sábado, 8 de setembro de 2012

Novas medidas de austeridade podem levar governo a ser responsabilizado "civil e criminalmente"

RTP


Novas medidas de austeridade podem levar governo a ser responsabilizado civil e criminalmenteA opinião é do constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia, ex-deputado do PSD e foi expressa no Diário de Notícias. Bacelar Gouveia afirma que os planos anunciados sexta-feira pelo primeiro-ministro Passos Coelho desobedecem ao Tribunal Constitucional (TC) o que pode meter o governo "num grande sarilho". "A desobediência a uma decisão do TC pode ser objeto de responsabilidade civil e criminal", afirma o constitucionalista.
"A decisão do primeiro-ministro viola a decisão do TC, que é obrigatória e à qual todos os orgãos de soberania devem obediência", considera Bacelar Gouveia no DN. E acrescenta, sobre as medidas anunciadas: "continua a existir uma discriminação injustificada contra os funcionários públicos e os pensionistas".

Esta sexta-feira, o primeiro-ministro Passos Coelho anunciou novas medidas de austeridade para 2013. Reformados e pensionistas irão continuar sem receber os subsídios de férias e de Natal, enquanto que aos funcionários públicos será reposto um, de forma faseada ao longo de 12 meses. Este subsídio será no entanto absorvido pelo aumento da contribuição dos trabalhadores ativos para a Segurança Social, de 11% para 18%, que vai ser aplicado tanto ao setor privado como ao setor público.

Para os constitucionalistas, estes planos não respondem à decisão do TC, que exigia igualdade nos sacrifícios a impor aos portugueses, já que voltam a onerar apenas os trabalhadores, de forma ainda desigual e deixam de fora outras formas de rendimento.
Um "grande sarilho"
Ouvido também pela TSF, Bacelar Gouveia sublinha que o "governo vai meter-se num grande sarilho" e lamenta que este tenha sido o caminho escolhido.

«Isto vai dar um grande sarilho. Acho que o Governo se vai meter num grande sarilho, porque junta à contestação que tem tido no meio laboral e económico, uma irritação que vai provocar num órgão de soberania que é um Tribunal Constitucional. Neste momento não convinha nada que a frente de conflito se alargasse ao poder judicial desta forma" disse Bacelar Gouveia.

"Sinceramente penso que isto não vai acabar bem e lamento que o caminho esteja a ser este», afirmou o constitucionalista à TSF, considerando ainda que o desequilíbrio do esforço para a Função Pública não foi resolvido.
Chumbo quase certo
Paulo Otero, professor catedrático da Universidade de Direito do Porto, considerou ao DN que o governo fez uma "utilização perversa do princípio da igualdade". Fala mesmo de uma "discriminação dupla".

"Primeiro, porque existem outros universos de rendimentos que não só os assalariados, que são os únicos atingidos e, depois, porque há adulteração da figura da taxa - que se chama assim por corresponder a uma contrapartida - transformando-a num imposto que é igual para todos independentemente do salário", explicou aoDN.

Otero sublinhou que desta forma, quem menos ganha será mais penalizado e confessou-se "chocado com esta ideia de cortar cegamente". O professor catedrático acredita que estas medidas virão a ser chumbadas pelo TC.

Também o constitucionalista Jorge Miranda considera que as medidas não resolvem a falta de equidade, preferindo sublinhar a injustiça feita aos pensionistas, "tratados como pessoas de segunda em relação aos trabalhadores no ativo", afirmou, citado pelo DN.

“Não basta resistir. É preciso abrir outro caminho.”

Manuel Alegre à Lusa:

08-09-2012 Lusa

"Estamos perante um desafio de desobediência ao Tribunal Constitucional, acto que revela traços de autoritarismo e falta de sentido de Estado por parte do primeiro-ministro, que nunca aceitou uma decisão que a todos obriga. Estamos também perante um desafio do primeiro-ministro ao Presidente da República, Cavaco Silva, e um desafio à nossa paciência", declarou Manuel Alegre à Lusa sobre as medidas anunciadas ontem pelo primeiro-ministro. Medidas que para o conselheiro de Estado representam "uma grande ofensiva contra os reformados e pensionistas, contra os trabalhadores da função pública e contra os trabalhadores em geral, tendo ficado de fora os altos rendimentos". "Estamos a assistir a uma desforra ideológica do fundamentalismo liberal contra o Estado social. Não basta resistir. É preciso abrir outro caminho", disse Manuel Alegre, para quem "não podem ser só alguns bispos a criticar este capitalismo que está a destruir o pacto social".

"Os socialistas, a esquerda em geral e os defensores da doutrina social da Igreja têm de estar ao lado dos que sofrem e são atingidos. É preciso dizer basta e é preciso mostrar a força popular dos que continuam a acreditar numa democracia com direitos sociais", defendeu Manuel Alegre.
Ainda em relação às medidas de austeridade anunciadas pelo primeiro-ministro, Manuel Alegre considerou que representam "mais um passo para a concretização dos objectivos da ‘troika' Central Europeu, Fundo Monetário Internacional e Comissão Europeia e do Governo, através da desvalorização e desregulação do trabalho".
"Estamos a assistir a uma desforra ideológica do fundamentalismo liberal contra o Estado social. Não basta resistir. É preciso abrir outro caminho", afirmou.
Manuel Alegre lamentou depois que se esteja a verificar no país "um empobrecimento de Portugal e das famílias, a um aumento do desemprego, ao estrangulamento da economia e a uma carga fiscal que ultrapassa todos os limites".
"O Governo e Passos Coelho escolheram o seu caminho, que é um caminho ideológico, de ofensiva global do capitalismo financeiro e especulativo", acrescentou o ex-candidato presidencial e dirigente histórico do PS.

Reorganizar a Justiça: economia, consenso e bom senso

Expresso | sábado, 08 Setembro 2012

O presidente da Associação Sindical dos Juizes Portugueses e as opções da reforma
José Mouraz Lopes
É incontornável a importância da reforma da organização judiciária em Portugal.
Uma geografia da justiça desenhada num século em que se andava a cavalo e cuja economia se sustentava numa base essencialmente agrícola não tem hoje qualquer sentido.
Em Portugal, como em França ou na Itália, iniciaram-se reformas para alterar esta cartografia de matriz napoleónica. A economia parece, no entanto, moldar definitiva e exclusivamente as reformas em curso. Encerrar tribunais, reduzir custos. Foi assim em França e é assim em Itália. Há, no entanto, que ter cuidado com opções tomadas apenas com esse objetivo. Quem, apressadamente e sem qualquer conhecimento da especificidade da justiça, fez reformas sustentadas em opções voluntaristas e assentes em critérios puramente economicistas, teve resultados trágicos. Foi o que aconteceu em França com a reforma do último governo e é, agora, reconhecido pelo Senado francês.
O debate legislativo que se prevê para a próxima sessão legislativa sobre a reforma da organização judiciária não pode ignorar duas questões essenciais: consenso na decisão e planeamento na execução.
Por um lado, o sistema de justiça, porque assente num direito constitucional do acesso à justiça, não pode ser monopólio de opções partidárias conjunturais nem sustentar-se em opções exclusivamente económicas.
A justiça é feita por juizes, advogados e procuradores em nome do povo e para todo o povo. Esse princípio exige que os decisores políticos consigam o máximo consenso possível numa reforma que se pretende ‘estrutural’. Ouvir, atentar e aceitar opiniões de quem trabalha todos os dias no e para o sistema e, também, de quem é o seu destinatário, é a via única para uma construir uma organização judiciária verdadeiramente legitimadora. Os juizes, nesta questão, não serão nunca parte do problema.
Por outro lado a execução das opções legislativas não pode estar refém de calendários eleitorais. O planeamento e a disponibilidade de todos os recursos essenciais à exequibilidade das opções tomadas são a chave para uma boa reforma. Tribunais especializados de acordo com as realidades regionais, juizes e funcionários suficientes ao número de processos, instalações adequadas ao exercício da função jurisdicional e um sistema informático suficientemente poderoso e seguro, são exigências de funcionalidade do sistema que têm que estar efetivamente disponibilizadas no momento de entrada em vigor da reforma.
Tão importante como uma lei é a sua execução. A má execução desta reforma pode comprometê-la irremediavelmente, independentemente da bondade da opção política que lhe está subjacente.