, adivinha-se, recuam.
A “onda” acabou, mas a violência continuará igual ao que era. A resposta política ao crime violento ensaiada na semana passada não passou de um exemplo de como o poder age reactivamente e sob pressão dos acontecimentos – e dos media. Num país onde existisse uma estratégia real de combate à criminalidade, uma intensificação pontual do volume de crimes não chegaria para gerar tamanho sobressalto. As notícias de crime geram alarme e o poder político reage para conter o alarme e o sentimento de insegurança, não o crime propriamente dito. Em matéria de combate à criminalidade, vivemos no reino das aparências. Durante e depois da “onda” de violência.
Um dos problemas foi o Governo ter sido apanhado com as calças na mão quanto à lei penal e consequente diminuição da prisão preventiva. A resposta encontrada – aplicar a prisão preventiva nos casos relacionados com o uso de armas sem mexer na lei penal - até não é má, todos sabemos que existe um abuso preventivo da prisão preventiva em Portugal. Mas despachar para cima dos juízes uma responsabilidade que decorre da lei - fontes governamentais explicaram no Expresso que a “brandura” na questão da prisão preventiva decorreria de uma “vingança” dos magistrados contra o Governo – é um bom exemplo de pequenez politica em grande escala. Há um problema? Arranje-se um bode expiatório. [...]»