segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Constitucional pressiona Governo a aceitar horários abaixo das 40 horas

Nova Lei Geral já deverá deixar mais margem à negociação
FUNÇÃO PÚBLICA
Constitucional pressiona Governo a aceitar horários abaixo das 40 horas
Legislação sobre 40 horas é imperativa. Mas a nova Lei Geral já deverá deixar mais margem à negociação
CATARINA ALMEIDA PEREIRA
catarinapereira@negocios.pt
A decisão do Tribunal Constitucional sobre a lei laborai no sector privado influencia as reformas na Função Pública. Os juízes sublinharam que é necessário respeitar os conteúdos definidos em contratação colectiva, orientação que o Governo deverá acolher na nova Lei Geraldo Trabalho. Na prática, isto permite consagrar definitivamente a possibilidade de abrir novas excepções ao horário de trabalho de 40 horas, que começou a produzir efeitos este fim-de-semana.
O diploma sobre o novo horário de trabalho sobrepõe-se às convenções colectivas, mas tal como o Governo já explicou, nada impede que a partir de agora os sindicatos e as entidades empregadoras assinem acordos com horários inferiores, desde que as tutelas autorizem. Isto porque há uma norma do regime de contrato de trabalho em funções públicas que se mantém em vigor.
O problema é o que a partir de Janeiro esse diploma será revogado e substituído pela nova Lei Geral do Trabalho que na versão já discutida com os sindicatos limita a possibilidade de estabelecer horários mais baixos por negociação colectiva.
O Governo não excluiu, no entanto, a possibilidade de vir a alterar a nova Lei Geral, respondendo à reivindicação dos sindicatos (em particular, da Fesap). A nova versão do diploma será discutida esta semana. Os juristas entendem que, face ao último acórdão do TC, é razoável que o Executivo limite o uso de normas imperativas, dando mais margem à contratação colectiva.
“O acórdão aponta necessariamente para maiores restrições às leis imperativas. Nesse sentido, dá um sinal que restrições às contratações colectivas têm que ser especialmente justificadas e fundamentadas”, explica Pedro Furtado Martins, especialista em Direito do Trabalho. “Há uma orientação mais limitativa sobre a possibilidade de prevalência da lei nos conteúdos da contrafação colectiva”, afirma também Rosário Palma Ramalho, especialista que tem colaborado com o Governo na elaboração do diploma.
Anulação de normas de acordos colectivos tem sido frequente
A elaboração de normas imperativas sobre os contratos colectivos de trabalho tornou-se bastante frequente nos últimos anos. Foi dessa forma que se garantiram cortes nos salários ou nas horas extraordinárias do Estado, por exemplo. O acórdão levanta questões sobre a conformidade destas soluções.
Os especialistas contactados lembram, no entanto, que o Constitucional admitiu a suspensão temporária de algumas normas, como as que estabelecem compensações mais generosas pela prestação de trabalho extraordinário.
Nesse sentido, o constitucionalista Tiago Duarte considera que o acórdão “abre a porta” a uma estratégia que assenta na suspensão temporária de normas dos contratos colectivos. Já Joaquim Dionísio, jurista da CGTP, recusa esta leitura, salientando que se a estratégia for utilizada reiteradamente vai pôr em causa outros princípios constitucionais, “como o da proporcionalidade e o da proibição do excesso”.
Jornada contínua permite trabalhar menos 5 horas
O Governo aumentou o horário no Estado, mas manteve a chamada “jornada contínua”, que permite concentrar o horário de trabalho, reduzindo-o em uma hora por dia, no caso de funcionários com filhos menores de 12 anos, crianças deficientes, ou “no interesse do trabalhador” ou “do serviço”.
De acordo com José Abraão, da Fesap, algumas autarquias estão a recorrer a esta figura, autorizando jornadas continuas, para impedirem um efectivo aumento do horário de trabalho do pessoal. De acordo com o sindicalista, na sexta-feira, véspera da produção de efeitos da legislação sobre as 40 horas, havia ainda vários serviços que não tinham informado os trabalhadores sobre os novos horários e autarquias que anunciaram que só o vão aplicar com a equipa que sair das eleições autárquicas.
OS LIMITES DO TC À INGERÊNCIA NAS CONVENÇÕES COLECTIVAS
O Código do Trabalho aprovado no ano passado não se limitou a reduzir férias e eliminar os descansos compensatórios devidos a quem faz horas extraordinárias. Também impôs a anulação das cláusulas das convenções colectivas que garantiam estes direitos. Isto implicava “apagar” normas assinadas antes da entrada em vigor da lei.
Os juízes consideraram que esta “revogação” eliminava o “ponto de referência” para futuras negociações, restringindo, por isso, o próprio direito à negociação. Os juízes explicam, além disso, que esta solução não garantia uma diminuição generalizada e padronizada dos custos do trabalho, já que nada . impedia que, no futuro, alguns dos sectores conseguissem estabelecer normas idênticas ou até mais favoráveis. Chumbada foi ainda a intenção do Governo de determinar um corte para metade no valor do pagamento de horas extraordinárias determinado nas convenções, com efeitos a partir de Agosto de 2014, por constituir uma ingerência não justificada na negociação colectiva.
Houve no entanto, outras normas que o Constitucional viabilizou. A lei previa que, até Agosto de 2014, ficassem suspensos os valores de pagamento de horas extraordinárias que constam de convenções colectivas. No acórdão, o TC explica que a primeira diferença é que esta suspensão vale tanto para acordos assinados antes como depois da entrada em vigor da lei. Em causa está, por isso, uma “imperatividade absoluta mas temporária”, que, ao contrário das revogações, promove regras igualitárias.
Apesar de reconhecerem que esta suspensão é “uma ingerência no âmbito de protecção do direito de contratação colectiva” que interfere com o direito à retribuição, os juízes consideraram que esta limitação se mostra “adequada, necessária equilibrada” em vista da salvaguarda de interesses relevantes, como o cumprimento do memorando de entendimento, pelo que não viola a Constituição. Os juízes viabilizaram, além disso, a norma que anula compensações por despedimentos superiores às da nova lei, porque a norma também garantia a “igualização” das regras.
Jornal Negócios | Segunda, 30 Setembro 2013