segunda-feira, 27 de maio de 2013

Leitura de Vital Moreira...

... na Causa Nova:

Aquilino e Salazar

Ambos naturais da Beira Alta, ambos ex-seminaristas, sem serem colegas de curso, Salazar e Aquilino derivaram para caminhos opostos, muitas vezes em confronto aberto e declarado. Salazar fez exames no Liceu de Viseu para ingressar na Faculdade de Direito de Coimbra, onde se licenciou, doutorou e ficou ligado a católicos e monárquicos.
Aquilino carbonário, republicano, visceralmente laico, evadiu-se para Paris devido à acção revolucionária, exercida, no fim da monarquia, contra a ditadura de João Franco. Frequentou na Sorbonne Filosofia e Humanidades clássicas sem acabar qualquer das licenciaturas.
Proclamada a república, voltou a Portugal, foi professor do Liceu Camões e funcionário da Biblioteca Nacional. De armas na mão combateu a ditadura surgida com o golpe militar de 28 de Maio de 1926 que levou Salazar ao poder até ser chefe de governo, em 1932 instituindo a sua própria ditadura que prosseguiu até Setembro de 1968. Esta intervenção deu lugar a novo exilio de Aquilino em França e na Galiza, enquanto era irradiado da função pública.
Em 1932, regressou a Portugal clandestinamente. Foi, entretanto, amnistiado. Residiu na Cruz Quebrada e, no final dos anos 40, radicou-se definitivamente em Lisboa. Viveu exclusivamente da actividade literária, tal como Camilo Castelo Branco e poucos mais.
Salazar e Aquilino conheciam- se, mas nunca conviveram um com o outro. Ao prefaciar e organizar a edição póstuma de Viseu: Letras e Letrados Viseenses, de Maximiano de Aragão (1858-1929), Aquilino, em 1934, citou Salazar, entre os intelectuais oriundos do distrito. Por sua vez, Salazar, ao ser entrevistado por Frédéric Lefèvre (1889-1949) para uma série sob o título genérico Une heure avec... declarou: "Comece o seu inquérito por Aquilino Ribeiro. É um inimigo do regime. Dir-lhe-á mal de mim, mas não importa: é um grande escritor".
Mais tarde, nas primeiras edições do livro Abóboras no Telhado, 1955 - antes de ser integrado nas Obras Completas, que sofreu consideráveis alterações, desde a eliminação da dedicatória a Jaime Cortesão - Aquilino ocupou- se de Salazar.
Uma coisa é certa: ambos fizeram referências elogiosas um ao outro. Todavia, Aquilino, desde o regresso a Portugal em 1932 (e mesmo através do empenho institucional e pessoal de Júlio Dantas admitido na Academia das Ciências, já integrada no regime) era um cidadão vigiado, até ao fim, pela polícia política.
Sempre contra o salazarismo, Aquilino Ribeiro percorreu o calvário que pesou sobre os intelectuais e outros adversários do regime. A sua colaboração regular nos jornais O SéculoJornal do ComércioRepública e, por vezes, Diário de Lisboa foi sujeita a cortes e interdições da censura. Teve livros proibidos, foi atacado e insultado de forma ignóbil - sem poder defender-se - na então chamada Assembleia Nacional quando publicou Príncipes de Portugal - Suas Grandezas e Misérias (1953). Mas de todos os casos, o de maior gravidade e repercussão decorreu com o romance Quando os Lobos Uivam (1958), desmontagem da prepotência e arbítrio dos Tribunais Plenários, nos quais magistrados de duas gerações colaboravam, directamente, com a PIDE.
Até ao fim Aquilino subscreveu quase todos os manifestos contra o regime. Apoiou os candidatos a deputados da oposição e as condidaturas presidenciais de Norton de Matos e Humberto Delgado. Apoiou, também, o MUD. Veio à estacada nos jornais, com declarações corajosas.
A propósito dos receios do Governo e da erosão do poder, numa entrevista ao Diário Popular, Aquilino esclarecia: "A política que nos rege tem vinte anos e está atacada deste caruncho: a usura. Sucede-lhe como aos fatos. Virá-los do avesso é remédio de pouca dura. Tudo se gasta neste Mundo: os pneumáticos dos automóveis e até as pedras sobre que rolam esses pneumáticos. O Governo do Dr. Oliveira Salazar conta o que em fisiologia se chama uma provecta idade. Mas além de provecta idade o clima é outro. O clima vem dessa Europa, desse Mundo todo. Formaram-se outros eliseus".
Todavia, passados 13 anos, Aquilino Ribeiro já é muito contundente noutra entrevista concedida ao Diário de Lisboa. Na conferência de imprensa no Café Chave de Ouro, Humberto Delgado disse que, se ganhasse o acto eleitoral e ascendesse à Presidência da República, afastaria, de imediato, Salazar. Proferiu a histórica frase obviamente demito-o que deu lugar no Diário de Notícias à projecção torrencial de uma campanha cozinhada na União Nacional, com páginas diárias, de telegramas, mensagens e abaixo- assinados de repúdio e solidariedade, exigindo a continuação de Salazar à frente da Presidência do Conselho de Ministros.
Aquilino comentou com desassombro: "As respostas que [Delgado] deu às perguntas que lhe formularam, algumas com o propósito de o comprometerem, outras à sensation, calaram no ânimo de todos pelo que revestiram de perentório e acertado. Além de não ter papas na língua, o general não é hipócrita. O homem da rua, como hoje se diz, arrenega do hipócrita e do poltrão. O senhor general deitou o medo para trás das costas. (...)" Reportando-se à campanha desencadeada no Diário de Notícias, acentuou: "Todos estes desagravos e protestos são, no seu primário, parentes próximos dos retábulos das almas e dos ex-votos das capelinhas dos montes a um santo milagreiro. É um devocionismo ultrapassado, sorte de octavário de beatas, de que ainda hoje são objecto de troça os países desestalinizados".
Nesta entrevista ao Diário de Lisboa pronunciou-se acerca da campanha de Humberto Delgado permitir um debate alargado de vários aspectos da vida do país que atravessava um período degradante. "Francamente - salientou -, se ao cabo de trinta e dois anos de poder absoluto, com as liberdades ab-rogadas ou restringidas como no curto interregno de D. Miguel, com a Censura testa a que se não diga tudo o que se passa e tudo o que se pensa, quando avesso ao Poder, se há necessidade de continuar a revolução, segundo ouço proclamar, se há descontentes, segundo se vê agora por esse Portugal fora, e se há esfomeados, como se nota a cada passo nas ruas das cidades e pelas aldeias - então é porque não operaram as receitas aviadas. Não houve, portanto, nenhuma revolução, no bom sentido da palavra. Não se entrou em era nova, ou, se assim o entende, não se perfez a obra de moralização pública preconizada. O português continua infeliz, desproporcionado como nunca".
A sempre tão louvada obra financeira de Salazar era para Aquilino irrelevante em face de outros problemas de extrema pertinência: "Hoje", advertia Aquilino, "finanças mais sãs ou menos sãs é uma questão de segunda ordem. (...). As contas pagar-se-ão depois. Repare para os orçamentos das grandes nações sôfregas de progresso: a França, a Inglaterra. Algum ministro mata a cabeça com o equilíbrio orçamental?"
Prosseguiu noutro passo: "Creio que a arte de governar não reside apenas em operações de tesouraria e previdência. Pelo ritmo do progresso, inerente a tal doutrina, só daqui a cem anos teria Portugal um nível de vida aceitável, uma indústria comezinha, sempre antiquada em relação à do resto da Europa, as estradas que ambiciona, hospitais em que coubessem os seus enfermos, casas de educação regidas por uma pedagogia que viesse a desenvolver as faculdades das crianças e não as jugulasse aos varais consabidos de ideias revelhas e sistemas bafientos. Entretanto, o País fica como a Lua, metade em penumbra".
À supressão das liberdades fundamentais, às sucessivas farsas eleitorais, Aquilino Ribeiro formulava mais outras interrogações acerca da obra de Salazar: "Rectificou alguma vez o Estado Novo o seu programa ou os seus critérios? Esta petrificação bastaria para condená-lo.(...) Seria para desejar que, ao fim de trinta e dois anos, todos una voce erguessem um hossana à governação. Pelo contrário, pedem-lhe que não continue a sacrificar-se. Por conseguinte, ou o Português é um ignorante e ingrato, ou o Poder seguiu caminhos errados..."
Ao desmascarar a propaganda do SNI, os livros e artigos pagos a escritores e jornalistas estrangeiros para enaltecerem a obra de Salazar, Aquilino fazia estes reparos: "Se o Estado Novo inventou uma política maravilhosa com o seu corporativismo, com as suas leis restritivas, porque é que as nações não vêm aprender a governar-se neste Eldorado de felicidade e de amor? (...) Voltando à ausência de liberdades, insistia: "Um regime que há trinta e dois anos nos priva das liberdades fundamentais, que matou o cidadão no indivíduo, pode equiparar-se a uma escola de vassalagem. (...). Ora uma nação compõe-se de homens orgulhosos da sua carta de cidadania; defendo a minha terra porque a defendo a ela. (...) De todos os bens, o primeiro e mais valioso é a liberdade, a liberdade como a concebiam os Gregos, nossos mestres. Essa nos falta de todo".
Republicano, democrata e antifascista, Aquilino fez da literatura, da profissão de escritor em tempo inteiro uma forma de luta. Aberto à mudança aos imperativos de justiça social, envolvido no combate pela emancipação de todas as formas de sujeição política, económica, religiosa e social, Aquilino, o grande escritor que fica na História da Literatura, também fica na História do século XX como um cidadão interveniente e apostado em contribuir para a transformação das estruturas da sociedade portuguesa.
Jornalista, membro da Academia das Ciências e Presidente da Academia de Belas-Artes

Tudo na mesma


De forma inaceitável e até inédita, o que se passou no Conselho de Estado (tudo?) foi despejado no meio da rua

1. Esperava que a reunião do Conselho de Estado (CE) me desse um pretexto para elogiar a ideia do Presidente. Mas o resultado final foi uma decepção. A ideia continua a ter mérito. Escolher um tema importante embora não urgente, como o consenso a obter para além da troika, permitiria obliterar temas actuais não urgentes ou depreciáveis, como a esperada demissão do Governo, ou apenas do ministro das Finanças. A fluidez do tema parece ter dado asas aos conselheiros para falarem sobre tudo, para se dividirem, para assinalarem a pequenez do Governo, para negarem a possibilidade de consenso sem novas eleições e, ao fim e para implicitamente criticarem o Presidente, ou pela sua colagem ao Governo, ou pela mudança de posição. Preso por ter cão e preso por não ter.
De forma inaceitável e até inédita, o que lá se passou (parte, ou tudo?) foi despejado no meio da rua. Chegam notícias de que algo de semelhante se passa com as reuniões do Conselho de Ministros (CM), cuja agenda, deliberações, sentido e conteúdo aparecem sistematicamente nos jornais económicos. O que destrói a estratégia comunicacional, mina o prestígio do órgão e sobretudo viola a lei. Um conselho simples: sempre que no dia do CM surgisse na comunicação social um dos temas, normalmente legislação a ser discutida e aprovada, o secretário do Conselho teria instruções para retirar o tema da agenda. Remédio santo. Quem tenha interesse directo na agenda guarda silêncio sobre ela, para a não retardar.

2. Mais preocupante é a notícia de que o Ministério das Finanças estaria a "avaliar o reforço da posição do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) em dívida pública nacional". Estaria em causa alargar de 55 para 90% a obrigatoriedade de colocação das reservas, em dívida soberana nacional. Em termos quantitativos, tratar-se-ia de subir de cerca de 10 para 18 mil milhões de euros a tomada de posição do Fundo na dívida pública. Valores sob reserva de confirmação. O fundo que laboriosamente se vinha a constituir há quase vinte anos, afinal vai ser utilizado na cosmética da dívida. É tentadora a operação: despacho conjunto de dois ministros, ou mera alteração de um ignoto artigo de uma ignorada portaria, onde se substitui um valor por outro. Sem sindicância de constitucionalidade, nem sequer carecendo de promulgação presidencial. E, todavia, com enormes implicações na política de Segurança Social, actual e futura. Nada será possível sem o beneplácito do ministro da pasta, por acaso do CDS. Convirá estarmos conscientes do que está em causa, sobretudo os sindicatos e patrões que tomam assento num órgão consultivo do Fundo. Surgiram nesta semana estimativas das nossas reservas de ouro, um pouco acima de 15 mil milhões. O ouro não deve nem pode ser vendido de uma assentada, dado o risco de queda súbita das cotações. Mas pode ser dado como garantia e, sem muita imaginação, servir para abater ao valor da dívida. Em tempos de fim de Governo, não faltará quem se deixe tentar por tão criativa ideia.

3. O crédito malparado em bancos nacionais terá atingido 11 mil milhões, soube-se esta semana. Espera-se que também aqui não haja tentações imaginativas. Como seria um ou outro banco colocar esse malparado num fundo de participações vendendo-o aos balcões, a depositantes incautos e confiantes. Durante um ano ou dois, o fundo pagaria dividendos, depois baixaria o seu valor, depois suspendia e finalmente desapareceria, arrastando para o abismo financeiro centenas de famílias e investidores médios, inocentes e ingénuos. Já vimos o filme. Convirá que quem de direito, certamente o regulador, esteja atento. Esta desconfiança na banca seria impossível e inaceitável há cinco anos atrás. Infelizmente, hoje tornou-se comum.

4. Estamos a quatro meses de eleições autárquicas. Não se esperam milagres, em princípio o futuro próximo será igual ou pior que o presente. Até lá, teremos que digerir as informações económicas e financeiras sobre o segundo trimestre. O Governo continuará dividido, sem agenda política nem sequer no CM, a caminho de inexorável enfraquecimento. Sem projectos, apenas com anúncios. Agora chegou o renascer dos estaleiros de Viana, com o anúncio, por nova secretária de Estado (a mesma que, nas eleições regionais açorianas, negava qualquer proximidade a Passos Coelho), sobre o início da construção de navios para a Venezuela. Reconciliação abençoada e trabalho garantido para os operários vianenses. Será assim? A troika virá uma vez mais até ao final do Verão. O Orçamento para 2014 terá que estar feito até lá, com ou sem os grandes cortes, ditos estruturais. O Governo irá especializar-se em notícias inconsequentes, como já começou a fazer: terminal oceânico da Trafaria, reduções do IRC a seis anos de distância, chuva de fundos comunitários a 10% de componente nacional, mais comboios de alta velocidade e até, não se admirem, um novo aeroporto de Lisboa. As oposições continuarão as suas linhas: à esquerda do PS, capitalizando no descontentamento, deixam-nos, ao menos, o alívio de serem mais previsíveis que um eventual partido populista. Da Europa, todos esperam uma vitória esmagadora de Angela Merkel. Resta saber se repetirá a coligação com os liberais, ainda possível, ou se preferirá a grande coligação com os sociais-democratas. Sabê-lo-emos no final de setembro. Para nós, o aumento de salários de 2,5% este ano, na grande indústria alemã, significa maior procura e mais exportações, é uma boa notícia.

Deputado do PS ao Parlamento Europeu. Escreve à segunda-feira
Público: 27/05/2013 - 00:00

Imprensa...

... pelo SMMP:
... pela ASJP:


AQUILINO RIBEIRO faleceu em 27 de Maio de 1963, passam hoje exactamente 50 anos.

Um dos grandes escritores de língua portuguesa, personalidade socialmente empenhada e sensível ao sofrimento dos pobres e explorados, Aquilino Ribeiro teve uma militância anarquista conhecida desde a sua juventude, o que o levou por diversas vezes à prisão.

Nos seus livros a luta pela liberdade é sempre uma constante e uma das suas obras primas “Quando os Lobos Uivam”, que esteve proibido durante o fascismo, é um verdadeiro hino à insubmissão e apelo à revolta e à transformação social.

Ali escreveu: “A nação é de todos, a nação tem que ser igual para todos. Se não é igual para todos, é que os dirigentes, que se chamam Estado, se tornaram quadrilha”.Os seus restos mortais repousam desde 2007 no Panteão Nacional. 

Honra à sua memória!