1. Assolados pela tragédia que
varre o país, quedamo-nos, muitas vezes, sem ânimo para continuar a pensar e
promover medidas simples que, sem custos adicionais, podem ajudar a vida dos
outros, mesmo antes de termos conseguido contornar, de novo, o cabo da Boa
Esperança.
Temos, todavia, todos de ter a capacidade e a calma para ir
imaginando agora as medidas concretas que poderão constituir a base de uma
alternativa global à via-sacra - que não queremos - mas que nos obrigam a
percorrer.
Muitas delas, apesar de estarem ao nosso alcance, só não são
assumidas, desde já, devido ao marasmo instalado e ao peso das mesmas opções
ideológicas e dos mesmos interesses que produziram a catástrofe.
Elas existem de facto, podem ser concretizadas com ou sem troika
e, se assumidas com empenho democrático, contribuirão, decerto, para ir
edificando uma alternativa credível ao actual estado das coisas.
2. A tese de João Paulo Dias sobre as actuais possibilidades de o
MP português, com os meios de que dispõe, concorrer para uma melhor, mais
eficaz e económica justiça constitui um bom exemplo do que acabo de afirmar.
Verificado, por exemplo, o menor reconhecimento que alguns dos
chamados “meios alternativos” de justiça conseguiram entre os cidadãos e
constatada, além disso, a utilização perversa que, em alguns casos, deles é
feita, será porventura a hora de, sem delongas, reactivar todas as
possibilidades oferecidas por uma instituição instalada e com a experiência do
MP.
O próprio Conselho da Europa, de início tão reticente, realçou,
recentemente, a importância das outras funções que o MP pode desenvolver e que
não o limitam ao exercício da acção penal.
Não se preconiza, é óbvio, um retorno a métodos artesanais,
ultrapassados e burocráticos, de resolução dos problemas dos cidadãos e que os
reconduzam, prioritária e recorrentemente, a soluções contenciosas.
Antes, acreditamos - no esteio de JP Dias - que, por exemplo, o já
tradicional e reconhecido serviço de atendimento dos cidadãos do MP pode
contribuir, se pensado e actualizado com técnicas modernas, para, precisamente,
diminuir a litigância e aumentar a eficiência e a confiança no sistema de
justiça, sem por isso diminuir os direitos de cidadania.
Embora na reforma do mapa judiciário esta questão não tenha sido
directamente abordada, nada impede, porém, que a PGR e as procuradorias
distritais tomem a iniciativa e estabeleçam protocolos com as autarquias, cujos
tribunais venham a ser encerrados, para aí manter um regular e próximo serviço
de atendimento dos cidadãos, mesmo que em regime ambulatório.
Naturalmente, tal serviço pode e deve ser hoje alvo de uma
aprendizagem e de uma qualificação funcional que, além de o optimizar,
gratifique e mobilize profissionalmente os magistrados encarregados de tal
tarefa.
O que não se entende em caso algum, e menos ainda nas actuais
circunstâncias, é o desperdício funcional e financeiro das potencialidades -
não onerosas - que o MP pode oferecer ao país.
Temos de aprender a ultrapassar um certo “reformismo modernaço”,
falsamente tecnocrático - mas, na verdade, apenas ideológico e
interesseiramente determinado - que conduziu ao esbanjamento e, ao mesmo tempo,
a uma menor qualidade nos serviços de apoio e acesso à justiça.
Uma verdadeira reforma do Estado pode e deve passar por aí: por
utilizar todas as potencialidades já instaladas antes de contratar outras
novas, mais caras e nunca anteriormente testadas.
Jurista e presidente da MEDEL