quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Roaming: Todos os operadores móveis informaram já a Comissão das suas novas eurotarifas

IP/07/1247
Bruxelas, 23 de Agosto de 2007

Na sequência do lançamento pela Comissão, em 2 de Agosto, do seu sítio Web que apresenta um quadro comparativo dos preços do roaming por operador, todos os operadores móveis informaram a Comissão das eurotarifas que estão a oferecer aos seus clientes, como exigido pelo novo regulamento comunitário relativo ao roaming. Todas estas eurotarifas constam já do sítio Web da Comissão. Para os clientes de serviços móveis em deslocação na Europa, o primeiro resultado é bem positivo: em 23 dos 27 Estados-Membros da UE, existe, no mínimo, um operador móvel que oferece tarifas de roaming inferiores aos valores máximos estabelecidos no regulamento.

A partir de hoje e graças à pressão constante exercida pela UE, os consumidores podem avaliar plenamente as ofertas existentes em toda a Europa respeitantes às novas eurotarifas de roaming”, afirmou Viviane Reding, a Comissária da UE responsável pelas telecomunicações. “Noto com satisfação que, segundo os dados disponíveis, todos os operadores móveis estão já a cumprir a lei e que os poucos prevaricadores que assinalámos há três semanas regressaram entretanto ao bom caminho. No entanto, o facto de termos agora uma panorâmica completa não significa que a tarefa esteja terminada. Em conjunto com as autoridades reguladoras nacionais das telecomunicações, a Comissão vai agora analisar a qualidade, a transparência e a facilidade de utilização das novas ofertas de roaming. Deste modo, poderemos, no Outono, verificar se existe maior concorrência no mercado do roaming e se os consumidores foram efectivamente beneficiados”.

O sítio Web da Comissão, lançado em 2 de Agosto, apresenta as eurotarifas, por operador, oferecidas nos 27 Estados-Membros da UE (ver IP/07/1202). O quadro baseia-se nas respostas a um questionário enviado em meados de Julho a 95 operadores móveis da UE. Num primeiro período, a Comissão recebeu 74 respostas. Alguns operadores só mais tarde informaram a Comissão das suas ofertas ou corrigiram as informações que já tinham enviado. Hoje, tendo os dois últimos operadores – EMT da Estónia e Areeba de Chipre – comunicado as suas ofertas à Comissão, o panorama à escala da UE fica completo.

Globalmente, a aplicação do novo regulamento da UE relativo ao roaming parece avançar sem problemas. Em 23 Estados-Membros existe, no mínimo, um operador que oferece tarifas de roaming inferiores aos valores máximos estabelecidos no novo regulamento. A maioria dos operadores móveis também ofereceu ou activou uma eurotarifa antes do fim dos prazos previstos no regulamento.

Em Outubro, a Comissão, em conjunto com o Grupo de Reguladores Europeus, procederá a uma avaliação mais pormenorizada e qualitativa da transição para a eurotarifa. Os resultados serão importantes para a avaliação que a Comissão tem de apresentar ao Parlamento Europeu e ao Conselho de Ministros da UE até 30 de Dezembro de 2008.

Contexto:
O novo regulamento comunitário relativo ao roaming (em vigor desde 30 de Junho de 2007) exige que os operadores móveis disponibilizem e ofereçam activamente uma eurotarifa aos seus clientes o mais tardar em 30 de Julho (ver IP/07/870). Este regulamento determina que as tarifas de roaming não devem ser superiores a 0,49 € quando se fazem chamadas e 0,24 € quando se recebem chamadas no estrangeiro (IVA não incluído). Os operadores são incentivados a competir oferecendo tarifas inferiores aos valores máximos, como sucedeu até agora em 23 Estados-Membros.

Quando um cliente aceita a eurotarifa oferecida, o operador tem de activar essa tarifa no prazo de um mês. Aos consumidores que não reagem, a eurotarifa passará a ser automaticamente aplicada em 30 de Setembro, a menos que esses consumidores tenham anteriormente aderido a um regime especial de roaming.
Para uma informação pormenorizada, ver o sítio Web da Comissão dedicado ao roaming:
http://ec.europa.eu/roaming.
O Grupo de Reguladores Europeus publicou orientações específicas relativas ao acompanhamento da transição para as novas tarifas de roaming, disponíveis no seguinte endereço:
http://erg.eu.int/whatsnew/.
O quadro comparativo dos operadores móveis da UE elaborado pela Comissão encontra-se em:
http://ec.europa.eu/information_society/activities/roaming/implementation/benchmark

domingo, 19 de agosto de 2007

Trindade Coelho e o direito (VIII) - Fim

[...]
E agora?!
Pouco falta. Ao presente, além de mais um folheto para o povo, sobre Caixas Económicas, tenho no prelo os seguintes livros: Código Penal Anotado; Legislação Penal Anotada; Incidentes em Processo Civil; In Illo Tempore (recordações da vida de Coimbra); e Pão Nosso, leituras elementares e enciclopédicas para uso do povo.
E que mais?!
Creio em Deus; sou cristão; amo a Arte de toda a minha alma; gosto muito das mulheres e das crianças, das flores e da natureza; e o meu maior e mais vivo prazer seria remediar os necessitados. Vivo num 4º andar (111 degraus acima do nível... da rua! Uma das minhas criadas disse-me agora com muita graça que nunca os chegava a contar «porque se perdia sempre no meio da conta»; mas a outra disse que «são duas vezes 50 mais 11!») – mas tenho flores à entrada da porta, e cá dentro muita luz, minha mulher, um filho e um canário – e lindas vistas. As vistas são sobre o rio Tejo e abrangem, da banda de lá, um lindo horizonte; o canário canta muito bem, o meu filho (chama-se Henrique) é bom rapaz, faz versos e sabe alemão; e minha mulher... – minha mulher, essa é doida pelo filho, mas não lhe quer a ele mais do que a mim, e eu quero-lhes a ambos mais do que a mim! Em minha mulher encontrei minha mãe (o que torna impossível de definir, e tão singular que me parece às vezes absurdo, o meu sentimento diante dela!) e sendo toda coração e sensibilidade, tem, no fundo, o ânimo forte e a coragem resignada de meu pai, e é muito alegre e inteligente e tem a paixão da música, sobretudo do canto. Nunca conheci nada melhor.
A mim... – a mim reputo-me um pobre filho do povo, que por acaso veio dar cá acima, e que não podendo voltar à terra de onde brotou – oh, jamais! – tem dela infinitas saudades (que quase nem sequer são feitas de lembranças, tão cedo eu a abandonei!) e está atónito do que vê cá cima... – e lá baixo!
Quando chegará, minha boa amiga, o «reino de Deus»?!...

Lisboa, 6 de Abril de 1902

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Desaparecimento de crianças e de… instituições


Todos vamos acompanhando com tristeza e apreensão o que se passa quanto ao desaparecimento de crianças, por razões pedófilas ou outras, no nosso país e no mundo.
O caso da pequena Madeleine Mccann, nascida em 12/05/2003 e desaparecida em 03/05/2007, pelas 22H40, do Ocean Club, Praia da Luz, Lagos, local onde passava férias com os pais, numa altura em que a criança se encontrava no apartamento, com dois irmãos ainda mais novos, sozinhos, enquanto os pais jantavam com amigos no exterior, a uma distância de mais de 50 metros, tem suscitado abundantes notícias, por vezes em despique entre os jornais ingleses e portugueses.
E a Polícia Judiciária tem sido objecto de muitas críticas, especialmente pela referida imprensa inglesa, quer sobre a hesitação ou inconclusão das pistas quer pela hipótese de suspeita de envolvimento dos pais da criança no crime de rapto ou homicídio cometido, que desmentiu.
No meio de tudo isto, um aspecto me tem surpreendido.
Em Portugal, a acção penal continua a ser exercida pelo Ministério Público, que também dirige a investigação criminal.
“A direcção do inquérito cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal” diz o artigo 263.º do CPP, actuando estes “sob a directa orientação do Ministério Público e na sua dependência funcional”, como autoridade judiciária.
A mesma autoridade judiciária que pode prestar esclarecimentos públicos, excepcionalmente, em casos de especial repercussão, na medida do necessário para a reposição da verdade sobre factos divulgados, para garantir a segurança de pessoas e bens e para evitar perturbação da tranquilidade pública.
Pois apesar das conhecidas “sensibilidades” do Ministério Público todas as vezes que se toca na “autonomia” estratégica e técnica da Polícia Judiciária – e o novo diploma orgânico, em vias de promulgação, acentua a sua dependência e aproximação do Poder Político –, neste caso nem uma palavra sobre o decurso da investigação e das suas atribuladas dificuldades.
Por mais cómodo que isso seja para a Instituição que dirige o inquérito, não pode deixar que a PJ seja imolada neste lume brando, que afinal também acabará por a consumir. Para o bem ou para o mal, tem de assumir a sua quota de responsabilidade, ainda que custe.

Trindade Coelho e o direito (VII)

[...]
Mas adiante, adiante.
Aquele trabalho violento durante largo tempo, prostrou-me! Um esgotamento nervoso (a que já me referi) teve-me paralisado durante meses, em atroz doença de que supus me não resgataria e em que a vida me pareceu toda uma mentira e só a verdade a tristeza e a negação – menos a Deus, em que eu pus sempre toda a minha esperança. Oh! o que eu sofri!
Mas um largo descanso fora de Lisboa, no campo, restituiu-me as forças e essa confiança em mim que eu perdera de todo, porque cheguei a convencer-me de que nunca mais escreveria uma palavra e ao mesmo tempo a odiar os livros, eu que só entre livros vivia bem, e com a minha pena! Vivia e vivo, porque eu quase não conheço os homens senão de vista (e de longe) e só com os rapazes me sei dar, e sou no meio deles um rapaz – e dizem que muito alegre... Eugénio de Castro definiu-me assim num jornal, em quatro palavras que só no elogio são inexactas:
«Transmontano. Pequenino mas tesinho. Alegre como uma romaria. A sua voz é um adufe ao som do qual os seus olhos bailam. Vigoroso e sadio física e literariamente. A sua prosa é máscula: prosa com músculos e sangue. Prefere os assuntos simples aos assuntos complicados. Ao longo dos seus contos não se alastram óxidos de almas difíceis, nem se emaranham filigranas de raras psicologias. No meio dos modernos livros, os seus livros são como ingénuos colegiais entre viciosas pessoas.»
Mas essa crise nervosa de que falo acima é a fase mais angustiosa da minha vida: durante meses eu fui o inverso de tudo aquilo: daquela energia, daquele vigor, daquela saúde; e todo eu amoleci numa grande tristeza, numa ternura infinita feita de lágrimas e de piedade por todas as dores, angustiosa, fatal, inconsolável! Supus-me perdido para todo o sempre; e agora, quando olho para trás, esses meses de longo martírio, de que me ficaram na memória todas as minúcias, parecem-me na minha vida uma montanha escura, atrás da qual fica o meu passado...
Mas graças a Deus ressurgi, e mais vigoroso do que nunca! Passei a ver a vida por um aspecto mais positivo – e nesse meu passado alvejam sepulturas de ilusões que lá ficaram, e uma entre todas atrai os meus olhos ainda hoje: a da Justiça que eu supunha existir... Mas não falemos nisto.
Trindade Coelho, «Autobiografia», in Os Meus Amores

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Noticias da Sociedade Portuguesa de Criminologia

A intervenção realizada pelo Senhor Prof. Doutor Cândido da Agra no Serão da Bonjóia, no passado dia 2 de Agosto e subordinada ao tema "(In)segurança, "speed" e droga: síndrome da "portuguesidade"?, pode ser consultada em:
http://www.cm-porto.pt/gen.pl?p=stories&op=view&fokey=cmp.stories/7275.


Concurso para projectos:

PROGRAMA PARA CRIANÇAS E JOVENS EM RISCO - CONCURSO DE PROJECTOS NA ÁREA DA FORMAÇÃO PARENTAL O abandono, a negligência e os maus-tratos a crianças e jovens são um problema social de dimensão universal. Portugal regista números elevados de crianças e jovens vítimas de abusos ou de negligência, dos quais um grande número acaba por ser institucionalizada, na ausência de um acompanhamento familiar adequado. Atenta a este grave problema, a Fundação Calouste Gulbenkian resolveu reforçar o apoio nesta área através de um Programa , a desenvolver ao longo de 5 anos, destinado a crianças e jovens em risco e às suas famílias, com uma aposta clara na prevenção de casos de negligência e maus-tratos. A formação parental vai ser uma das prioridades, nesta primeira fase, nos concelhos de Lisboa, Amadora, Sintra e Setúbal.Para pôr em prática o programa vai decorrer um concurso entre 6 de Agosto e 28 de Setembro , para projectos na área da formação parental destinado a organizações que já se encontrem a realizar projectos com crianças e jovens em risco e com as suas famílias, de preferência em articulação ou em colaboração com as comissões de protecção de crianças e jovens.Este Programa será coordenado cientificamente pelo Professor Daniel Sampaio e contará com a colaboração do Juiz Conselheiro Armando Leandro.
Para mais informações ver: www.gulbenkian.org/beneficencia/


Conferências:
Royal Society Meeting sobre "Neurobiology of Violence, implications for prevention and treatment”, entre os dias 16 e 17 de Outubro, em Londres.
Para mais informações, consulte-se www.royalsoc.ac.uk
*
Conferência intitulada “Century of Probation”, a decorrer entre 10 e 13 de Setembro, em Sheffield.

Trindade Coelho e o direito (VI)

[...]
Em 1896 tinha lugar em Lisboa o primeiro atentado anarquista – e o Governo fez um projecto de lei contra estes, mas as suas disposições abrangiam também, embora disfarçadamente, os republicanos. Contra isto dei na imprensa um grito de alarme que todavia ficou sem eco, e a lei foi promulgada em harmonia com o projecto do Governo – e eu, como delegado, tive de a aplicar como ela era.
De novo cresceram contra mim os ataques da imprensa, em vez de serem dirigidos contra a lei; – mas vendo eu que a ocasião era favorável para destruir esta, eu próprio escrevi um artigo contra mim mesmo (para não contradizer a corrente...), mas também contra a lei, artigo que os outros jornais transcreveram, atacando-me (mas desta vez também à lei) com a sua doutrina...
Eles não suspeitavam sequer de que o artigo era meu; mas consegui o que desejava e eu calculara: o Governo encarregou-me de fazer um novo projecto de lei, e eu fi-lo, sendo votado pouco depois no Parlamento sem alteração de uma palavra e muito a contento de toda a imprensa, que não sabia também que o projecto, e o seu relatório, eram meus (lei de 21 de Julho de 1899).
Além disso, no Congresso Internacional de Direito Penal, reunido em Lisboa, eu apresentava um opúsculo (Liberdade de Imprensa) indicando as bases de uma reforma liberal da lei de imprensa; o Ministro da Justiça convidava-me a colaborar com ele no novo projecto – e este, apresentado ao Parlamento, era convertido pouco depois na lei hoje em vigor; e outro projecto, feito por mim, punha os jornais a coberto do editor, entidade viciosa que não raro podia estorvar, nos termos da legislação antiga, o jornal e o jornalista; e, a pedido do Ministro, ainda fiz o extenso Regulamento do Ministério Público (hoje em vigor), e de colaboração com o juiz de instrução criminal, o doutor Francisco Maria Veiga, o projecto do Código de Processo Penal. Ao mesmo tempo, escrevia e publicava o livro Dezoito anos em África com o fim de desfazer as intrigas dos políticos e da política contra um amigo meu, o Conselheiro José de Almeida, cuja vida oficial em África tinha sido exemplar e a de um verdadeiro português antigo; e tendo-o reabilitado no conceito do País, mostrando a toda a luz, e com documentos, nesse livro de mais de 500 páginas, o que era e valia esse honrado homem, modelo de trabalhadores e de patriotas, ele mesmo me dizia depois, abraçando-me, ao ver o testemunho unânime da imprensa a favor dele, convencida pela verdade do livro, que «era o meu 2º Manuel Barradas», aludindo ao meu pobre condenado de Portalegre...
E no meio disto tudo, publicava a Revista de Direito e Jurisprudência, o livro Recursos Finais em Processo Criminal, e aguentava diariamente o serviço do Tribunal, que é o mais trabalhoso de Lisboa e do País,’ tendo, além das atribuições criminais, as cíveis e as fiscais. Em toda a minha vida não deixei de um dia para o outro o menor serviço ou um único processo – excepto um, que, sendo o mais importante e complicado de quantos há muitos anos se ventilam nos tribunais portugueses, esteve em minha casa pouco mais de um mês – regressando ao Tribunal somente findo este prazo, mas com uma tão extensa alegação minha por parte do Ministério Público, que formava um grosso volume de perto de 600 páginas.

Trindade Coelho, «Autobiografia», in Os Meus Amores

domingo, 12 de agosto de 2007

Grandes Opções do Plano para a área da Justiça em 2008

Foi publicada, na passada sexta-feira (10), a Lei n.º 31/2007 sobre as Grandes Opções do Plano para 2008.


A 4.ª Opção - Elevar a Qualidade da Democracia, Modernizando o Sistema Político e Colocando a Justiça e a Segurança ao Serviço de uma Plena Cidadania contém um número intitulado Valorizar a Justiça, em cujo introito se pode ler:

O objectivo de valorização da área da Justiça constitui um pilar de desenvolvimento do país, sendo que as políticas de programação estratégica neste sector envolvem a desburocratização, desjudicialização e resolução alternativa de litígios, a aplicação da inovação tecnológica e qualificação da resposta judicial, o combate ao crime e reforço da justiça penal, a cooperação internacional e o novo regime de responsabilização civil extracontratual do Estado e pessoas colectivas públicas.

Um repisar no mesmo...

Um bom tema para analisar e discutir, e talvez um pretexto para contrariar a "apatia" a que o Conselheiro Lourenço Martins faz alusão no post anterior.

Caímos docemente na apatia…

Tenho a sensação, porventura isolada e misantropa, de que se tombou num soturno período de comodismo e modorra.
Nos últimos dois anos forenses anunciaram-se várias mudanças e saiu muito papel preenchido no Diário da República. Mas não sei bem porquê o entusiasmo anda arredio.
Será que os “beneficiários do sistema”, que eram os magistrados, advogados e funcionários judiciais, têm sabotado as medidas: menos e melhores férias, melhor acção executiva e menos contencioso de massas, melhores e mais simplificados códigos de processo, menos e melhores subsistemas de saúde, melhores sistemas informáticos com os processos desmaterializados ao nível do neurónio cintilante?
Será que existe um sentimento de despeito por não terem colaborado, como desejavam, na gestação das medidas, que aparecem aos montes não se sabendo da origem, e afinal eram contra eles e a favor do cidadão?
Será apenas porque se deixam invadir pela dúvida, uma das mais poderosas e fecundas faculdades da razão humana? Ou porque alastra o cepticismo, a dificuldade de acreditar?
Todavia, como diria o sempre actual Ramalho Ortigão, “o País sempre vale um pouco mais que a inteligência daqueles que o governam”.
Para além da ausência de sensibilidade para os que discordam de medidas concretas, no caminho para o unanimismo salvífico, o que mais surpreende é a teoria do “dado adquirido”, ou seja, saiu no jornal oficial electrónico e está feito. Grande engano! Tudo o que não foi assimilado ou não se impõe pela sua racionalidade fica “colado com cuspo” e na próxima ronda é substituído. Até lá, vai provocando os estragos que o cidadão e o Estado (que somos nós) irão pagando…
Estarei enganado ou a flutuar por outro país?

sábado, 11 de agosto de 2007

País irmão

«Estima-se que no Brasil existam algo em torno de 574 mil advogados inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), distribuídos em 20 mil escritórios», reza a imprensa, a mesma que informa que, ao comemorar o dia do Advogado, foi dito por Francisco Faiad, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso : «Ao longo dos anos, o casuísmo se tornou na grande marca dos lacaios e cretinos que querem a qualquer custo preservar seus privilégios. Gente que deseja atolar este país para continuar a tirar proveito, tentando às custas de todos permeabilizar sua casta. Começa pela qualidade do próprio ensino, atingindo diretamente nesse propósito o ensino jurídico – hoje de péssima qualidade, segundo os últimos resultados do Exame de Ordem, qualificatório para ingresso na profissão. Mato Grosso tem um saldo vexaminoso quando o assunto é a avaliação do ensino jurídico».
Brasil, Brasil, país irmão!

Arqueologia jurídica, em férias

«(...) e se não se tratasse de um lapso legisferante, mas de uma significativa manifestação filosófica e mais profunda, a evidenciar um lastro aglutinador típico do modo de ser português do nosso Direito? Se fosse essa uma fenda na muralha positivista do nosso sistema jurídico escrito, a abrir caminho a uma filosofia jurídica portuguesa, nossa?», pergunto-me numa segunda reflexão, fruto de um fim-de-semana em arqueologia jurídica pelos labirintos da minha memória, cavando o casco milenário do Direito com as unhas, sem a ferramenta de um livro nem a orientação de um saber maturado. Tudo começou aqui.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Confusão

Eu, que sou leitor do Sine Die, com esta e com outras, fico cada vez mais baralhado. Afinal, o Dr. Patrício Maia Costa é ou Naré ele?

Trindade Coelho e o direito (V)

[...]
Mas enfim, vim para Lisboa! Numa época, porém, tão má, que o Governo, por causa do ultimatum da Inglaterra (ultimatum de 11 de Janeiro de 1890), vira-se obrigado a promulgar em ditadura não só decretos violentíssimos, restritivos das liberdades públicas, mas inclusivamente tribunais especiais para aplicar esses decretos – e eu era colocado precisamente no mais antipático desses tribunais e no papel de mais antipático: ficava a meu cargo, entre outras funções, a de fiscalizar oficialmente a imprensa de Lisboa, que o mais violento daqueles decretos esmagava!
Mas o dever nunca me pesou, e eu apliquei a lei – serenamente mas inflexivelmente!
Era a lei, e era o meu dever, embora árduo: respeitei aquela e cumpri este.
Está claro que fui muito atacado; mas, pessoalmente, os próprios jornalistas processados davam-se comigo como Deus com os anjos, e eu não lhes levava a mal que me atacassem – e até gostava, porque era uma maneira indirecta de atacar a lei, a que o público chamava a «lei das rolhas», porque arrolhava a boca dos jornalistas, chamando-lhes também outros «a mordaça...»
Durou isto dois largos anos, em que ao mesmo tempo caí a fundo sobre certos banqueiros que tinham enriquecido à custa dos pobres, arruinando Bancos em proveito deles.
Mas o resultado desta campanha, por ser com gente poderosa (banqueiros, políticos, usurários!) foi a extinção do tribunal onde eu funcionava; e eu fiquei sem colocação – e no dia, o primeiro de toda a minha vida, em que me vi sem trabalho, escrevi as páginas mais tristes que têm saído da minha pena e que conservo inéditas... Estava sem colocação – embora bem visto pela opinião pública, e até pelo próprio Governo!
Mandaram-me depois para um tribunal exclusivamente fiscal (cobrança coerciva de impostos em dívida); mas a minha vida, com 34 mil réis por mês (170 francos), foi mais horrorosa do que nunca, e minha mulher chegou a adoecer de tristeza gravemente...
Fui então à África, defender 33 desgraçados que lá estavam numa cadeia, infamemente perseguidos pela política, e lá estive longos, três infinitos meses, retirando-me depois de os deixar todos em liberdade, e absolvidos, e na cadeia todos os perseguidores poderosos desses desgraçados – mais de 30! Não obstante não ter pedido senão que me pagassem a viagem e as despesas de alimentação, deram-me mil libras (22 mil francos!) e, regressando a Lisboa, ainda voltei para o tribunal fiscal; – fui depois colocado em Sintra, a uma hora de Lisboa, onde ia duas vezes por semana – finalmente, em Novembro de 1895, colocado no tribunal onde eu hoje estou – porque o juiz que o Governo ali desejava (o actual presidente da Câmara dos Deputados) exigiu a minha nomeação para lá como condição para aceitar a dele – por ser esse tribunal, como é ainda hoje, o mais grave e o mais trabalhoso...

Trindade Coelho, «Autobiografia», in Os Meus Amores

domingo, 5 de agosto de 2007

Trindade Coelho e o direito (IV)

[...]
Mas um dia quando menos o esperava fui transferido para Ovar (perto do Porto), que era outro foco político pior do que Portalegre! O decreto da minha transferência alegava «conveniência de serviço público», – mas, sabidas as coisas, era conspiração amável que tinha por fim tornar possível a minha eleição de deputado (!) por Portalegre, eleição que seria legalmente impossível se lá estivesse exercendo funções públicas ao tempo das eleições, ou tivesse saído de lá a requerimento meu.
O governo era já de outro partido político; as eleições deviam ter lugar dentro de poucos meses – e o Ministro da Justiça [1], que eu não conhecia pessoalmente, escreveu-me explicando a minha transferência, e pedindo-me que viesse a Lisboa falar com ele.
Não sabia o Ministro o que o esperava; e ainda estou a ver a cara de espantado que fez quando eu lhe disse que não queria ser deputado.
– Mas eu despacho-o juiz!
– Nem assim. Não quero. Iria preterir colegas meus mais antigos: não quero! (Os juízes de direito, em Portugal, saem da classe dos delegados, por antiguidade, e eu era dos mais novos.)
– Mas os seus serviços são distintos, e a sua promoção a juiz será «por distinção».
– Pior. Seria uma injustiça. Tenho feito o meu dever, e mais nada. Não quero.
E não quis; e ele ainda me disse que eu ficaria o juiz «mais novo» de todo o País, e que «nossos pais podiam recomeçar a vida pelo princípio, mas que nós tínhamos de a começar ao menos pelo meio». (Palavras textuais.) A minha resposta continua a mesma:
– Não quero.
E não quis. Com promessa de ser transferido de Ovar para Lisboa, fui para Ovar – onde os políticos me receberam na ponta das espadas, desconfiados daquela «conveniência de serviço público» que para lá me levava – e que não era nenhuma...
A comarca estava num estado de desordem muito parecido com a anarquia; mas, serenamente, trabalhando de dia e de noite, num quarto de hotel, regularizei o serviço não tardou muito.
Tinha, e ainda tenho, o costume de não deixar que fazer de um dia para o outro; e em menos de um mês tudo estava em ordem – e, ao sair de Lisboa, o periódico local que mais desconfiadamente me recebera (o Ovarense) dedicava à minha saída um amável artigo, e lamentava-a – dizendo que nunca magistrado algum entrara em Ovar em piores condições de desconfiança do que eu; mas que em breve «todos se desenganaram de que o Sr. Trindade Coelho estava resolvido a fazer justiça direita, e que a balança da lei não se moveria nas suas mãos de magistrado»; que «não era delegado de quem se pudesse fazer o que se quisesse» e que «breve desapareceu a opinião de que o novo delegado poria ao serviço de rancores políticos a acção poderosa da lei» pois que «não era de molde a antepor a interesse de qualquer natureza a honra do seu cargo e os créditos do seu nome».
Em Portalegre o mesmo me sucedera: quando parti de lá, a população da cidade acorreu a despedir-se de mim, e dizem-me que ainda hoje sou lá muito lembrado – e o povo considerava-me como «seu amigo», não obstante esse meu papel oficial de representante do Ministério Público, e portanto de acusador... No meu papel simultâneo de «curador dos órfãos», cheguei a pôr oficialmente à disposição destes os meus 11 mil réis de ordenado mensal, para atenuar a cupidez de alguém que não duvidava sacrificar aos seus os interesses dos órfãos. (Só aludo a isto por ter sido um facto oficial e portanto público, e constar de documentos impressos).

[1] Lopo Vaz de Sampaio e Melo.
Trindade Coelho, «Autobiografia», in Os Meus Amores

Contraste

O Patologia Social, em estilo mais memorialista, prepara-se, remoçado, para a “época de recurso”, enquanto o Cum Grano Salis, em insosso solilóquio, lá vai definhando...
É a vida…!

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Trindade Coelho e o direito (III)

...

Sabugal era a melhor comarca de 3ª classe; mas era quase uma aldeia, na Beira; e Camilo disse-me numa carta que escreveu para lá que «receava que eu me fizesse ali um reinícola pavoroso»; – e em menos de um mês estava transferido para Portalegre, que era já uma pequena mas linda cidade, capital de distrito, no Alentejo.
Em Portalegre estive 4 anos – e esses 4 anos davam um livro! Alegre? Triste? Nem eu sei!
A terra era muito política (no pior sentido desta má e feia palavra!) – e o partido que estava no governo começou logo a embirrar comigo, porque eu, no exercício do meu cargo, cortava a direito sem querer saber de política nem de políticos...
Vi-me doido com eles, mas eles viram-se também doidos comigo e não levaram nunca a melhor, porque demais a mais o poder judicial confirmava inalteravelmente todos os meus actos – o que mais enfurecia contra mim os tais políticos...
Deram-se episódios engraçadíssimos, de um cómico de «comédia de província», e a luta foi renhida de parte a parte, porque eu não transigia nem transigi; e isto deu-me tal força na opinião pública (o povo é sempre justo) que o governo nunca se atreveu a transferir-me, não obstante os reiterados e insistentes esforços que para isso faziam os mandões locais: – e uma vez que eu próprio requeri ao governo a minha transferência, recebi um telegrama do Procurador-Geral da Coroa (o chefe superior do Ministério Público) a chamar-me a Lisboa, e chamava-me para me pedir que retirasse o meu requerimento, porque a minha saída de Portalegre (dizia ele) seria regozijo para os políticos, e ele próprio desejava manter ali a minha autoridade e que os políticos se convencessem de que tinha a absoluta confiança dos meus superiores hierárquicos.
Ainda me lembro que ao ver-me diante dele, que me não conhecia pessoalmente, o Procurador-Geral da Coroa duvidou de que fosse eu, quase criança, o delegado de Portalegre:
– O meu delegado de Portalegre?! Não pode ser! O meu delegado de Portalegre há-de ser um homem alto e de barbas!
Era a lenda dos meus 4 anos de luta...
Mas não houve distinção que me não fizessem os meus superiores (Procurador-Geral da Coroa e Procurador Régio: aquele, falecido; este, hoje, juiz do Supremo Tribunal de Justiça); e logo me disseram que me queriam em Lisboa, e que eles mesmos promoveriam para ali a minha transferência, porque me queriam ao pé deles e «em Portalegre ganhava pouco».
Ganhava. O meu pobre ordenado eram 11 mil réis por mês (pouco mais de 50 francos) – e com eles vivi, e cheguei muitas vezes a não ter que comer, mas ninguém o sabia...
Ali, em Portalegre, resgatei de um erro de justiça um desgraçado que encontrei na cadeia, condenado por assassino e ladrão. É o Manuel Maçores dos Meus Amores – mas o nome dele era Manuel Barradas; e isso foi uma agonia de mais de um ano, em que eu não pensei noutra coisa de dia e de noite, até que o libertei!
Isso, porém, hei-de contar-lho um dia, mademoiselle Louise, porque eu ainda hoje não penso nessa tragédia a sangue-frio – e o próprio conto Manuel Maçores só anos depois o pude escrever – e nele não há a menor alusão a essa tragédia, que foi o meu trabalho angustioso durante muito tempo, para desfazer a lúgubre trama...
Essa é a única coisa que eu vim fazer a este mundo, e por contente me dou de ter cá vindo...

Trindade Coelho, «Autobiografia», in Os Meus Amores