sábado, 2 de abril de 2005


Honorè Daumier (1808-1879)
Les Pièces à conviction (O corpo de delito), 1865-68 ca.
Melbourne, National Gallery of Victoria

(Re)leitura dos clássicos

La sociologie criminelle (1893), de Enrico Ferri (1856-1929)

Une édition électronique sera réalisée à partir du texte d'Enrico Ferri (1856-1929), La sociologie criminelle.
Traduit de l'Italien par Léon Terrien.Paris: Félix Alcan, 1914, 2e édition, 640 pp. Première édition, 1893.

(Ler aqui)

Inimputável não pode ser mantido preso em razão de atraso em exame pericial

«A demora na realização de exame pericial para verificar a periculosidade do paciente não é motivo para que o réu inimputável, cuja sentença foi o tratamento ambulatorial, seja mantido em cárcere. Com essa decisão, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas-corpus a um preso de São Paulo, que, desde agosto do ano passado, aguardava, em cadeia comum, vaga em hospital psiquiátrico, para que fosse avaliado.
Julgado por tentativa de homicídio qualificado, o réu foi considerado inimputável e, por isso, absolvido na 1ª Vara do Júri da Capital, em São Paulo. A ele foi imposta medida de segurança para que se sujeitasse a tratamento ambulatorial pelo prazo mínimo de um ano. Em razão de não haver sido encontrado para início do tratamento, o juízo da execução converteu o tratamento em internação, pelo mesmo período, e determinou que fosse submetido, no Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário, a exame pericial de avaliação de periculosidade.
O paciente foi preso no dia 31 de agosto de 2004. Desde então, no 4º Distrito Policial de São Paulo, ele espera pela perícia que poderá comprovar ou não sua periculosidade. Já se passaram sete anos da tentativa de homicídio. A defesa ingressou com pedido de habeas-corpus na segunda instância, mas não foi atendida porque esta entendeu ser necessária principalmente a produção de laudos periciais para se analisar a extinção da medida de segurança.
Em nova ação junto ao STJ, a defesa mais uma vez pretendia com o habeas-corpus que a medida de segurança fosse extinta, por pressupor que o agente não representa mais perigo em razão do tempo já decorrido do fato que gerou a medida de tratamento. Sob esse aspecto, o relator, ministro Nilson Naves, discordou, afirmando que o simples transcurso do tempo nada significa sem que seja feita uma perícia médica.
No entanto, o ministro Nilson Naves destacou dois equívocos do juiz de execução. Um, que o tratamento ambulatorial, com caráter curativo, ganha aspecto punitivo com a conversão em internação. Outro, que é arbitrária a manutenção do paciente preso enquanto aguarda a realização da perícia médica, já que se trata de um "regime mais severo do que aquele fixado por sentença", no caso, o tratamento ambulatorial.
Por unanimidade, a Turma restabeleceu a medida de tratamento ambulatorial e determinou que o paciente seja imediatamente submetido a exame de verificação da cessação de sua periculosidade, sendo que qualquer atraso dessa providência não justificará a manutenção da prisão.»
Resumo de uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça do Brasil recolhido aqui.

Analfabetos

[...] Em 13 de Dezembro de 1642, uma lei proíbe o acesso de analfabetos às magistraturas ordinárias. Fosse como fosse, a esmagadora maioria dos juízes ordinários continuou a ser constituída por pessoas não iniciadas no direito, pois as fracas rendas do cargo não o tornavam atraentes para letrados; e são, de facto, neste sentido alguns testemunhos ulteriores, já da última fase do Antigo Regime ou mesmo do período liberal.
Emblemático será o caso de Assequins, pequeno concelho da comarca de Esgueira, que, em 1731, porfia na eleição de um juiz analfabeto, ponderando que, doutro modo, a judicatura cairia na mão dos que sabiam ler "que se farião poderosos e soberbos". É que, neste mundo de "lavradores e seareiros" que não sabiam ler nem podiam aprender "por andarem ocupados na lavoura", as letras dão um poder temido, fonte de falsidades e extorsões. Poder de que é paradigmático o dos escrivões, em cujas mãos repousava a "fazenda, honra, e vida dos homens" e que, nesta época, concitam tanta animosidade, que, durante os tumultos de 1637, os seus cartórios são queimados. [...]
Antonio Manuel Hespanha, As Vésperas do Leviathan Instituições e Poder Político Portugal - Séc. XVII, Livraria Almedina, 1994

Posse de novo Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça

Não é todos os dias que um magistrado do Ministério Público e, muito menos, um procurador-geral distrital ingressa nos quadros do Supremo Tribunal de Justiça.
Aconteceu anteontem com o Dr. Arménio Sottomayor.
Num gesto simbólico de homenagem a essa figura ímpar do Ministério Público, deixam-se aqui registadas duas passagens do seu discurso de posse:

… «Quando, há cerca de um ano, o Senhor Presidente Conselheiro Aragão Seia amavelmente me telefonou para me comunicar o resultado da graduação e me fez saber que teria o gosto de me ver ingressar no Supremo Tribunal de Justiça, nenhum de nós imaginava que tão breve ocorreria o seu decesso. Cumpre-me iniciar estas palavras homenageando a sua memória. Há muitos anos que tive o privilégio de o conhecer; tantas vezes nos cruzámos, fomentando uma cordial amizade. Sempre o tive em muita consideração e sempre admirei o jurista brilhante que foi. Ocupar a vaga que o seu falecimento ocasionou ensombra este momento em que passo a integrar o Supremo Tribunal de Justiça.»…

… «Perante a presença amiga do Senhor Procurador-Geral da República, bem como dos meus colegas do Ministério Público, não posso deixar de dar público testemunho da realização pessoal que constituiu ser magistrado do Ministério Público e ter tido o privilégio de exercer funções sob a direcção dos Senhores Procuradores-Gerais Conselheiros Arala Chaves, Cunha Rodrigues e Souto Moura. Em VExa, Senhor Procurador-Geral Dr. Souto Moura, admiro o jurista probo, o magistrado corajoso, o homem insigne e de grande força de carácter. Agradeço a VExa a confiança que sempre depositou neste seu adjunto e espero que tenha pressentido, nos mais diversos momentos, a lealdade que sempre lhe dediquei. Em VExa saúdo vivamente a magistratura que acabo de deixar e que procurei servir com todas as minhas forças e o meu parco saber. Ao Ministério Público, que se vem afirmando, cada vez mais, como uma magistratura de intervenção, firme nas suas convicções, competente na sua acção, justa nas posições que assume e com espírito de serviço, desejo que seja cada vez mais respeitada, que veja reforçada a sua autonomia e que seja dotada dos meios tão essenciais para o cumprimento cabal das suas complexas funções.»…

O sistema legal não funciona em lado nenhum

Donna Leon – a escritora americana a viver em Veneza que se descobriu por acaso como escritora de romances policiais com os quais ganha uma fortuna – concedeu ao Público/Mil Folhas uma interessante entrevista, no sábado passado, dia 26 de Março. Há uma passagem que eu sublinhei e arquivei na altura no meu caderno de apontamentos. Agora, ao relê-lo, lembrei-me de o dar a público para gáudio dos anti-bushistas (ou será que me engano ao restringir assim o universo dos apreciadores do texto?) Reza assim:

« (…) o sistema legal pura e simplesmente não funciona em lado nenhum e, portanto, nada tem a ver com uma ideia de justiça. Olhemos para os EUA, onde este Gonzales que foi para ministro da Justiça é um homem que considera justificável a tortura de gente indefesa. Alguma vez houve uma investigação judicial a este homem? Foi ele castigado? Não, foi premiado com a nomeação para ministro da Justiça. Pensemos no futuro: o que vem a seguir? Podemos matar pessoas porque não gostamos delas? O que se devia dizer ao senhor Gonzales é que não pode torturar prisioneiros e que devia ir para a prisão por fazê-lo».
Artur Costa