quarta-feira, 1 de março de 2006

O PRINCÍPIO DA DELICADEZA NO CONTEXTO JUDICIAL

A comunicação e a linguagem no contexto judicial são temas de grande importância mas que têm sido pouco tratados em Portugal, particularmente o tema da linguagem.
“Máximas conversacionais e princípio da delicadeza num setting muito particular – o Tribunal” é o título de um artigo cuja leitura recomendo da autoria de Maria da Conceição Carapinha Rodrigues, professora da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, publicado no vol. XXIII (1999/2000) da Revista Portuguesa de Filologia.
Um estudo sobre a “cortesia linguística”, sobre a delicadeza entendida como um recurso de minimização do risco de confrontação no discurso, situado num território e num contexto muito específicos - a sala de audiências e o julgamento -, que se apoiou na consulta de “um corpus de audiências gravadas no Tribunal de Coimbra durante o ano de 1997”.
Na impossibilidade de neste espaço se dar conta das muitas importantes questões aí tratadas, realço apenas as conclusões que se retiram do último capítulo do estudo:
1. “[O] discurso do Tribunal é um discurso de tipo transaccional e, como tal, os princípios de delicadeza, válidos e prioritários em qualquer troca verbal de tipo interaccional, passam aqui para um plano secundário, em benefício de um conteúdo informativo que é necessário obter de forma rápida e eficiente”;
2. “[A] preocupação obsessiva com a verdade da informação obtida pode vir a ser muito prejudicada pela forma discursiva atípica imposta ao leigo e que pode afectar a qualidade dessa mesma informação”;
3. “[S]abendo nós que este género de discurso é intrinsecamente conflitual, percebe-se facilmente que a extensão linguística da cortesia não seja muito frequente neste setting em que é de regra opor, de forma ostensiva, duas versões de um mesmo evento”, e que “as expressões de cortesia são, na sua maioria, unilaterais e sobretudo dirigidas aos que personificam esse mesmo Poder”;
4. “[N]o caso da interacção judicial, [o “contexto conversacional”, a] tessitura de direitos e obrigações não resulta de nenhum tipo de negociações entre os diversos participantes em jogo, antes é imposta do exterior pela própria Instituição, e portanto, torna-se, de imediato, anti-natural”;
5. Contudo, “a Instituição Tribunal esforça-se desde o início até ao fim de cada audiência, e através de sinais variados, por demonstrar clara e explicitamente a natureza anómala do tipo de interacção verbal que ali tem lugar e portanto espera que o falante leigo assimile as regras do jogo e se adapte com facilidade às normas impostas”.