Expresso/Economia - sábado, 28 Julho 2012
Daniel Bessa
Daniel Bessa
A Assembleia da República aprovou, na passada quarta-feira, o novo regime jurídico da actividade empresarial local. Portugal tem cerca de 400 empresas municipais. A criação de muitas destas empresas justificou-se, e a sua existência continua a justificar-se, hoje, inteiramente. Mas o mesmo não acontece com muitas outras, cerca de metade, numa primeira avaliação. Há ‘empresas’ municipais que não têm nem produto nem clientes; dizem-se empresas mas não vendem nada a ninguém, não tendo quaisquer receitas próprias.
A criação de todas estas empresas teve quase sempre como objetivo a introdução de flexibilidade na administração municipal. Reconheceu-se, em público, muitas vezes, que visavam contornar a rigidez das regras da administração pública, a sua complexidade e a sua excessiva carga burocrática — de facto, um problema.
Acontece, como em quase tudo na vida, que os fins não justificam todos os meios, e que a perversão acompanha os melhores objetivos. Sem produto, nem clientes, nem vendas, estas ‘empresas’ serviram para coisas extraordinárias.
Permitiram contratar pessoal sem critério. Permitiram pagar salários, de novo, sem critério. Permitiram atribuir subsídios e trocar favores. Permitiram burlar as regras que condicionam a administração autárquica, nomeadamente na frente financeira, e fugir aos limites de despesa e de endividamento que regulam a vida das autarquias. Muitas vezes, embora nem sempre, os responsáveis autárquicos que as criaram passaram a acumular, nessas empresas, uma segunda remuneração. Chamam-lhes empresas, mas são tudo menos empresas.
A proposta de lei acabada de aprovar põe fim a esta situação: empresa municipal que não tenha um mínimo de receitas próprias tem de ser extinta (pelos órgãos próprios do município ou municípios que a criaram). Pode não estar, e muitas vezes não estará, em causa a bondade e mesmo o interesse público da atividade que desenvolve; acontece, apenas, que essa atividade não pode ser levada a cabo sob forma empresarial.
Um bom pai de família ou um homem razoável (princípios aferidores de todas as coisas, respetivamente, no direito romano e no direito anglo-saxónico) não poderão deixar de estar de acordo com esta alteração legislativa. Como não poderão deixar de estar de acordo com as exigências de transparência que a mesma veio impor a toda a administração empresarial local. Admiti, por momentos, que poderíamos estar todos de acordo com a aprovação desta nova lei. Não foi o caso. O STAL veio a público enunciar a sua “preocupação”.
A ANMP manifestou dúvidas sobre a ingerência da Administração Central no que considera os direitos do poder local, e informou que irá pedir a verificação da “constitucionalidade” da lei (oferecendo ao Tribunal Constitucional a oportunidade única de, desta vez, declarar inconstitucional uma deliberação da Assembleia da República que exige a extinção de empresas… que não são empresas). No Parlamento, os Verdes, o PCP, o Bloco de Esquerda e três deputados do PS votaram contra.
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