quarta-feira, 1 de fevereiro de 2006

AS REFORMAS EM CURSO E OS MINISTROS

Começa a ser tradição imposta a tutti quantti assumem o Ministério da Justiça deixar uma impressão digital nas leis que nos regem.
O actual Ministro não podia fugir à regra.
Receio, porém – e sem afirmar o que as evidências denunciam claramente e já foi dito e repisado em várias ocasiões – que este Ministro incorre em claro erro na definição de prioridades e de objectivos a atingir.
Tem sido manifesta a incapacidade para lidar, por exemplo, com o fracasso na Reforma da Acção Executiva e adoptar as soluções que permitam a cobrança coerciva de créditos já reconhecidos ou titulados (Seria curioso analisar o resultado do apuramento da percentagem de execuções findas com o pagamento das quantias exequendas no regime actualmente em vigor).
Mas as reformas de outras leis vigentes estão aí.
A Lei Quadro da Política Criminal, cujas virtudes foram tão enfatizadas enquanto instrumento absolutamente indispensável ao sistema, não trará qualquer mais valia à administração da Justiça Penal e, para além de permitir a imputação de responsabilidades a quem não as tem, constituiu mais um episódio no que se afigura ser uma aposta de descredibilização das magistraturas por parte de quem deveria assumir a defesa das instituições e dos titulares do órgão de soberania que são os Tribunais.
A Reforma Penal tem, de resto, outras vertentes que serão reveladas num futuro que se prevê breve, algumas das quais esperadas.
Mas também o Código de Processo Civil está em vias de mais uma revisão parcial. Esta tocante apenas ao regime dos recursos.
Aliás, teve hoje lugar, em Lisboa, um Debate Público Nacional sobre o assunto.
Em causa está, como se diz, a “requalificação” do Supremo Tribunal de Justiça.
Dúvidas não temos que o Supremo Tribunal de Justiça precisa urgentemente de ser repensado para ter condições para exercer de pleno a sua vocação de uniformizador de jurisprudência.
A pergunta que fica no ar é esta: Qual vai ser o preço a pagar pelos cidadãos em geral (para não falar nos custos para as magistraturas que terão que ser analisados pelas respectivas associações sindicais), pelo fechar das portas do Supremo Tribunal de Justiça e pela dita “requalificação”?
È certo que o Anteprojecto apresentado tem aspectos interessantes (são exemplo a elevação das alçadas e a adopção da regra da dupla conforme para impedir o recurso ao STJ aberto, porém, em caso de relevância jurídica ou social da questão sub judice – mais um conceito indeterminado?).
Mas contém outros muito discutíveis (por exemplo, para quê alegações orais em matéria cível na Relação e no Supremo?) ou perfeitamente deslocados (Num Código de Processo Civil deve constar uma norma que manda o relator elaborar o sumário da decisão para ser inserido numas página da Internet?).
O que virá amanhã nos jornais é que antes do final do ano os processos subirão ao Tribunal da Relação “desmaterializados” – Ministro da Justiça dixit.
Nós acreditamos tão piamente como se nos dissessem que o sol gira à volta do Terreiro do Paço… (aliás estou a ver o processo que tenho em mãos com vários volumes e mais de duas mil páginas, com alguns documentos e actos processuais impugnados, todo digitalizado e a subir ao Tribunal da Relação com estrita observância dos prazos).
Quando até a simples tecnologia de gravação das cassetes áudio tem registado os problemas que se sabem apetece dizer: porque não podemos fazer um país para as leis que queremos temos que fazer leis a pensar no país que temos…
Da parte dos advogados espera-se alguma reacção, de resto logo ali materializada no apelo veemente feito por um ex-bastonário (Dr. José Miguel Júdice): “Não façam esta Reforma!!!”
Seja como for, as reformas fazem-se e desfazem-se ao mesmo ritmo com que nos despedimos dos Ministros.
Infelizmente, os verdadeiros problemas resistem aos Ministros …
E seria bom que, de uma vez por todas, se entendesse que tanto ou mais importante do que as impressões digitais dos Ministros ou do que os computadores com que se equipam os Tribunais são as pessoas que neles trabalham por melhor Justiça.
E que é nelas que é preciso investir.