Opinião
Jorge Miranda, Professor universitário, constitucionalista
Brevíssimas notas sobre três questões sérias
Contesto a privatização dos CTT, por causa do serviço público essencial que desempenha. Mas apoio a privatização da RTP
1. No seguimento dos acordos celebrados pelo anterior Governo com o FMI, o BCE e a Comissão Europeia, o Governo apresentou um vasto plano de privatizações.
Há neste plano não poucos problemas, desde os prazos curtos de execução à difícil conjuntura económica geral e à desvalorização de algumas das empresas por força dos ratings estabelecidos pelas agências. Mas não o discuto globalmente, nem com qualquer apriorismo ideológico. Só discuto a privatização da TAP e dos CTT.
Já não temos marinha mercante, nem de pesca. Apenas a TAP leva um pouco de Portugal (com o nome inscrito nos seus aviões) às comunidades portuguesas, ao Brasil, à África e a tantas outras paragens. E é uma função estratégica nacional exercida com segurança e qualidade. O que se torna necessário é libertá-la dos apêndices do grupo, que dão prejuízo. E, se está descapitalizada, não será possível, havendo privatização, incentivar ou dar, mesmo, prioridade ao investimento de portugueses e empresas portuguesas? E, por que não uma aliança com empresas brasileiras? Não será essa também uma questão de patriotismo?
Contesto a privatização dos CTT, por causa do serviço público essencial que desempenha, presente nos lugares mais recônditos do país (que, muito provavelmente serão abandonados por quem os vier a tomar). E desempenham esse serviço com elevado nível, com excelentes instalações e dando lucros. Nos Estados Unidos e no Brasil, aliás, o serviço de correios é, segundo as suas Constituições (respetivamente, art. 1, secção VIII, e art. 21 - I) reservado ao Estado. Não será possível, pelo menos, preservar-se uma maioria de capital público?
Em contrapartida, apoio a privatização da RTP que em nada se distingue, para melhor, das outras estações de televisão. Sabendo-se que os proprietários se lhe opõem, ao que parece por temerem a concorrência na publicidade, o que aqui vier a ser decidido será esclarecedor sobre se prevalecem esses interesses ou a autoridade do Estado.
2. Tenho lido neste jornal, ultimamente, vários artigos a atacar o Acordo Ortográfico e a pedir que seja suspensa a sua aplicação. Não posso concordar.
Não sou especialista em linguística e não pretendo que o Acordo seja perfeito. Contudo, o que está em causa situa-se muito para além de qualquer deficiência ou erro que contenha ou de qualquer gosto estético. O que está em causa é a afirmação da língua portuguesa como grande língua internacional - a terceira língua de matriz europeia mais falada e falada em quatro continentes; e, para esse efeito, uma ortografia com um mínimo de diferenças revela-se indispensável.
Por que razão havia de ser o português europeu a determinar a língua escrita em confronto com o português do Brasil, usado por quase 200 milhões de pessoas? Pretendê-lo seria totalmente inviável e acabaria por reduzir o português europeu à dimensão do húngaro, do checo ou do sueco, quando, bem pelo contrário, se mostra também necessário afirmar o português, o português internacional, na União Europeia. E não houve reformas muito mais radicais de ortografia do que esta, a começar pela precipitada reforma de 1911, que provocou o corte com o Brasil? Espero bem, por isso, que finalmente, em 1 de Janeiro de 2012, se cumpra o que foi convencionado há mais de 20 anos!
A verdadeira defesa do português não pode consistir no conservadorismo ortográfico, mas sim na exigência da qualidade do seu ensino e da sua prática na comunicação social, no ensino universitário por professores portugueses para alunos portugueses em português (ao contrário do que sucede em algumas faculdades), no não uso de designações estrangeiras, em suma, na aplicação rigorosa do art. 11.º da Constituição, que o declara língua oficial da República.
3. Luís Campos e Cunha vem defendendo, desde há mais de um ano, igualmente nas páginas do PÚBLICO, e outros têm-no acompanhado, o princípio da representação parlamentar do voto em branco - ou seja, que a haver determinada percentagem de votos em branco os lugares correspondentes de deputados não fiquem preenchidos. Associo-me inteiramente a esta ideia.
As razões aduzidas a favor parecem-me muito pertinentes. Muito diverso da abstenção e do voto nulo, o voto em branco (cujo número tem vindo a crescer de eleição para eleição) é o do cidadão que não fica em casa (e se desloca à assembleia eleitoral e que, através dele, manifesta uma posição e uma vontade: a de não identificação com nenhuma das candidaturas apresentadas. Longe de ser um simples voto de protesto, é um voto no sentido de maior pluralismo e de renovação, um voto de cidadania, um voto que não pode deixar de ter consequências políticas gerais.
Num país, onde, ao fim de 37 anos, os partidos são (ou aparentemente são) os mesmos, dominados pelos aparelhos e com pouca abertura à sociedade, onde os pequenos partidos entre duas eleições gerais são apagados ou apagam-se do contraditório político, importa dar, pelo menos por esta via, uma voz àqueles que, apesar de tudo, continuam interessados na coisa pública. E o princípio deveria aplicar-se tanto à Assembleia da República como às Assembleias Legislativas Regionais, às assembleias municipais e às assembleias de freguesia.
Nem teria, para tanto, de se fazer qualquer alteração constitucional. A Constituição limita-se a prescrever o princípio da representação proporcional (art. 113.º, n.º 5) e, quanto à Assembleia da República, o método de Hondt (art. 149.º, n.º 1). Bastaria as leis eleitorais incluírem uma referência ao voto branco na distribuição dos mandatos (neste caso, distribuição negativa).
Acrescentaria uma nota. Num momento de compressão de despesas e em que, bem ou mal, se fala em reduzir o número de deputados, a relevância parlamentar do voto em branco serviria ainda para reduzi-los àqueles que, efetivamente, forem sufragados pelos cidadãos.
Público, 13 de Julho de 2011