Reiterando o aplauso à iniciativa de José António Barreiros de diálogo «blogosférico» sobre a revisão do Código de Processo Penal, já formulada aqui, aproveito para um comentário sobre a eventual definição normativa de uma prevalência do processo penal, suscitada por José António Barreiros neste postal.
Embora sensível ao factor perturbador de o mesmo Estado formular pronúncias aparentemente contraditórias sobre os mesmos factos em diferentes procedimentos (aqui não provado, ali provado), parece-me perniciosa a eventual fixação genérica de uma prevalência da «verdade» do processo penal.
Como referi aqui: «Aquela verdade judiciária embora seja a única relevante para o fim do concreto processo (por exemplo o exercício da pretensão punitiva do Estado por aquele facto quanto àquele arguido) é apenas uma verdade que nem sempre é a epistemicamente mais forte (nomeadamente porque o juízo judiciário é, ainda, essencialmente fundado nas formas de cognição comuns e muitas vezes por razões jurídico-políticas relacionadas com o fim do processo existir material informativo com valor epistémico que não poder ser utilizado)».
Se então estava a referir-me essencialmente à indagação de factos no processo penal e em procedimentos não judiciários parece-me que tal também é válido para diferentes procedimentos judiciários (por exemplo cíveis, administrativos, de menores e família, fiscais) que sejam apreciados por diferentes instâncias (judiciárias ou não judiciárias).
Os valores em colisão implicam que se deva questionar, categoria por categoria, «se a verdade judiciária, e em particular do processo penal, pode [ou deve] conviver com outras verdades», mas parece-me que quando a questão se suscite entre procedimentos que podem culminar em processos judiciais, as questões devem ser essencialmente ponderadas não em sede de suficiência do processo penal (em que as soluções são determinados pelos valores do processo penal) mas de adesão / separação de processos (em que se têm de equacionar os valores dos vários tipos de processo e a compatibilidade de um único julgamento).
De qualquer modo, propendo, acima de tudo, a considerar, tal como defendi anteriormente a propósito de outras dimensões do valor da «verdade» do processo penal e seus efeitos prejudiciais, que:
«A problematização deste tema e dos valores em colisão, bem como a redefinição política dos espaços de controvérsia social sobre factos que foram (estão a ser ou podem vir a ser) objecto de processos judiciais (em especial de processos penais), parece ser hoje uma exigência e será um bom sinal para a democracia que se superem tabus em nome da discussão racional.
A discussão na esfera pública dos valores em confronto constituirá mesmo uma exigência do Estado de direito, sob pena de tratamentos desiguais nesta matéria serem não propriamente fundados em variáveis objectivas e questões de princípio mas estritamente na competência de acção dos envolvidos».
PS- Refira-se que a expressão de um princípio de prevalência do processo penal constava da redacção do art. 180.º, nº 5, do CPenal revogada pela Lei 65/98, quando, relativamente ao crime de difamação, limitava a faculdade de prova da verdade do facto imputado que constituísse crime «à condenação por sentença transitada em julgado». Sempre discordei dessa excepção que limitava a liberdade de expressão responsável (já que condicionada pela demonstração da veracidade dos factos) relativamente a determinados factos pela mera circunstância de os mesmos serem tutelados como crime (ou seja eventualmente mais graves do que outros que já poderiam ser imputados com lesão da honra do visado). Embora conexa com o objecto deste postal esta questão, contudo, suscita outros problemas, se calhar muito ligados à nossa cultura nacional e não compatíveis com este mero comentário (que aliás já vai demasiado longo).
Embora sensível ao factor perturbador de o mesmo Estado formular pronúncias aparentemente contraditórias sobre os mesmos factos em diferentes procedimentos (aqui não provado, ali provado), parece-me perniciosa a eventual fixação genérica de uma prevalência da «verdade» do processo penal.
Como referi aqui: «Aquela verdade judiciária embora seja a única relevante para o fim do concreto processo (por exemplo o exercício da pretensão punitiva do Estado por aquele facto quanto àquele arguido) é apenas uma verdade que nem sempre é a epistemicamente mais forte (nomeadamente porque o juízo judiciário é, ainda, essencialmente fundado nas formas de cognição comuns e muitas vezes por razões jurídico-políticas relacionadas com o fim do processo existir material informativo com valor epistémico que não poder ser utilizado)».
Se então estava a referir-me essencialmente à indagação de factos no processo penal e em procedimentos não judiciários parece-me que tal também é válido para diferentes procedimentos judiciários (por exemplo cíveis, administrativos, de menores e família, fiscais) que sejam apreciados por diferentes instâncias (judiciárias ou não judiciárias).
Os valores em colisão implicam que se deva questionar, categoria por categoria, «se a verdade judiciária, e em particular do processo penal, pode [ou deve] conviver com outras verdades», mas parece-me que quando a questão se suscite entre procedimentos que podem culminar em processos judiciais, as questões devem ser essencialmente ponderadas não em sede de suficiência do processo penal (em que as soluções são determinados pelos valores do processo penal) mas de adesão / separação de processos (em que se têm de equacionar os valores dos vários tipos de processo e a compatibilidade de um único julgamento).
De qualquer modo, propendo, acima de tudo, a considerar, tal como defendi anteriormente a propósito de outras dimensões do valor da «verdade» do processo penal e seus efeitos prejudiciais, que:
«A problematização deste tema e dos valores em colisão, bem como a redefinição política dos espaços de controvérsia social sobre factos que foram (estão a ser ou podem vir a ser) objecto de processos judiciais (em especial de processos penais), parece ser hoje uma exigência e será um bom sinal para a democracia que se superem tabus em nome da discussão racional.
A discussão na esfera pública dos valores em confronto constituirá mesmo uma exigência do Estado de direito, sob pena de tratamentos desiguais nesta matéria serem não propriamente fundados em variáveis objectivas e questões de princípio mas estritamente na competência de acção dos envolvidos».
PS- Refira-se que a expressão de um princípio de prevalência do processo penal constava da redacção do art. 180.º, nº 5, do CPenal revogada pela Lei 65/98, quando, relativamente ao crime de difamação, limitava a faculdade de prova da verdade do facto imputado que constituísse crime «à condenação por sentença transitada em julgado». Sempre discordei dessa excepção que limitava a liberdade de expressão responsável (já que condicionada pela demonstração da veracidade dos factos) relativamente a determinados factos pela mera circunstância de os mesmos serem tutelados como crime (ou seja eventualmente mais graves do que outros que já poderiam ser imputados com lesão da honra do visado). Embora conexa com o objecto deste postal esta questão, contudo, suscita outros problemas, se calhar muito ligados à nossa cultura nacional e não compatíveis com este mero comentário (que aliás já vai demasiado longo).