Entrevista a Vasco Marques Correia,
Presidente do CDL OA - Só no âmbito do apoio judiciário, dívidas do Estado a
advogados rondam 20 milhões de euros. Clientes “pagam cada vez mais tarde”,
afirma o presidente do Conselho Distrital de Lisboa.
Este ano, enquanto presidente do Conselho
Distrital de Lisboa, é o anfitrião das celebrações do Dia do Advogado. Vasco
Marques Correia quer aproveitar o momento para ajudar a prestigiar a profissão,
num momento em que as suspeitas geradas em torno do sistema de apoio judiciário
ainda persistem, e quando a crise também bate à porta da advocacia.
- Que importância assume, para o Conselho
Distrital de Lisboa, o facto de, este ano, ser co-responsável pela organização
do Dia do Advogado?
- Por razoes variadas, a advocacia e os advogados, em particular, não têm
vivido um bom momento. No Conselho Distrital de Lisboa entendemos que é o tempo
e a oportunidade certa para lançar todo um conjunto de debates, de pontes de
iniciativas em que possam participar também os outros actores judiciais.
- A que razões atribui esse momento menos bom
da advocacia?
- A razões várias. Entendo que o espectáculo deplorável que se passou à volta
do apoio judiciário desprestigiou a advocacia, deixou marcas e tem de ser
definitivamente esclarecido. Por outro lado, a profissão está a ressentir-se
com a crise. Por razões como estas, esta celebração deve servir para afirmar a
advocacia no que tem de mais puro e de originário que é a defesa dos direitos
dos cidadãos e das empresas.
- O que é que esteve mal no processo de
acesso ao direito?
- Tudo correu pelo pior possível. Ninguém ficou bem nessa fotografia.
- Fala de quem? Da ministrada Justiça? Do
bastonário?
- De todos. Sobretudo as pessoas que têm mais responsabilidades públicas nesta
matéria. Todo este processo foi muito mal gerido.
- Houve precipitação por parte do Ministério
da Justiça?
- Evidentemente que sim.
- Mas foram detectadas situações graves.
- Nalguns casos, em função do resultado das auditorias, que ainda não estão
fechadas, há situações gritantes. Mas são em número muito diminuto. Em
particular, o Conselho Distrital de Lisboa já começou a colocar fora do sistema
de apoio judiciário pessoas que não têm a mínima condição para lá estar.
- Que tipo de casos?
- Nos casos mais graves, estamos a falar de pessoas que reportaram para o
sistema diligências que não existiram. Agora, falar de um panorama generalizado
é algo que não corresponde minimamente à realidade.
- Está próximo do quotidiano dos advogados.
Quais são hoje as principais preocupações que estes lhe fazem chegar?
- Há algo que é transversal a toda a advocacia, mas também a todos os
prestadores de serviços, que é uma dilação nos prazos de pagamento. É hoje
difícil aos advogados receberem a tempo e horas. Os clientes pagam cada vez
mais tarde. Por outro lado, existem algumas situações objectivas de falta de
trabalho.
- Falou em dilação nos prazos de pagamento.
As dívidas do Ministério da Justiça no âmbito do sistema de apoio judiciário já
estão regularizadas?
- Tem havido alguma regularização. Não é, no entanto, a que nós entendemos ser
suficiente. A senhora ministra diz ter intenção de fazer com que os advogados
passem a receber com prazos mais curtos. Mas não basta anunciar medidas
políticas para o futuro. É preciso saber qual é o calendário da sua
implementação.
- Qual é o volume da divida do Estado aos
advogados?
- Houve alturas em que os montantes foram mais elevados. Hoje é, talvez,
superior a 20 milhões de euros.
- Como vê os episódios que têm envolvido a
ministra e o bastonário?
- Pela circunstância de falar, sem qualquer espécie de problema, quer com um
quer com outro, creio ter legitimidade para dizer que a situação não pode
continuar por muito mais tempo. É importante que saibam separar de uma vez por
todas o que é do plano das relações pessoais e o que é do plano das relações
institucionais.
- Apesar disso, a Ordem tem sido chamada a
participar regularmente para dar pareceres sobre as reformas que estão em curso
Justiça?
- A Ordem tem sido regularmente contactada. Há porém uma questão de fundo que é
importante sublinhar. Não é possível que a Ordem seja ouvida com dez ou, por
vezes, cinco dias de antecedência face aos prazos estabelecidos para o efeito.
Não é um exercício correcto e não permite a qualidade da análise que se exige.
- Uma das reformas mais polémica é a do mapa
judiciário. No caso do distrito judicial de Lisboa, é a mudança necessária?
- Estamos a fazer um debate interno com as delegações, que são no fundo as
estruturas representativas da Ordem dos Advogados que estão no terreno e que,
portanto, melhor do que ninguém sabem exactamente o que se passa nas suas áreas
de actuação. Estamos muito preocupados com o anunciado fecho dos tribunais do
Cadaval e do Bombarral. Vamos dar a conhecer a nossa preocupação à senhora
ministra.
- Também estão previstas mudanças em Lisboa.
O que pensa das mesmas?
- Temos falado muito com as magistraturas e preocupa-nos de forma muito séria
que os juízes das varas cíveis de Lisboa, no Palácio da Justiça, possam ser
reduzidos de 36 para 15, como se fala nalguns círculos. Também nos preocupa que
o Tribunal do Trabalho sofra um novos corte. Entendemos que é fundamental uma
mudança. Mas tudo isto tem de ser mais partilhado e mais estudado.
"O Presidente do CDL não é chefe da
oposição" ao bastonário
- Também partilha a opinião do bastonário de
que há advogados a mais?
- Há advogados a mais, mas o problema está a montante. É inconcebível que haja
praticamente 20 cursos de direito todos os anos a debitar licenciados para o
mercado. No entanto, não vale a pena chorar sobre o leite derramado. As coisas
são o que são e a própria lógica da oferta e da procura resolverá o problema no
âmbito das faculdades de direito.
- Numa profissão que é liberal, faz sentido
que exista um exame de acesso ao estágio de advocacia, que acaba por funcionar
como um meio de selecção?
- Estou à vontade, porque sempre disse, e o Tribunal Constitucional veio
confirmar, que o exame regulamentado no mandato anterior pelo conselho geral,
de facto não era legal. Contudo, sendo totalmente contra os "numerus
clausus", não vejo que haja escândalo público se, com uma alteração ao
estatuto, for criado um exame de entrada.
- Com base em que critérios?
- Hoje, pelo menos enquanto não for exigido o segundo grau da declaração de
Bolonha para se fazer o estágio de advocacia, estamos a ser confrontados com a
circunstância de entrarem pessoas que nalguns casos têm três ou quatro anos de
estudos jurídicos universitários. Claramente isto não é suficiente.
- Exige-se um maior aprofundamento dos
saberes ainda na universidade...
- O direito é uma matéria complexa, que necessita de tempo para ser absorvida.
Hoje em dia exige uma enorme especialização. Existem muitas novas áreas do
direito que não havia anteriormente. Por isso, entendemos que o ensino tem de ser
mais exigente.
- No anterior mandato foi público é notório
um clima de guerrilha interna entre o presidente do Conselho Distrital de
Lisboa e o bastonário. Como é que a relação está hoje?
- Esta co-habitação, todos sabemos, é forçada. As pessoas que me conhecem e
conhecem o Sr. bastonário sabem que nós somos, em certo sentido, os verdadeiros
opostos. No entanto, em vez de explorar um relacionamento baseado no
enfrentamento, procurámos, e penso que o esforço é bilateral, uma lógica de
complementaridade. Sendo certo que podemos estar unidos no essencial. Podemos
não estar unidos na forma, mas muitas vezes quanto ao conteúdo estamos
certamente de acordo. Em muitas das coisas que diz, o bastonário tem razão.
Depois, o estilo é o de cada um.
- Não lhe faz oposição.
- O presidente do Conselho Distrital de Lisboa (CDL) não é o chefe da oposição.
Temos tido uma colaboração que acho que tem sido leal, frutuosa para a
advocacia. As comemorações do Dia do Advogado são, aliás, o exemplo disso.
Temos um programa misto, feito em conjunto, pelos dois órgãos. Acho que
funcionou lindamente. Portanto, não há dificuldades de diálogo. Desse ponto de
vista, a Ordem é hoje muito mais forte do que era.
Lisboa é palco para festa da advocacia
As comemorações de âmbito nacional do Dia do
Advogado começam oficialmente hoje, com um extenso programa que envolve
exposições, uma feira do livro e um debate sobre as alterações ao Código do
Trabalho. Mas a cidade anfitriã, Lisboa, desde o início da semana que está a
celebrar a efeméride, cujo ponto alto é a cerimónia de dia 19, no salão Nobre
da Ordem dos Advogados.
"Este ano, o programa do Dia do Advogado
é, de longe, a maior manifestação da advocacia de há vários anos a esta
parte", argumenta Vasco Marques Correia, presidente do Conselho Distrital
de Lisboa (CDL), que destaca os vários encontros temáticos em que os operadores
judiciários, desde advogados a magistrados judiciais e do Ministério Público,
debateram temas de Justiça.
Organização do Conselho Geral, este ano a
efeméride conta com a colaboração do CDL, o que para o seu presidente "é
um sinal que se dá à advocacia de que quando é preciso haver união no
essencial, ela surge". Fica de lado a falta de diálogo que marcou outros
dias da vida interna da Ordem
"Já tivemos e vamos ter eventos de
natureza profissional, social, solidária, cultural e lúdica E um programa muito
alargado e aquele que é mais completo desde há umas dezenas de anos a esta
parte", considera Vasco Marques Correia.
O ponto alto do evento serão as celebrações
de dia 19, em que Luiz Francisco Rebello será homenageado a título póstumo,
enquanto outros 28 causídicos receberão a medalha de 50 anos de profissão.
João Maltez
Jornal de Negócios de 16-05-2012