quarta-feira, 4 de agosto de 2004

Ministério Público acusa 53 arguidos por fraude fiscal de 33,7 milhões de euros

No Público de hoje, pela mão de António Arnaldo Mesquita:

O Departamento de Investigação e de Acção Penal (DIAP) do Porto do Ministério Público acusou 53 arguidos (29 pessoas individuais e 24 empresários e empresas) de terem lesado o fisco em 33,7 milhões de euros, durante os anos de 1997,1998 e de 1999. Essa conclusão consta do quarto e último inquérito investigado no DIAP do Porto relacionado com o tráfico de largas dezenas de toneladas de barras de ouro sem o pagamento dos 17 por cento de IVA e/ou com a apropriação de parte deste imposto.

O expediente envolveu inúmeros comerciantes e empresários, economistas, advogados de vários pontos do país, que aliciaram inúmeros indivíduos carenciados para darem o nome na criação de empresas-fantasma e agirem como testas de ferro na aquisição das barras de ouro, funcionando depois como sujeitos passivos perante a administração fiscal. Com o apoio de investigadores e peritos requisitados à Polícia Judiciária (PJ) e a outros órgãos de polícia criminal, o MP avocou as investigações, em Outubro de 1998, mas estas foram interrompidas há cerca de meio ano quando a direcção nacional da PJ ordenou aos investigadores o regresso imediato à corporação.

As diligências ficaram a meio do caminho, impedindo o esclarecimento da origem dos avultados fundos para financiar a importação das toneladas de barras de ouro, sobretudo de três países: Espanha, Inglaterra e Suiça. Só no inquérito recentementemente concluído é que se confirmou que para a consumação da fraude de 33,7 milhões de euros foram investidos 200 milhões de euros (40 milhões de contos), fundos estes cuja origem continua por descobrir, dada a falta de cooperação por parte das autoridades britânicas que tutelam os paraísos fiscais de Gibraltar e da Ilha de Man - que poderão ter servido como plataforma estratégica do negócio.

Estes valores assumem proporções ainda mais significativas - 588 milhões de euros (118 milhões de euros) - se forem considerados os montantes das fraudes apuradas nos outros três inquéritos investigados pelo DIAP do Porto, dois dos quais já foram julgados na primeira instância e o terceiro está parado há cerca de um ano no Tribunal de Instrução Criminal do Porto. Os dois primeiros processos ainda não transitaram em julgado, por haver recursos pendentes há muito no Tribunal Constitucional e no Tribunal da Relação do Porto. Este facto teve duas consequências: os arguidos presos preventivamente foram libertados quando atingiram o prazo máximo da medida de coacção; a execução dos impostos ilicitamente apropriados e/ou não liquidados não pôde iniciar-se.

O calcanhar de Aquiles

A fraude assentou num conhecimento rigoroso dos mecanismos das aquisições intracomunitárias de bens, que se processam com isenção do pagamento de IVA, à data, no valor de 17 por cento. As mercadorias, no caso barras de ouro, seriam oneradas pelo IVA na primeira transacção nacional, devendo os sujeitos passivos depositários do imposto entregá-lo à administração fiscal e inclui-lo nas declarações periódicas remetidas para os serviços da administração fiscal.

A partir de Janeiro de 1993, terminou o monopólio do Banco de Portugal e de algumas instituições bancárias da importação, exportação ou reexportação de ouro em barra ou noutras formas. A liberalização acabou por desregular o controlo das quantidades de ouro aquiridas pelos industriais para constrataria, induzindo o aparecimento de um mercado paralelo, que rapidamente passou a controlar o negócio e motivou a concorrência desleal, nomeadamente quando as barras do metal precioso eram transaccionadas a preços inferiores ao da compra e ao "fixing" de Londres, graças à renúncia à apropriação de uma parcela dos 17 por cento daquele imposto, acabando o fisco por subvencionar o abatimento.

A concorrência desleal assentava num expediente que só em 1998 começou a ser investigado por iniciativa do Ministério Público, na sequência de uma apreensão feita numa operação de rotina por uma brigada da Inspecção-geral das Actividades Económicas. Esta acção indiciou a existência de tráfico de ouro, cujas dimensões milionárias ficaram atestadas pelo primeiro processo a ser julgado nas Varas Criminais do Porto em finais de 2000.

O segredo da fraude consistia na não liquidação do IVA cobrado aos clientes e na dissimulação do expediente através de uma complexa rede de empresas fictícias e com testas de ferro como alegados donos. Os principais arguidos comunicavam ao fisco a aquisição do metal precioso feita a outras empresas no mercado interno, fazendo crer que o IVA já tinha sido liquidado. Para tal, obtinham (de empresas fictícias ou não) facturas que não correspondiam a transacções efectivas de barras de ouro.

De acordo com a facturação e documentação apreendida, os peritos que colaboraram nas investigações do quarto inquérito sobre tráfico de ouro apuraram o prejuízo sofrido pelo fisco. Dos 33,7 milhões de euros reclamados aos arguidos, quase um terço (10,1 milhões de euros) é exigidos a dois arguidos. A uma empresa e a outros dois arguidos, o MP reclama a reposição de 5,7 milhões de euros; a outro 4,3 milhões de euros e a outro, ainda, a importância de 5,5 milhões de euros. Registe-se que só a uma firma o MP exige a devolução de 4,3 milhões de euros por alegada dedução indevida de IVA, através da aquisição fictícia de 331,418 quilos de ouro. O único arguido preso preventivamente, de acordo com o que apuraram os investigadores, terá importado seis toneladas de barras de ouro, que terá comercializado sem o pagamento do IVA ao fisco.

Juízes bolseiros

Os juízes de direito Raul Eduardo Nunes Esteves e Rui Manuel de Freitas Rangel vêem prorrogados pelo período de mais um ano, com efeitos a partir de 15 de Setembro de 2004, a situação de equiparação a bolseiro que lhes havia sido concedida em Junho de 2002.
Recorda-se que, nos termos do art. 10.º-A, n.º 2, do EMJ, é aplicável aos magistrados judiciais, com as devidas adaptações, o disposto na lei geral sobre o regime de bolseiro, dentro e fora do País, quando se proponham realizar programas de trabalho e estudo, bem como frequentar cursos ou estágios de reconhecido interesse público.
Esperam-se resultados em prol da causa pública. E que o Conselho Superior da Magistratura disponha de um sistema de os aferir e aproveitar.

Legislação do dia

Portaria n.º 982/2004. DR 182 SÉRIE I-B de 2004-08-04 – Ministério das Finanças: Aprova e dá publicidade aos coeficientes a fixar dentro dos limites estabelecidos no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), bem como aprova e dá publicidade ao custo médio de construção e aos coeficientes de capitalização da renda anual para determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos arrendados com rendas degradadas que sejam transmitidos

Despacho Normativo n.º 37/2004. DR 182 SÉRIE I-B de 2004-08-04 – Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas: Altera o Despacho Normativo n.º 83/91, de 5 de Abril, que determina que beneficiem do prémio anual por hectare arborizado previsto no Decreto-Lei n.º 81/91, de 19 de Fevereiro, as entidades que procedem à florestação de terrenos agrícolas

Portaria n.º 985/2004. DR 182 SÉRIE I-B de 2004-08-04 – Ministério da Saúde: Cria a Rede Nacional para a Qualidade de Utilização do Medicamento (QualiMED)

Aumento de quadros do Ministério Público

No Diário de Notícias de hoje:

Ministério Público em ruptura

O Ministério Público (MP) precisa de mais 182 magistrados e 454 funcionários judiciais sob pena de atingir uma «situação insustentável de ruptura dos serviços, com pesados resultados» para o sistema, afirma o procurador-geral distrital de Lisboa, Dias Borges. A Procuradoria-Geral da República (PGR) já apresentou o pedido ao Ministério da Justiça (MJ), em documento a que o DN teve acesso, onde justifica o aumento do quadro de pessoal e anuncia a criação de novos Departamentos de Investigação de Acção Penal (DIAP) em todas as comarcas do País, que irão chamar-se «DIAP's comarcãos».

A PGR lembra que o quadro actual foi criado em 1999, sem que jamais tenha sido alterado, ao mesmo tempo que o número de inquéritos iniciados entre 1998 e 2002 cresceu 27%, passando de 394 526 para 501 558. «Os quadros estabelecidos terão levado em conta, pressupostamente, os dados estatísticos de 1998, e o certo é que, entretanto, os valores subiram significativamente», lê-se no documento aprovado em Maio pelo Conselho Superior do Ministério Público e enviado recentemente ao ministro da Justiça.O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, em nota enviada a todos os associados, lamenta que só há pouco tempo tenha tido conhecimento da iniciativa da PGR, e estranha que não tenha sido ouvido sobre o assunto.

Atendendo ao aumento de serviço nos últimos anos, o procurador-geral da República, Souto Moura, considera razoável que o quadro de magistrados aumente 17%, passando de 1089 para 1271, e que o quadro de funcionários de justiça adstritos ao MP passe de 1795 para 2249, aumentando 25%.

Foi exactamente isto que foi pedido ao ministério de forma a ser transformado em diploma legal. O levantamento das necessidades foi elaborado pelos procuradores-gerais distritais. O responsável por Lisboa, Dias Borges, garante que «a gravidade da situação é tal que justifica informação autónoma especialmente dirigida ao director-geral da administração da justiça que será elaborada proximamente».

DIAP'S COMARCÃOS. Uma das justificações para o aumento de magistrados tem também a ver, segundo o documento da PGR, com a criação de novos DIAP, uma vez que neste momento, apenas existem em Lisboa, Porto, Coimbra e Évora. Segundo afirmou ao DN Sara Pina, do gabinete de imprensa da PGR, a ideia é criar um DIAP em cada comarca - daí a denominação «DIAP's comarcãos». A ser verdade, surgirão em Portugal cerca de 230 novas estruturas «que possam prosseguir mais eficiente investigação criminal, considerando o indispensável empenho na direcção do inquérito, no tratamento da informação criminal e na coordenação dos órgãos de polícia criminal», lê-se no documento da PGR. Souto Moura quer também «implementar estruturas que dirijam, coordenem e apoiem a prestação do MP no sentido de uma maior qualidade técnico-jurídico».
LICÍNIO LIMA


Lisboa com 20 mil processos parados
A falta de funcionários é responsável, só no distrito judicial de Lisboa, pela paralisação de 20 509 processos, que aguardam apenas que se dê cumprimento aos respectivos despachos dos magistrados. A 3 de Junho todos os círculos judiciais de Lisboa tinham processos com despachos por cumprir nos serviços administrativos. Nesta região judicial - a única que mantém os dados sempre actualizados na Internet - existem 1766 processos conclusos há mais de um mês, aguardando apenas o despacho do magistrado. O que se passa em Lisboa representa, em média, 40 por cento da realidade nacional. A PGR já em 2001 propôs a alteração do quadro de pessoal, mas tal não logrou consequências práticas. A Procuradoria-Geral da República considera essencial para a instalação e criação dos novos «DIAP's comarcãos» que se adequem convenientemente as estruturas de órgãos de polícia criminal «detendo a mobilidade e os meios necessários para tratar os processos e a informação criminal, de forma a compensarem as carências do MP nesse segmento da sua acção».
LICÍNIO LIMA


Sindicato dos Magistrados queixa-se de marginalização

O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) lamenta que tenha ficado à margem do processo que levou a Procuradoria-Geral da República (PGR) a propor ao Governo o aumento dos quadros de magistrados e funcionários do MP.

Em comunicado enviado a todos os associados, a que o DN teve acesso, aquela estrutura sindical garante que «nunca foi chamada a pronunciar-se sobre o assunto».

À margem do processo ficaram também, segundo o SMMP, o Departamento Central de Investigação e Acção Penal, assim como vários Departamentos de Investigação e Acção Penal». Entre estes contam-se, ao que o DN apurou, os de Lisboa e de Coimbra.

Na mensagem enviada aos associados, mesmo no início das férias judiciais, o SMMP lembra que a alteração dos quadros foi aprovada pelo Conselho Superior do Ministério Público, mas acrescenta um «ao que parece», dando a entender que nunca terá sido informado oficialmente sobre a questão. No entanto, na mesma nota, o SMMP acaba por salientar: «De todo o modo, realça-se o importante passo positivo que tal documento significa e salienta-se a necessidade de, com ele, se tomar a necessária sequência política e legislativa.»

O levantamento das necessidades, conforme consta na proposta legislativa enviada ao Ministério da Justiça (MJ), foi elaborado pelos quatro procuradores-gerais distritais - de Lisboa, Porto, Coimbra e Évora - e depois aprovado pelo CSMP que, por inerência, é presidido pelo próprio PGR.

Cabe agora ao novo titular da pasta da Justiça decidir se vai, ou não, atender ao pedido de Souto Moura. Aliás, já em 2001 o mesmo problema tinha sido levantado pela procuradoria junto do Governo. O ministro, Aguiar-Branco, de acordo com fonte do seu gabinete de imprensa, está a ouvir todos os operadores judiciários e a tomar conhecimento dos dossiers.

Entretanto, em Outubro começa a ser discutido o orçamento para 2005. Os operadores, ao que o DN apurou, vão estar atentos para ver se a Justiça se transforma, ou não, numa prioridade deste Governo.

L. L.