Pena de 4 anos de prisão — recorribilidade para o STJ — legitimidade do assistente — questão nova — matéria de facto — poderes de cognição do STJ — fundamentação — nulidade — inconstitucionalidade — livre apreciação da prova — princípio in dubio pro reo — legitima defesa — homicídio privilegiado — provocação — medida da pena
1 – Não há lugar para a discussão sobre a recorribilidade para o STJ, por parte do arguido, de um acórdão da Relação que o condena na pena de 4 anos de prisão por um crime de homicídio simples tentado, com provocação se o Ministério Público e as assistentes também recorreram a pedir a agravação da pena e estas últimas ainda o afastamento da atenuação especial, por poder ser aplicada pena superior a 8 anos de prisão.
2 – Têm legitimidade para recorrer daquela decisão as assistentes que deduziram acusação autónoma, e ficaram vencidas, sendo certo que estão acompanhadas pelo Ministério Público, pelo que se não aplica o Ac. e fixação de jurisprudência de 30-10-97, BMJ 470-39.
3 – Os recursos, como remédios jurídicos que são, destinam-se a reexaminar decisões já tomadas e não provocar decisões sobre matérias novas.
4 – Se a Relação na fundamentação do acórdão remete ou transcreve a fundamentação da 1.ª instância, esta é também atendível, para determinar o grau de cumprimento por aquele tribunal Superior do dever de fundamentar. E quando se impugna uma decisão da Relação é a ela que devem ser dirigidas as críticas e não à decisão da primeira instância, que fora anteriormente impugnada perante aquele Tribunal Superior.
5 – O art. 374.º, n.º 2 do CPP não é directamente aplicável às decisões proferidas, por via de recurso, pelos Tribunais Superiores, mas só por via da aplicação correspondente do art. 379.º , pelo que aquelas não são elaboradas nos exactos termos previstos para as sentenças proferidas em 1.ª instância, uma vez que o seu objecto é a decisão recorrida e não directamente a apreciação da prova produzida na 1.ª instância e que embora as Relações possam conhecer da matéria de facto, não havendo imediação das provas o tribunal de recurso não pode julgar a causa nos mesmos termos em que o tinha feito a 1.ª instância.
6 – O dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão e o exame crítico da prova, exige, como o fez o tribunal colectivo, a indicação dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
7 – Se a Relação sindicou todo o processo, fundamentou a decisão sobre a improcedência do recurso em matéria de facto nas provas examinadas no processo, acolhendo, quase na íntegra, a fundamentação do acórdão do tribunal colectivo que se apresenta como muito detalhada e, quanto às alterações que introduziu na matéria de facto preocupou-se em justificá-las, então as Instâncias cumpriam suficientemente o encargo de fundamentar.
8 – A discordância quanto aos factos apurados não permitem afirmar que o mesmo não foi (ou não foi suficientemente) efectuado o exame crítico pelas instâncias.
9 – A Constituição devolveu ao legislador ordinário o “preenchimento” do dever de fundamentação das decisões judiciais, a delimitação do seu âmbito e extensão em termos prudentes evitando correr o risco de estabelecer uma exigência de fundamentação demasiado extensa e, por isso, inapropriada e excessiva. Limitou-se a consagrar o aludido princípio “em termos genéricos”, deixando a sua concretização ao legislador ordinário, sem que isso signifique que assiste ao legislador ordinário uma liberdade constitutiva total e absoluta para delimitar o âmbito da obrigatoriedade de fundamentação das decisões dos tribunais, em termos de esvaziar de conteúdo a imposição constitucional.
10 - A garantia de legalidade da «livre convicção» a que alude o artigo 127.º do CPP, terá de bastar-se com a necessária explicitação objectiva e motivada do processo da sua formação, de forma a ficar bem claro não só o acervo probatório em que assentou essa convicção, possibilitando a partir daí o necessário controlo da sua legalidade, como também o processo lógico que a partir dele o tribunal desenvolveu para chegar onde chegou, nomeadamente da valoração efectuada, enfim, da razão de ser do crédito ou descrédito dado a este ou àquele meio de prova.
11 – Esta forma de interpretar e aplicar o princípio da livre convicção, porque arrendando a possibilidade de arbítrio, permite um mínimo de controlo − porventura o possível – sobre o processo de formação da convicção do tribunal, pelo que não fere o texto constitucional, mormente o princípio de presunção de inocência com assento no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição.
12 – O princípio da livre apreciação – que contem sempre uma certa margem de intervenção pessoal do juiz – essa garantia de legalidade terá de bastar-se com a necessária explicitação objectiva e motivada do processo de formação da convicção, de forma a ficar claro não só o acervo probatório em que assentou essa convicção (possibilitando a partir daí o necessário controle da sua legalidade), como também o processo lógico que a partir dele o tribunal E quando se trata de usar as regras da experiência e da vida, obviamente que tal uso se tem de haver como pressuposto de todo e qualquer julgamento de um homem por outro ou outros, pelo que seria, no mínimo, excessivo, exigir a torto e a direito, menção expressa feita de tal uso, a explicar que o tribunal tenha dado por provados factos a que porventura ninguém tenha assistido.
13 – O Supremo Tribunal de Justiça só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. Não se verificando esta hipótese, resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do art. 127.º do CPP que escapa ao poder de censura do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista.
14 – Saber se o tribunal deveria ter ficado em estado de dúvida, é uma questão de facto que exorbita o poder de cognição do Supremo Tribunal de Justiça enquanto tribunal de revista.
15 – As conclusões ou ilações que as instâncias extraem da matéria de facto são elas mesmo matéria de facto que escapam à censura do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista.
16 – O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções.
17 – O recurso às presunções naturais não viola o princípio in dubio pro reo. Elas cedem perante a simples dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto, pelo que aquele princípio constitui o limite àquele recurso.
18 – Se a decisão recorrida não aplicou, nem deixou de aplicar uma determinada norma legal, não pode o recorrente impugnar uma pretensa interpretação inconstitucional dessa norma.
19 – Em audiência não se aplica o disposto no art. 124.º do CPP, mas sim o normativo constante do n.º 4 do art. 339.º que estabelece o objecto da discussão em audiência.
20 – Se a Relação apreciou detalhadamente a impugnação do recorrente quanto à matéria de facto fixada e concluiu pela sua improcedência, mostra-se esgotado o duplo grau de jurisdição em matéria de facto previsto pela Lei, não cabendo agora recurso dessa questão para o Tribunal e revista que é o Supremo Tribunal de Justiça, mesmo sob a invocação de algum dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP,
21 – A legítima defesa, como causa exclusória da ilicitude, constitui o exercício de um direito: o direito de legítima defesa que tem, entre nós, assento na Constituição (art. 21.º) no Código Civil (art.os 337.º e 338.º) e está previsto para efeitos penais no art. 32.º do C. Penal. Pressupõe, além do mais, uma agressão actual e intenção de defesa por parte do agente, por forma a que a falta de qualquer destes elementos a afasta:
22 – Se não está provado que o arguido tenha ficado dominado por fortíssima e compreensível emoção violenta que levou a uma profunda alteração do seu estado psicológico e consequente perda do seu auto-domínio, matéria que releva da matéria de facto da competência exclusiva das instâncias, está afastada a ocorrência de homicídio privilegiado.
23 – A provocação (estado anímico de ira, sofrimento, excitação, etc., desencadeado por um facto injusto alheio ao agente), como circunstância atenuativa da culpa, pode ocasionar a compreensível emoção violenta de que fala o art. 133.º do C. Penal.
24 – Mas, não se completando os requisitos já enunciados e a que apela aquele normativo, pode a provocação injusta actuar nos termos do art. 72.°, n.° 2, al. b), e conduzir à atenuação especial da pena.
25 – Assim, se uma circunstância – enumerada exemplificativamente no art. 72.º – diminui acentuada ou essencialmente a ilicitude ou a culpa, terá o valor atenuante especial; mas se diminui a ilicitude ou a culpa por forma não acentuada, então terá valor como atenuante geral
26 – Não oferece dúvidas de que é susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação. Mas a já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada
27 – Se o agente:
– agiu com dolo foi eventual, mas atingiu a vítima quando esta estava já de costas na tentativa de se retirar do local;
– resultaram graves lesões para a vítima que conduziram à sua morte;
– utilizou uma arma de fogo que havia municiado, quando se apercebeu da presença de um caçador furtivo, com munições altamente agressivas, aptas a matar caça grossa a longa distância;
– ao aperceber-se da presença de um caçador furtivo não chamou as autoridades, mas foi procurá-lo armado e já depois de esclarecer a vítima, que havia reagido à sua presença provocatoriamente, de que não podia caçar naquele local, face ao recuo da vítima, procurou interromper essa fuga, avivando o ambiente de tensão que se criara entre os dois (ambos armados), em vez de chamar as autoridades;
– mas, abrigado atrás de um sobreiro, sentiu os chumbos do disparo efectuado pela vítima a passarem-lhe perto e receou pela sua vida, não tendo naquele momento possibilidade de se socorrer, em tempo útil do auxílio da G.N.R. ou de qualquer outra força policial, pelo que disparou um tiro contra o caçador;
– é de alto nível cultural e social.
– socorreu a vítima depois, é primário e está arrependido, confessou parcialmente os factos apurados, sem grande relevo;
Não merece censura a condenação, pelo crime de homicídio simples com provocação, na pena de 4 anos de prisão.
Ac. de 11.11.2004 do STJ, proc. n.º 3182/04-5, Relator: Cons. Simas Santos
Violação agravada — rapto — concurso de infracções — coito oral e cópula — co-autoria — SIDA
1 – Se a decisão condenatória se reporta aos factos provados, que se enumeraram, à lei incriminadora que é indicada a ao preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo e dirige uma atenção mais detalhada aos crimes cuja verificação, face à factualidade apurada, suscitavam dificuldades, que se não colocavam (nem haviam sido colocadas) quanto àqueles outros crimes, não padece a mesma de nulidade por falta de fundamentação.
2 – Tendo os dois arguidos mantido cópula , sucessivamente , com a ofendida , por meio de violência , colocando-a na impossibilidade de resistir e constrangendo-a , cada um deles e de comum acordo , entre si , manter cópula com o outro , é , cada um , autor de dois crimes de violação , em concurso real. A acção típica desse crime desdobra-se na dupla modalidade : ter cópula ou constranger a ter cópula com terceiro , pelo que é autor quem realiza essa acção em qualquer das duas modalidades apontadas
3 – Quando o coito oral e anal não integravam o tipo da violação, mas integravam antes o atentado ao pudor com violência, era uniforme a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que quando houvesse condutas enquadráveis nas figuras da violação e do atentado ao pudor, deveria entender-se que eram consumidos pelo crime de violação os actos necessários para a sua prática, mesmo quando possam ser considerados como correspondentes a crimes de atentado ao pudor, mas que, tais casos passarão a constituir a comissão de crime autónomo de atentado ao pudor quando não tenham qualquer relação com o de violação, ou se mostrem desnecessários para a sua normal consumação. Se ao coito oral bocal com a menor se seguiu a violação, então verifica-se o concurso real entre os dois crimes
4 – Com a redacção dada ao art. 164.º do C. Penal, pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, o coito anal ou o coito oral passaram a integrar o tipo de violação, ao lado da cópula, o que não alterou, só por si, aquela jurisprudência assente, pois pretendeu-se aumentar a protecção do bem jurídico em causa, agravando assim a sanção para o coito oral ou anal, por meio de violência, ameaça grave ou abuso de autoridade, e não diminui-la, como resultaria do abandono daquela posição jurisprudencial, além de que se mantém a razão de ser desta posição, pois que o processo executivo, em qualquer dos três meios agora previstos, pressupõe motivação não coincidente e decisões autónomas, implicando para o ofendido uma diferente intromissão e compressão da sua liberdade e autodeterminação sexual, bem como da sua intimidade sexual.
5 – Se os arguidos acordaram em raptar a ofendida para fins libidinosos e mantiveram ambos relações cópula com ela, cometeram cada um dois crimes de violação, mas se um não consegue ter erecção e obriga a ofendida a coito oral, vindo a copular depois, quanto a esse coito oral, não abrangido no acordo prévio, o co-arguido não deve ser responsabilizado.
6 – Com a punição do rapto pretende-se proteger a liberdade pessoal, pune-se o furto de uma pessoa, a violação do seu ius ambulandi, com determinada intenção: a elencada nas diversas alíneas do n.º 1 do art. 160.º do C. Penal e com a punição da violação protege-se a liberdade sexual, coisa bem diversa, pelo que se verifica, como é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça concurso real das duas infracções.
7 – No caso de violação agravada pela transmissão da SIDA à ofendida (n.º 3 do art. 177.º) releva a circunstância do arguido não saber que estava infectado pelo vírus, apesar de admitir que tal pudesse acontecer e ter agido, confiando que tal transmissão não terá lugar.
Ac. de 11.11.2004 do STJ, proc. n.º 3259/04-5, Relator: Cons. Simas Santos
Condução perigosa de veículo automóvel — nulidade da sentença — falta de enunciação dos factos não provados
1 – Exigem os artigos 379.º, n.º 1, a), e 374.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal que a sentença faça menção aos factos não provados, sob pena de nulidade.
2 – Não cumprindo esse requisito, tal deficiência técnica impede, além do mais, que o tribunal superior, [no caso o Supremo Tribunal de Justiça] leve avante a tarefa preambular e inultrapassável de todo o julgamento de direito que a lei lhe comete: a indagação oficiosa dos vícios da matéria de facto, tal como lhe impõem expressamente os artigos 410.º, n.º 2, e 434.º do mesmo diploma adjectivo, nomeadamente, a necessária constatação de ter sido ou não esgotado o objecto do processo traçado pela acusação e pela defesa, circunstância que, a ter resposta negativa, implica a atribuição àquela do vício de insuficiência, previsto no citado artigo 410.º, n.º 2, a) do mesmo Código.
3 – Tal conclusão é inevitável sobretudo se, como no caso, o recorrente, nas conclusões da sua motivação, insere pretensos factos com relevo para o desfecho da causa que não se sabe – porque não abrangidos nos «factos provados» e não há menção na sentença recorrida a «factos não provados» – se foram ou não objecto de indagação pelo tribunal a quo, apesar de claramente abrangidos pelo objecto do processo, (aqui no tocante às condições pessoais do arguido, tal como postulado pelo artigo 71.º, n.º 2, d), do Código Penal).
Ac. de 11.11.04, do STJ, proc. n.º 3778/04-5, Relator: Cons. Pereira Madeira
1 – Não há lugar para a discussão sobre a recorribilidade para o STJ, por parte do arguido, de um acórdão da Relação que o condena na pena de 4 anos de prisão por um crime de homicídio simples tentado, com provocação se o Ministério Público e as assistentes também recorreram a pedir a agravação da pena e estas últimas ainda o afastamento da atenuação especial, por poder ser aplicada pena superior a 8 anos de prisão.
2 – Têm legitimidade para recorrer daquela decisão as assistentes que deduziram acusação autónoma, e ficaram vencidas, sendo certo que estão acompanhadas pelo Ministério Público, pelo que se não aplica o Ac. e fixação de jurisprudência de 30-10-97, BMJ 470-39.
3 – Os recursos, como remédios jurídicos que são, destinam-se a reexaminar decisões já tomadas e não provocar decisões sobre matérias novas.
4 – Se a Relação na fundamentação do acórdão remete ou transcreve a fundamentação da 1.ª instância, esta é também atendível, para determinar o grau de cumprimento por aquele tribunal Superior do dever de fundamentar. E quando se impugna uma decisão da Relação é a ela que devem ser dirigidas as críticas e não à decisão da primeira instância, que fora anteriormente impugnada perante aquele Tribunal Superior.
5 – O art. 374.º, n.º 2 do CPP não é directamente aplicável às decisões proferidas, por via de recurso, pelos Tribunais Superiores, mas só por via da aplicação correspondente do art. 379.º , pelo que aquelas não são elaboradas nos exactos termos previstos para as sentenças proferidas em 1.ª instância, uma vez que o seu objecto é a decisão recorrida e não directamente a apreciação da prova produzida na 1.ª instância e que embora as Relações possam conhecer da matéria de facto, não havendo imediação das provas o tribunal de recurso não pode julgar a causa nos mesmos termos em que o tinha feito a 1.ª instância.
6 – O dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão e o exame crítico da prova, exige, como o fez o tribunal colectivo, a indicação dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
7 – Se a Relação sindicou todo o processo, fundamentou a decisão sobre a improcedência do recurso em matéria de facto nas provas examinadas no processo, acolhendo, quase na íntegra, a fundamentação do acórdão do tribunal colectivo que se apresenta como muito detalhada e, quanto às alterações que introduziu na matéria de facto preocupou-se em justificá-las, então as Instâncias cumpriam suficientemente o encargo de fundamentar.
8 – A discordância quanto aos factos apurados não permitem afirmar que o mesmo não foi (ou não foi suficientemente) efectuado o exame crítico pelas instâncias.
9 – A Constituição devolveu ao legislador ordinário o “preenchimento” do dever de fundamentação das decisões judiciais, a delimitação do seu âmbito e extensão em termos prudentes evitando correr o risco de estabelecer uma exigência de fundamentação demasiado extensa e, por isso, inapropriada e excessiva. Limitou-se a consagrar o aludido princípio “em termos genéricos”, deixando a sua concretização ao legislador ordinário, sem que isso signifique que assiste ao legislador ordinário uma liberdade constitutiva total e absoluta para delimitar o âmbito da obrigatoriedade de fundamentação das decisões dos tribunais, em termos de esvaziar de conteúdo a imposição constitucional.
10 - A garantia de legalidade da «livre convicção» a que alude o artigo 127.º do CPP, terá de bastar-se com a necessária explicitação objectiva e motivada do processo da sua formação, de forma a ficar bem claro não só o acervo probatório em que assentou essa convicção, possibilitando a partir daí o necessário controlo da sua legalidade, como também o processo lógico que a partir dele o tribunal desenvolveu para chegar onde chegou, nomeadamente da valoração efectuada, enfim, da razão de ser do crédito ou descrédito dado a este ou àquele meio de prova.
11 – Esta forma de interpretar e aplicar o princípio da livre convicção, porque arrendando a possibilidade de arbítrio, permite um mínimo de controlo − porventura o possível – sobre o processo de formação da convicção do tribunal, pelo que não fere o texto constitucional, mormente o princípio de presunção de inocência com assento no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição.
12 – O princípio da livre apreciação – que contem sempre uma certa margem de intervenção pessoal do juiz – essa garantia de legalidade terá de bastar-se com a necessária explicitação objectiva e motivada do processo de formação da convicção, de forma a ficar claro não só o acervo probatório em que assentou essa convicção (possibilitando a partir daí o necessário controle da sua legalidade), como também o processo lógico que a partir dele o tribunal E quando se trata de usar as regras da experiência e da vida, obviamente que tal uso se tem de haver como pressuposto de todo e qualquer julgamento de um homem por outro ou outros, pelo que seria, no mínimo, excessivo, exigir a torto e a direito, menção expressa feita de tal uso, a explicar que o tribunal tenha dado por provados factos a que porventura ninguém tenha assistido.
13 – O Supremo Tribunal de Justiça só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. Não se verificando esta hipótese, resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do art. 127.º do CPP que escapa ao poder de censura do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista.
14 – Saber se o tribunal deveria ter ficado em estado de dúvida, é uma questão de facto que exorbita o poder de cognição do Supremo Tribunal de Justiça enquanto tribunal de revista.
15 – As conclusões ou ilações que as instâncias extraem da matéria de facto são elas mesmo matéria de facto que escapam à censura do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista.
16 – O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções.
17 – O recurso às presunções naturais não viola o princípio in dubio pro reo. Elas cedem perante a simples dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto, pelo que aquele princípio constitui o limite àquele recurso.
18 – Se a decisão recorrida não aplicou, nem deixou de aplicar uma determinada norma legal, não pode o recorrente impugnar uma pretensa interpretação inconstitucional dessa norma.
19 – Em audiência não se aplica o disposto no art. 124.º do CPP, mas sim o normativo constante do n.º 4 do art. 339.º que estabelece o objecto da discussão em audiência.
20 – Se a Relação apreciou detalhadamente a impugnação do recorrente quanto à matéria de facto fixada e concluiu pela sua improcedência, mostra-se esgotado o duplo grau de jurisdição em matéria de facto previsto pela Lei, não cabendo agora recurso dessa questão para o Tribunal e revista que é o Supremo Tribunal de Justiça, mesmo sob a invocação de algum dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP,
21 – A legítima defesa, como causa exclusória da ilicitude, constitui o exercício de um direito: o direito de legítima defesa que tem, entre nós, assento na Constituição (art. 21.º) no Código Civil (art.os 337.º e 338.º) e está previsto para efeitos penais no art. 32.º do C. Penal. Pressupõe, além do mais, uma agressão actual e intenção de defesa por parte do agente, por forma a que a falta de qualquer destes elementos a afasta:
22 – Se não está provado que o arguido tenha ficado dominado por fortíssima e compreensível emoção violenta que levou a uma profunda alteração do seu estado psicológico e consequente perda do seu auto-domínio, matéria que releva da matéria de facto da competência exclusiva das instâncias, está afastada a ocorrência de homicídio privilegiado.
23 – A provocação (estado anímico de ira, sofrimento, excitação, etc., desencadeado por um facto injusto alheio ao agente), como circunstância atenuativa da culpa, pode ocasionar a compreensível emoção violenta de que fala o art. 133.º do C. Penal.
24 – Mas, não se completando os requisitos já enunciados e a que apela aquele normativo, pode a provocação injusta actuar nos termos do art. 72.°, n.° 2, al. b), e conduzir à atenuação especial da pena.
25 – Assim, se uma circunstância – enumerada exemplificativamente no art. 72.º – diminui acentuada ou essencialmente a ilicitude ou a culpa, terá o valor atenuante especial; mas se diminui a ilicitude ou a culpa por forma não acentuada, então terá valor como atenuante geral
26 – Não oferece dúvidas de que é susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação. Mas a já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada
27 – Se o agente:
– agiu com dolo foi eventual, mas atingiu a vítima quando esta estava já de costas na tentativa de se retirar do local;
– resultaram graves lesões para a vítima que conduziram à sua morte;
– utilizou uma arma de fogo que havia municiado, quando se apercebeu da presença de um caçador furtivo, com munições altamente agressivas, aptas a matar caça grossa a longa distância;
– ao aperceber-se da presença de um caçador furtivo não chamou as autoridades, mas foi procurá-lo armado e já depois de esclarecer a vítima, que havia reagido à sua presença provocatoriamente, de que não podia caçar naquele local, face ao recuo da vítima, procurou interromper essa fuga, avivando o ambiente de tensão que se criara entre os dois (ambos armados), em vez de chamar as autoridades;
– mas, abrigado atrás de um sobreiro, sentiu os chumbos do disparo efectuado pela vítima a passarem-lhe perto e receou pela sua vida, não tendo naquele momento possibilidade de se socorrer, em tempo útil do auxílio da G.N.R. ou de qualquer outra força policial, pelo que disparou um tiro contra o caçador;
– é de alto nível cultural e social.
– socorreu a vítima depois, é primário e está arrependido, confessou parcialmente os factos apurados, sem grande relevo;
Não merece censura a condenação, pelo crime de homicídio simples com provocação, na pena de 4 anos de prisão.
Ac. de 11.11.2004 do STJ, proc. n.º 3182/04-5, Relator: Cons. Simas Santos
Violação agravada — rapto — concurso de infracções — coito oral e cópula — co-autoria — SIDA
1 – Se a decisão condenatória se reporta aos factos provados, que se enumeraram, à lei incriminadora que é indicada a ao preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo e dirige uma atenção mais detalhada aos crimes cuja verificação, face à factualidade apurada, suscitavam dificuldades, que se não colocavam (nem haviam sido colocadas) quanto àqueles outros crimes, não padece a mesma de nulidade por falta de fundamentação.
2 – Tendo os dois arguidos mantido cópula , sucessivamente , com a ofendida , por meio de violência , colocando-a na impossibilidade de resistir e constrangendo-a , cada um deles e de comum acordo , entre si , manter cópula com o outro , é , cada um , autor de dois crimes de violação , em concurso real. A acção típica desse crime desdobra-se na dupla modalidade : ter cópula ou constranger a ter cópula com terceiro , pelo que é autor quem realiza essa acção em qualquer das duas modalidades apontadas
3 – Quando o coito oral e anal não integravam o tipo da violação, mas integravam antes o atentado ao pudor com violência, era uniforme a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que quando houvesse condutas enquadráveis nas figuras da violação e do atentado ao pudor, deveria entender-se que eram consumidos pelo crime de violação os actos necessários para a sua prática, mesmo quando possam ser considerados como correspondentes a crimes de atentado ao pudor, mas que, tais casos passarão a constituir a comissão de crime autónomo de atentado ao pudor quando não tenham qualquer relação com o de violação, ou se mostrem desnecessários para a sua normal consumação. Se ao coito oral bocal com a menor se seguiu a violação, então verifica-se o concurso real entre os dois crimes
4 – Com a redacção dada ao art. 164.º do C. Penal, pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, o coito anal ou o coito oral passaram a integrar o tipo de violação, ao lado da cópula, o que não alterou, só por si, aquela jurisprudência assente, pois pretendeu-se aumentar a protecção do bem jurídico em causa, agravando assim a sanção para o coito oral ou anal, por meio de violência, ameaça grave ou abuso de autoridade, e não diminui-la, como resultaria do abandono daquela posição jurisprudencial, além de que se mantém a razão de ser desta posição, pois que o processo executivo, em qualquer dos três meios agora previstos, pressupõe motivação não coincidente e decisões autónomas, implicando para o ofendido uma diferente intromissão e compressão da sua liberdade e autodeterminação sexual, bem como da sua intimidade sexual.
5 – Se os arguidos acordaram em raptar a ofendida para fins libidinosos e mantiveram ambos relações cópula com ela, cometeram cada um dois crimes de violação, mas se um não consegue ter erecção e obriga a ofendida a coito oral, vindo a copular depois, quanto a esse coito oral, não abrangido no acordo prévio, o co-arguido não deve ser responsabilizado.
6 – Com a punição do rapto pretende-se proteger a liberdade pessoal, pune-se o furto de uma pessoa, a violação do seu ius ambulandi, com determinada intenção: a elencada nas diversas alíneas do n.º 1 do art. 160.º do C. Penal e com a punição da violação protege-se a liberdade sexual, coisa bem diversa, pelo que se verifica, como é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça concurso real das duas infracções.
7 – No caso de violação agravada pela transmissão da SIDA à ofendida (n.º 3 do art. 177.º) releva a circunstância do arguido não saber que estava infectado pelo vírus, apesar de admitir que tal pudesse acontecer e ter agido, confiando que tal transmissão não terá lugar.
Ac. de 11.11.2004 do STJ, proc. n.º 3259/04-5, Relator: Cons. Simas Santos
Condução perigosa de veículo automóvel — nulidade da sentença — falta de enunciação dos factos não provados
1 – Exigem os artigos 379.º, n.º 1, a), e 374.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal que a sentença faça menção aos factos não provados, sob pena de nulidade.
2 – Não cumprindo esse requisito, tal deficiência técnica impede, além do mais, que o tribunal superior, [no caso o Supremo Tribunal de Justiça] leve avante a tarefa preambular e inultrapassável de todo o julgamento de direito que a lei lhe comete: a indagação oficiosa dos vícios da matéria de facto, tal como lhe impõem expressamente os artigos 410.º, n.º 2, e 434.º do mesmo diploma adjectivo, nomeadamente, a necessária constatação de ter sido ou não esgotado o objecto do processo traçado pela acusação e pela defesa, circunstância que, a ter resposta negativa, implica a atribuição àquela do vício de insuficiência, previsto no citado artigo 410.º, n.º 2, a) do mesmo Código.
3 – Tal conclusão é inevitável sobretudo se, como no caso, o recorrente, nas conclusões da sua motivação, insere pretensos factos com relevo para o desfecho da causa que não se sabe – porque não abrangidos nos «factos provados» e não há menção na sentença recorrida a «factos não provados» – se foram ou não objecto de indagação pelo tribunal a quo, apesar de claramente abrangidos pelo objecto do processo, (aqui no tocante às condições pessoais do arguido, tal como postulado pelo artigo 71.º, n.º 2, d), do Código Penal).
Ac. de 11.11.04, do STJ, proc. n.º 3778/04-5, Relator: Cons. Pereira Madeira