sábado, 9 de junho de 2012

CAMILO E ANA PLÁCIDO

Prova indiciária e presunção de inocencia no processo penal


Cordón Aguilar, Julio César, Prueba indiciaria y presunción de inocencia en el proceso penal, Editora: Instituto Vasco de Derecho Procesal, San Sebastián 2012, ISBN: 9788487108778

Resumo do Livro:
A tese contém três capítulos, o primeiro dedicado ao estudo da evidência circunstancial sob a teoria geral da actividade probatória, o segundo, por sua vez, visa identificar os elementos específicos que nos permitem afirmar a compatibilidade de evidências circunstanciais e do direito à presunção de inocência no processo penal, e, finalmente, o terceiro envolve a análise de vias específicas que permitem o controle de provas circunstanciais, como um mecanismo eficaz para garantir a protecção dos referido direito fundamental.

Habilidades de actor para advogados


Mathis, Laura, Acting skills for lawyers, Editora: American Bar Association, Chicago 2012, ISBN: 9781616329327
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Resumo do Livro:
Para o advogado, a investigação e comunicações escritas são apenas metade da batalha. Neste livro inovador aprende-se a desenvolver e utilizar presença de palco, usar a voz e gestos e gestos de actor, desenvolver personagens para diferentes públicos, discursos eficazes, adoptar o papel de apresentador de talk-show para depoimentos, improvisar em situações inesperadas, ser o treinador de actores para o seu testemunho, usar as habilidades de monólogo em seus argumentos finais, e até mesmo tirar a foto perfeita 

Prova pericial de contabilidade


Balagué Doménech, José C., La prueba pericial contable en las jurisdicciones civil, penal, contencioso-administrativa y laboral, Editorial Bosch, S.A. Barcelona 2012, ISBN: 9788497909679

Resumo do Livro:
Obra imprescindible para economistas, titulados mercantiles, censores de cuentas y auditores que actúan ante los tribunales de justicia en funciones de perito judicial, interesados en actualizar sus conocimientos de derecho procesal en lo referente a la prueba pericial contable y/o económica, así como para profesionales sin experiencia judicial que deseen iniciarse en esta especial clase de prueba. No menos interesante resulta para los abogados en la preparación del escrito de demanda o su contestación, en orden a dilucidar dudas sobre cómo plantear una prueba pericial contable y/o económica favorable a las pretensiones del cliente, sabiendo que, aún cuando la prueba no es vinculante para el juzgador, un dictamen o informe deducido de una prueba pericial contable y/o económica perfectamente practicada puede decidir el resultado del pleito.

Advogados à mesa do "ajuste directo"


Nos primeiros cinco meses do corrente ano, os contratos por ajuste directo já renderam às sociedades de advogados cerca de 3,7 milhões de euros. E ainda a procissão vai no adro...
Os grandes escritórios de advogados recebem o grosso da fatia, sobretudo os contratos mais importantes, mas há sociedades de menor dimensão que também não se podem queixar do "bodo" financeiro que representam estes acordos por ajuste directo. É claro que, como em todas as actividades profissionais altamente competitivas, a dimensão é um posto, não só porque é geradora de redes mais oleadas de influência, mas porque os maiores escritórios têm condições para recrutar os melhores parceiros.
O Banco de Portugal (BdP) pagou, em dois anos, 1,2 milhões de euros a duas das principais firmas de advogados do país, a Vieira de Almeida e a Sérvulo Correia.
O escritório de Vasco Vieira de Almeida – o próprio já foi ministro e presidente de um banco – assinou em 2011 um contrato de 650 mil euros com o banco central para prestar assessoria jurídica e representação forense por três anos. Em 2009, a 'cereja' coubera à Sérvulo, para prestar o mesmo serviço.
Entre 2009 e Maio último, a Vieira de Almeida, onde trabalham mais de 150 advogados, facturou por ajuste directo mais de 2,4 milhões de euros. A parcela de 2011 ultrapassa os 795 mil.
A lista de clientes do sector público inclui, além do BdP, a Estradas de Portugal, a RTP, institutos financeiros e câmaras municipais. Um contrato com a empresa de gestão rodoviária rendeu, o ano passado, mais de 320 mil euros à sociedade do antigo ministro que a par do recheado portefólio estatal tem uma concorrida carteira de clientes do sector privado, representando bancos e, ao mesmo tempo, sindicatos bancários, sociedades financeiras e grandes empresas.
A Sérvulo e Associados, que curiosamente teve participação activía na equipa que elaborou o código dos contratos públicos em vigor, é outro porta-aviões da advocacia em Portugal e, por essa via, campeã dos ajustes directos. Em 2010 e 2011 recebeu cerca de 4 milhões de euros. No ano anterior foram 3,9 milhões. Este ano, entre Janeiro e Maio, só conseguiu 6 contratos que somam 352 mil euros. O primeiro foi rubricado logo em Janeiro, com EP Estradas de Portugal, no valor de 190 mil euros, para prestação de assessoria geral, um recurso que a empresa pública que gere o parque rodoviário diz não possuir.
Em 2011, o contrato com a mesma entidade rendera 320 mil euros.
Melhor foram os quatro contratos em 2009, com a Administração da Região Hidrográfica do Norte, que representaram um encaixe superior a 1,3 milhões de euros. Este instituto público tutelado pelo Ministério do Ordenamento do Território e de Desenvolvimento Regional, que tratava do planeamento hídrico, foi entretanto extinto.
A Sérvulo e Associados reflecte o es tirito empreendedor e influente de José Manuel Sérvulo Correia, 75 anos, que ainda hoje é sócio principal. Especialista em direito administrativo, advogado desde 62 e professor universitário jubilado, foi secretário de Estado da Emigração no governo provisório de Pinheiro de Azevedo e deputado. No final da década de 70 pertencia à equipa jurídica do Banco de Portugal. Ironia do destino, em 2009 seria a sua firma a tratar da assessoria jurídica ao banco.
José Manuel Júdice, ex-bastonário dos advogados, Nuno Morais Sarmento, ex-ministro de Estado no governo de Santana Lopes, Pais Antunes, ex-secretário de Estado do Trabalho, João Medeiros, o advogado do Jorge Silva Carvalho, o espião caído em desgraça. São quatro dos mais conhecidos rostos da PLMJ, a sociedade de advogados que este ano já conseguiu três contratos por ajuste directo no valor de 36 mil euros. Em 2009 facturou 610 mil, no ano seguinte 524 e em 2011, 418 mil euros. Um dos contratos mais elevados foi celebrado em 2010 (ainda está em vigor) com o Município de Silves, que pagou 200 mil euros à PLMJ por 3 anos de apoio jurídico. Já este ano, a firma foi contratada em três ocasiões para representar o Instituto Superior de Engenharia de Lisboa em outros tantos processos judiciais. O ajuste directo ascende a 36 mil euros.
Nadar com 'tubarões'
A Paz Ferreira, liderada pelo advogado açoriano Eduardo Paz Ferreira, embora seja um escritório de menor dimensão, quando comparado com os anteriores, revela razoável performance no que diz respeito à conquista de ajustes directos. Em 2011 foram 376 mil euros, ainda assim cerca de metade do que conseguira no ano anterior. Este ano, o ritmo continuou a abrandar, mas a sociedade conseguiu um contrato de 35 mil euros com a Câmara Municipal de Oeiras para uma tarefa que durou 15 dias.
O ajuste é dos poucos que no portal Base dos contratos públicos tem preenchido o campo da "fundamentação da necessidade de recurso ao ajuste directo". Alega a autarquia num extenso articulado que a contratação de uma firma externa de advocacia se justificou dada a urgência de registar declarações de mais de 50 pessoas (presidente da Assembleia Municipal, vereadores e deputados municipais que votaram favoravelmente as deliberações relativas às PPP) em resposta ao resultado de uma auditoria do Tribunal de Contas a três parcerias público privadas (PPP) em que foram investidos 81 milhões de euros.
O Crime de 07-06-2012

Morada de pedófilos vai ser revelada a escolas e vizinhos


Ministra da Justiça avança, até ao final do ano, com o registo de agressores sexuais de menores. Grau de perigosidade dos condenados dita quem é informado da identidade e localização.Polícia, escolas e vizinhança serão avisados caso residam pedófilos na zona. Lista levanta polémica.
Há mais de dez anos que Paula Teixeira da Cruz defendia que Portugal devia referenciar os agressores sexuais de menores e divulgar, de forma restrita e controlada, a sua identidade, foto, morada, crime e condenação. Como advogada nunca conseguiu apoio. Agora, um ano passado com a tutela da Justiça, a ministra vai avançar com a medida: até dezembro será criado um registo nacional de abusadores de crianças, cujos dados serão transmitidos às autoridades policiais, escolas e creches da zona de residência dos pedófilos. Nos casos mais graves, o alerta estende-se aos vizinhos.
"Imagine-se um homem que foi condenado por ter abusado e matado uma criança. As pessoas que moram no prédio e que tenham filhos têm de ser avisadas", defende a ministra da Justiça. E sustenta a decisão com números: "Mais de 90% destes agressores são reincidentes, é uma compulsão. A possibilidade de voltarem a abusar de uma criança é elevada. Temos de saber onde estão". Apesar de inspirado na Lei de Megan norte-americana , o modelo de referenciação português, ainda em estudo, vai impor limites para a divulgação dos perfis dos abusadores: "A lista não vai estar acessível a quem quiser, na internet. O modelo vai funcionar de cima para baixo. É o sistema judicial que decide quem deve ser informado, de acordo com a perigosidade do condenado", garante a ministra.
Os agressores sujeitos a penas mais leves só deverão ser referenciados às forças de segurança da sua zona de residência. À medida que aumenta a gravidade do crime multiplicam-se também as entidades informadas pela Justiça sobre o paradeiro do agressor sexual: escolas, creches, ATL e outras instituições locais que trabalham diretamente com crianças. E por fim, os vizinhos. Para evitar perseguições ou violência contra os abusadores, quem recebe a informação é obrigado ao dever de sigilo. "Está prevista a possibilidade de haver proteção para os condenados que constam da lista", adianta a ministra.
O sistema de referenciação vai ser criado graças à transposição para o quadro legal nacional da nova diretiva da União Europeia relativa à luta contra o abuso e exploração sexual de crianças e pornografia infantil. Aprovada em dezembro de 2011, permite aos Estados-membros criar "registos de autores de crimes sexuais", cabendo a cada país definir as regras da divulgação: "por exemplo, limitando o seu acesso às autoridades judiciais e/ou policiais", sugere o documento.
Sem efeitos retroativos, a lista nacional de agressores sexuais só incluirá indivíduos condenados após a transposição da diretiva. Ninguém será informado do paradeiro dos agressores sexuais condenados e atualmente em liberdade, nem da libertação e morada dos quase 300 abusadores que cumprem agora pena nas cadeias portuguesas.
Constitucional ou pena sem fim?
Marinho Pinto, bastonário da Ordem dos Advogados, desconhece o diploma em detalhe — a Ordem não foi consultada neste processo — mas duvida da constitucionalidade da referenciação de agressores sexuais que já cumpriram a pena a que foram condenados: "Em relação a este assunto há duas abordagens. Se se trata de um caso clínico, de uma compulsão sexual incontrolável, então a pessoa tem de ser tratada clinicamente. Se é um caso criminal, a pessoa é julgada, cumpre a pena e não pode ser estigmatizada nem perseguida por isso. A Constituição da República Portuguesa não o permite. A sua dívida para com a sociedade está saldada. O facto de existir noutros países não significa que tem de existir cá".
O constitucionalista Pedro Bacelar Vasconcelos não censura, à partida, que a ministra avance com este tema, mas quer vê-lo discutido, "de forma profunda e muito concreta", por vários setores da sociedade. "Estão em causa Direitos Fundamentais cujas lesões têm de ser ponderadas. O valor que é o da proteção dos menores pode justificar a abordagem, mas é preciso avaliar a sua adequação e proporcionalidade. Uma coisa será, por exemplo, que a pessoa se apresente periodicamente numa esquadra, outra bem diferente será os vizinhos saberem onde mora. Isso é uma pena para a vida".
Nuno Garoupa é professor de Direito na Universidade de Illinois: vive nos EUA, o país pioneiro das listas de agressores sexuais de menores. "Esta medida colide com os direitos dos referenciados na lista, mas esses direitos não são absolutos", diz o académico.
Nos EUA todos os Estados são obrigados a ter um registo de abusadores, sendo que o conteúdo e divulgação varia de Estado para Estado. "O trabalho académico mostra que o registo é mais eficaz na prevenção e dissuasão da delinquência sexual quanto mais público for. Mostra também que o registo favorece a reincidência. Temos pois uma difícil equação de custo-benefício", remata. Dulce Rocha, vice-presidente do Instituto de Apoio à Criança, centra-se nos benefícios. É a "reincidência elevadíssima" deste tipo de agressor que a faz pender para a defesa da referenciação: "Prova que nestes casos a pena, só por si, não cumpre os objetivos de ressocialização e reinserção", explica. Mas a procuradora gostava que a ministra da Justiça fosse mais longe e instituísse também a avaliação do grau de perigosidade dos condenados: uma 'má nota' perpetuaria a pena dos agressores sob a forma de medidas de segurança.
Um ano antes do prazo
Paula Teixeira da Cruz tinha até 18 dezembro de 2013 para transpor a diretiva. Antecipa-se num ano ao prazo. Diz que era uma prioridade do Executivo, que "há muito por fazer" em termos de legislação de proteção de menores. O diploma europeu dá-lhe ainda — e a todos os ministros da Justiça da UE — mais armas de combate ao abuso sexual de crianças. Quem investiga, por exemplo, deverá poder recorrer a escutas, vigilância por meios eletrónicos, monitorização de contas bancárias ou até mesmo criar uma identidade falsa na internet.
Mas a nova diretiva também quer os países a trabalhar na reinserção e reabilitação dos condenados: "Deverão ser propostos aos agressores sexuais programas ou medidas de intervenção, de caráter facultativo, centrados nos aspetos médicos e psicossociais".
Neste ponto, a ministra já leva o trabalho avançado. Desde 2009 que a Direção-Geral de Serviços Prisionais tem em curso um Programa de Intervenção Dirigido a Agressores Sexuais. Estruturado pelo psicólogo Rui Abrunhosa Gonçalves funciona em três cadeias — Carregueira, Paços de Ferreira e Funchal — e é "voluntário, o que lhe tira 'clientela'. Anualmente, apenas 15 a 18 reclusos aceitam participar, em cada prisão. No ano passado foram 52 os que frequentaram, em acumulado, as sessões. No início de 2012 já eram só 20. Depois de três anos de programa, a maioria continua a sair em liberdade sem passar por qualquer intervenção específica.

Megan e Sarah mudaram a lei dos EUA e de Inglaterra
Megan Kanka tinha sete anos quando foi violada e morta pelo vizinho da frente, em Hamilton, nos EUA, em julho de 1994. O homicida, soube-se depois, tinha antecedentes por abuso sexual de menores. Os pais de Megan não pararam até convencerem o Senado a aprovar uma lei que obrigasse à referenciação e divulgação pública do perfil e morada de abusadores: não queriam que mais nenhum pai perdesse um filho por desconhecer que havia um pedófilo na sua rua. Hoje, a Lei de Megan vigora em todos os estados — só varia o grau de acesso aos perfis. Na Califórnia basta ir a www.meganslaw.ca.gov e procurar no mapa do Estado quem mora numa rua, área de código postal, cidade ou pesquisar por parque infantil ou escola. O perfil do pedófilo inclui foto, nome, morada, altura, peso, cor do cabelo e olhos, etnia, cicatrizes e tatuagens e crime cometido.
Em Inglaterra outro crime inspirou nova lei. Sarah Payne tinha sete anos quando desapareceu em West Sussex, em julho de 2001. Foi encontrada 17 dias depois, morta num campo de milho. Roy Whiting, um pedófilo reincidente, foi condenado.
Os pais encetaram uma campanha semelhante à dos pais de Megan. Também queriam ter acesso público à identificação dos 110 mil abusadores referenciados em Inglaterra. O jornal "News of The World" juntou-se à luta e publicou fotos e moradas de 50 agressores. Em 2011, o Governo anunciou que a Lei de Sarah seria implementada.

REPORTAGEM
Carregueira é uma das três prisões com programa para evitar reincidência de condenados por abuso sexual
"Faltam quatro anos para lhe pedir desculpa"
Sessões diferentes para abusadores de menores e violadores. Há cada vez mais condenados
Tem 34 anos, está a cumprir pena no Estabelecimento Prisional (EP) da Carregueira, em Sintra, condenado a oito anos e seis meses por violação de uma rapariga. Na sua voz há uma vontade convicta, trabalhada, que só as grades impedem de concretizar no imediato: "Faltam quatro anos e nove meses para lhe pedir desculpa. Quando sair vou ter com ela e peço desculpa pelo que lhe fiz". Durante quase um ano frequentou o Programa de Intervenção Dirigido a Agressores Sexuais. "Aquilo mudou-me", diz Rui*.
Todas as semanas, uma hora e meia na conversa, em grupo, com um psicólogo e outros reclusos condenados pelo mesmo crime, 44 sessões no total a falar sobre o que fizeram, os motivos, as vítimas, as fantasias, a consciência emocional e como evitar que reincidam. É quase uma reunião de anónimos, numa sala sem nome. Nos altifalantes, os reclusos são chamados pelo número mas sem mencionar para quê ou para onde. Quem chama sabe, quem é chamado também.
Um encontro daqueles às claras denunciaria os crimes de cada um. E numa cadeia ninguém confirma a ninguém que é agressor sexual, que é 'viola'. A alcunha é uma marca, uma distinção negra. São olhados de lado por todos. Entre pares, cometeram o pior crime. Mas, pelo menos em número, violadores e abusadores de menores estão a ganhar presença nas cadeias.
No início de 2012, eram 586 os reclusos a cumprir pena por crimes sexuais, mais 8l em dois anos. A subida é ainda maior nas condenações por crimes contra menores (abuso, lenocínio, tráfico e pornografia), que aumentaram quase 20%, sendo já superiores às de violação. O crescimento, aliás, começa cá fora. Em 2011 os órgãos de polícia criminal registaram mais 95 participações de crimes contra crianças, adolescentes e dependentes (783 no total), com os casos de lenocínio e pornografia de menores (89) a dispararem 37%. As violações (374) desceram. O programa de prevenção da reincidência arrancou em 2009, concebido pelo psicólogo Rui Abrunhosa Gonçalves, que deu formação a 22 técnicos de 11 prisões. Antes disso, os agressores sexuais saíam em liberdade sem que nenhum trabalho fosse feito para evitar recaídas. Durante a pena, iam a consultas de clínica geral, alguns ao psicólogo e poderiam, no máximo, tomar fármacos para a ansiedade. Os medicamentos inibidores do desejo (castração química) não são permitidos em meio prisional.
As sessões só decorrem nos EP da Carregueira, Paços de Ferreira e Funchal e a frequência é voluntária, o que faz com que poucos reclusos aceitem participar. Têm uma média de 35 anos, a pena a cumprir ronda os sete anos e meio e a maioria não assume o crime. "Os poucos que aceitam entrar no programa acham que obtêm vantagens na redução da pena ou na conquista de precária. Quando percebem que não acontece, que têm de admitir o crime, desistem. Temos 70% de abandono. Chegam a acabar o programa apenas dois ou três homens. E isso é um problema, porque só pena, só castigo, não resolve nada", explica o psicólogo Vítor Vieira, um dos dois coordenadores do programa na Carregueira. Aqui, cerca de metade dos reclusos cumpre pena por crimes sexuais: chamam-lhe a 'prisão dos inocentes', tal é o número de condenados em negação.
Falar de emoções pela primeira vez
Rui já não diz que é inocente. Mas disse durante anos, quando o prenderam, quando foi julgado. E jurou-o à mulher e ao filho ainda sem idade para perceber. E disse convicto. "Mentia a mim mesmo. Convenci-me que tinha sido sexo consentido, inventei mil histórias, a vítima era eu".
Garante que foi o programa, as explicações dos psicólogos cheias de exemplos, a partilha de histórias semelhantes que o mudaram. "Parece estúpido, mas tive de aprender que o sexo não pode ser forçado, um 'não' significa 'não'. É como quando queremos passar a fronteira, entrar noutro país: precisamos de passaporte, de autorização. Nas relações sexuais também. Mesmo com a nossa mulher. Puseram-me a pensar na vítima, a sentir o que ela sentiu. Senti vergonha, arrependimento. Já disse a verdade à minha família".
Nas prisões onde o programa está ativo, os reclusos foram divididos em dois grupos: violadores e abusadores de menores. Era impossível misturá-los. "Seria como juntar raposas e lobos. Iria provocar inibição, além de que são criminosos muito diferentes", explica Vítor Vieira. As primeiras sessões são de motivação para a mudança, para a aceitação do crime. Só depois se avança para coisas mais profundas, como a consciência emocional, a empatia pela vítima, as fantasias e a sexualidade. No fim ensina-se a prevenir a recaída. "É um programa semelhante ao dos toxicodependentes, com várias fases para não reincidirem. A maioria fala aqui, pela primeira vez, das suas emoções", conta o técnico da Carregueira.
Jorge Monteiro, diretor do programa na Direção Geral de Serviços Prisionais (DGSP), reconhece que a frequência está aquém do desejado. "Toda a intervenção em meio prisional é voluntária. Insistimos com os reclusos que estão no fim da sentença, mais perto da liberdade, mas este é um programa difícil, de elevada ativação emocional, que implica alterar atitudes, crenças. Ainda assim, a avaliação já feita mostra uma alteração do comportamento dos participantes". "Não percebia como fiz tal coisa" Paulo*, 38 anos, está a dois anos e quatro meses da liberdade. O tribunal condenou-o a quase seis por ter abusado de uma menina do seu núcleo familiar. "Pedi ao juiz para ir para uma prisão onde me ajudassem. Sempre disse que era culpado, mas não conseguia perceber nem explicar como fiz tal coisa", conta, na sala de visitas do EP da Carregueira. E enquanto conta parece quase feliz. "Nunca me senti tão livre. Se abrissem as portas não fugia. Sinto um alívio. Aquelas sessões deram-me uma maturidade que nunca tive. Ali tirei a angústia que trazia dentro. Quem tenha ainda um pingo de cabeça não está bem com isto, é como um nó sempre a apertar. Conheci-me, reconheci os pontos fracos, falei do meu pai alcoólico, da falta de amor da minha mãe, da saída de casa aos 18..."
Trabalhador da construção civil, duas filhas, punha no álcool as culpas pelo crime. "Sei agora que a bebida foi só a ignição. Estava sozinho, deprimido, e encontrei alguém vulnerável, acessível, que me dava atenção... Agora sei reconhecer e evitar as situações de risco: não posso beber; se estiver ao pé de crianças e as fantasias voltarem devo afastar-me e pedir ajuda médica; e tenho de evitar a solidão, praticar desporto, meditar... Deram-me as ferramentas para não cair em tentação quando sair".
Raquel Moleiro e Ricardo Marques
Expresso de 09-06-2012
(Nomes dos arguidos fictícios, a pedido dos mesmos)

Polícias impedidos de recolher ADN para investigar



Base de dados de ADN em risco

Membros do Conselho de Fiscalização da Base de Dados de ADN demitiram-se devido a ausência de respostas do poder político.

Recolhas só são possíveis depois de os suspeitos passarem a arguidos. Responsáveis da base de dados demitiram-se.
Mais um tiro no moribundo. A base de dados de ADN, com que a polícia sonhava por ser uma ferramenta científica indispensável no combate ao crime mais violento, está a morrer desde que foi criada, há quatro anos. Não há perfis suficientes para trabalhar de forma eficaz e as regras para recolher vestígios são apertadas; há leis que se contradizem, outras que faltam e mais algumas duvidosas; o dinheiro é pouco e as decisões políticas não existem. E agora o processo corre o risco de parar de vez. Os três membros do Conselho de Fiscalização (CF), a quem cabe garantir a regularidade dos atos realizados na base de dados e sem os quais estes poderão não ser legais, pediram a demissão.
A carta em que o juiz-conselheiro Simas Santos e as professoras de Direito Helena Moniz e Paula Faria renunciam aos cargos seguiu por correio registado para a presidente da Assembleia da República, de quem depende o CF, no dia 23 de maio. Ou seja, há duas semanas. Até hoje não houve qualquer resposta. Simas Santos nem sequer tenta mostrar-se surpreendido. "Temos sido autênticos cavaleiros andantes contra a inércia. Mas durante todo este tempo apenas encontrámos paredes."
A imagem é útil. Junto à porta de saída, Simas Santos enumera problemas como quem espalha quadros pela parede. Nem lhe é difícil avançar com o primeiro, o mais próximo: "A Lei Orgânica do Conselho de Fiscalização, indispensável para que funcione, ainda não existe e devia ter sido aprovada em 2008." O resto? A lei da base de dados colide com o que está previsto no Código de Processo Penal para a recolha de prova. Os polícias não podem recolher amostras de meros suspeitos, mesmo consentidas — só de arguidos. Os magistrados do Ministério Público são pouco sensíveis à inserção de vestígios (anónimos) recolhidos nos locais e por regra não o fazem. Os juizes nem sempre ordenam a recolha de perfis de condenados a pena igual ou superior a três anos. E ainda falta transpor legislação europeia para Portugal, reforçando a cooperação internacional.
Mas, afinal, o que é que está na base de dados? "Números. Apenas números", garante uma fonte judicial. "Não há qualquer informação pessoal. Há mais dados sobre uma pessoa na fatura da água ou da luz." Na prática, explica, cada perfil genético (seja de um indivíduo ou de um vestígio) corresponde a um código de barras único, com marcadores genéticos específicos. A pesquisa trata de identificar perfis com um número mínimo de marcadores comuns (12 em Portugal). "Mas para ser eficaz a base tem de ter dados. Na Alemanha há mais de 500 mil perfis. Em França e Espanha há um milhão", refere.
Em Portugal, segundo o Instituto Nacional de Medicina Legal (INML), existem 670 perfis. "A inserção de pelo menos 70 mil a 80 mil perfis de ADN é condição de eficácia de qualquer biobanco", assegura Maria José Morgado, diretora do DIAP de Lisboa, para ilustrar a dimensão do problema. A consequência? "A impunidade alargada. O aumento das dificuldades em reduzir o crime violento contra as pessoas ou contra o património e a criminalidade grave. Não é possível quantificar as consequências por não existir um verdadeiro sistema informático para análise e tratamento de dados. A ignorância descansa-nos a todos?", questiona.
Suspeitos e precauções
Carlos Figueira, procurador do DIAP de Lisboa, recorre a um caso limite para mostrar o que diz estar errado. "Tendo dez suspeitos de um crime de violação, que não passem de suspeitos, mas sabendo-se que entre eles está o autor material do crime, o drama será a impossibilidade de prosseguir, pois o exame (recolha de ADN) apenas pode ser ordenado quanto a arguidos já constituídos." Isto porque a constituição de arguido pressupõe que exista uma fundada suspeita sobre alguém. O ADN passa de determinante a acessório.
Helena Moniz, professora na Faculdade de Direito de Coimbra e membro do CF demissionário, já ouviu este argumento antes. Mas responde sempre que a recolha de ADN, por interferir com direitos fundamentais dos cidadãos, tem de ser encarada com todas as precauções e não como "apenas mais um meio de prova como outro qualquer". "Neste momento, nos EUA, onde o ADN é muito usado, começa a surgir uma discussão séria sobre o recurso a este tipo de prova", assegura, mesmo reconhecendo que há vários aspetos da lei que regula a base de dados que deviam ser alterados.
Em Portugal, os perfis de condenados a penas superiores a três anos deviam já estar na base de dados, por ordem dos juizes. E os vestígios recolhidos na investigação também, mediante despacho do Ministério Público (as chamadas amostra-problema). "Uma singularidade portuguesa, que não ocorre em mais nenhum país, onde as polícias fazem esse trabalho de forma independente", admite um investigador.
Simas Santos lembra que, a par da ação omissa dos magistrados, o preço da recolha de amostras de ADN no INML é outro dos problemas. Duarte Nuno Vieira, presidente do INML (de quem o CF depende financeiramente, apesar de o fiscalizar), rejeita, em resposta por escrito, esse argumento. "Se o principal problema fosse o custo acrescido da análise, esperar-se-iam muito mais perfis de amostras-problema (em que não há custos acrescidos por mandar inserir o perfil na base de dados) do que de condenados (custa €204 por pessoa), sendo exatamente o oposto que se verifica", explica.
Na hora da partida, o juiz-conselheiro Simas Santos esperava sair em silêncio. "Sempre optámos pelo low-profile. Apresentámos relatórios anuais e propostas ao Parlamento e nunca obtivemos resposta. Pedimos uma audiência com a ministra da Justiça e disseram-nos que ela estava a estudar os dossiês. A presidente do Parlamento disse-nos que ia sensibilizar os grupos parlamentares, mas nada mudou." Ao Expresso fonte do gabinete de Assunção Esteves garantiu que o problema está a ser acompanhado. "O Gabinete da Presidente da Assembleia da República com o presidente da 1.ª Comissão encontrarão, com certeza, uma saída".
A importância de um fio de cabelo
Num mundo ideal, basta um minúsculo fio de cabelo caído numa casa assaltada para começar um tratado sobre ADN. Esse cabelo é analisado e convertido numa espécie de código de barras.
A seguir, é comparado com todos os perfis existentes na base de dados, à procura de uma correspondência (um número mínimo comum de marcadores/características únicas): pode ser um indivíduo ou um vestígio encontrado noutro local de crime. Maria José Morgado diz ao Expresso que, em 2010, o estado de Virginia, nos EUA, "solucionou 288 crimes exclusivamente com recurso ao vínculo entre o material genético recolhido na cena do crime e o de uma pessoa detida ou suspeita".
A lei portuguesa impõe, no entanto, uma série de regras apertadas para que possa ser feita a recolha de ADN durante uma investigação. Carlos Figueira, do DIAP, considera que "o excesso de garantias é tão mau como a falta delas. Acaba por não se compreender que a tecnologia que existe em Portugal não possa estar ao serviço do interesse público".
Duarte Nuno Vieira, do INML, lembra que existem defensores de uma lei menos exigente, bastando que haja uma solicitação da polícia para a recolha de ADN.
"No entanto, tal proposta foi recentemente criticada publicamente por elementos da Comissão Nacional de Proteção de Dados, com o argumento de que os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos estão mais salvaguardados se houver intervenção de um magistrado", lembra o diretor do INML
Ricardo Marques 
 Expresso de  09-06-2012