Público
- 07/04/2013 - 00:00
Há limites que nem a situação particular que o país atravessa
justifica, defende Tribunal Constitucional.
No acórdão que viabiliza os cortes
nos salários dos trabalhadores do sector público e a contribuição
extraordinária de solidariedade (CES) aplicada às pensões acima de 1350 euros,
o Tribunal Constitucional faz questão de destacar a situação de
excepcionalidade e de dificuldade económica que justifica estas medidas em
2013. Mas também deixa claro que há limites que nem a situação particular que o
país atravessa justifica.
No documento redigido pelo
conselheiro Carlos Fernandes Cadilha, o TC não se cansa de frisar que os cortes
nos salários e nas pensões têm um carácter transitório, deixando em aberto uma
posição sobre eventuais cortes na despesa de carácter permanente.
Para o constitucionalista Jorge
Bacelar de Vasconcelos, a "grande mensagem que passa do acórdão é que a
excepção não se pode tornar regra". Na prática, explica, o TC faz questão
de acentuar que os cortes nos salários ou nas pensões apenas são aceitáveis na
medida em que são transitórios.
Também o constitucionalista Jorge
Pereira da Silva destaca esta insistência do TC na questão da transitoriedade,
dando "claramente a ideia de que não está disposto a abdicar dessa linha
de continuidade". "É um acórdão surpreendente e que rigidifica
demasiado a margem orçamental que o Governo tem para desempenhar as suas
funções", lamenta.
Até agora, o TC apenas validou
medidas de redução da despesa de carácter temporário e sempre para responder a
uma situação de excepcionalidade. Confrontado com cortes permanentes como é que
iria reagir?
À luz do acórdão, até onde poderá
ir o Governo no plano de redução permanente da despesa pública - do qual
depende a transferência da próxima tranche do empréstimo da troika? A prova dos
nove só será tirada quando o TC for confrontado com medidas em concreto de
cortes permanentes. Até lá, ficam apenas os argumentos que justificaram a
decisão tomada na sexta-feira.
Pensões
actuais podem ser reduzidas
O TC vem deixar claro que, tal
como os salários, o valor das pensões que já estão a ser pagas pode ser
limitado. Uma inovação face aquela que tem sido a orientação da legislação
nesta matéria, que sempre garantiu regras para acautelar as situações já
constituídas. É também um passo em frente face ao acórdão do ano passado, que
declarou inconstitucional a suspensão dos subsídios de férias e de Natal dos
aposentados do Estado, sem entrar por argumentos desta natureza.
Este ano, quando analisa a
constitucionalidade da norma (artigo 77º) do Orçamento do Estado que suspende o
pagamento do subsídio de férias de aposentados e reformados, o TC diz
claramente que "o reconhecimento do direito à pensão e a tutela específica
de que ele goza não afastam, à partida, a redução do montante concreto da
pensão".
"O que está
constitucionalmente garantido é o direito à pensão, não o direito a um certo
montante, a título de pensão", justificam os juízes.
É este entendimento que leva a que
alguns constitucionalistas considerem que pode haver margem para se enveredar
por cortes no valor das pensões que já estão a ser pagas. Até onde se pode ir é
a grande questão.
O constitucionalista Rui Medeiros
considera que esta questão é muito relevante, mas tem que ser confrontada com o
facto de no mesmo acórdão o TC apenas admitir o corte nas pensões (através da
CES) enquanto medida transitória para fazer face à situação de de emergência
económica e financeira que Portugal atravessa.
Além disso, alerta ainda Medeiros,
o TC deixa claro que há limites para os cortes que estão no terreno. "Não
fecha a porta a uma reforma do Estado social, mas a tolerância para a redução
das pensões é reduzida. É tão reduzida que o Tribunal veio dizer que a CES é
possível, enquanto medida transitória, mas o corte de 90% do subsídio dos
aposentados e reformados é demasiado avassalador", sustenta.
O corte permanente na despesa terá
que incidir sobre o sistema de pensões, o próprio relatório do FMI aponta
vários caminhos, um deles passa pela redução do valor das actuais pensões.
Cortes
salariais e despedimentos no Estado
No acórdão resulta claro que o TC
aceita, dado o carácter excepcional da situação, que transitoriamente haja um
corte nos salários, tal como nas pensões. Mas ao declarar a suspensão do
subsídios de férias inconstitucional, veio alertar que os sacrifícios têm
limites.
O TC analisa o efeito acumulado da
redução da remuneração desde 2011, com a suspensão da totalidade ou de parte do
subsídio de férias. No acórdão determina-se que o corte do subsídio viola os
princípios da igualdade e da justa repartição dos encargos.
Na argumentação, os juízes deixam
um recado ao Governo para que diversifique as soluções de redução da despesa,
frisando que "não serve hoje de justificação para a supressão de um dos
subsídios (...), a par da diminuição da remuneração mensal, que esta seja ainda
a medida com efeitos seguros e imediatos na redução do défice a única opção
para garantir a prossecução do objectivo traçado".
Segundo o constitucionalista
Bacelar Vasconcelos, o Governo foi pelo "caminho mais fácil".
"Esperava que o Governo, para incidir na diminuição da despesa procedesse
a uma reforma do Estado. Mas não o fez, porque é mais prático impor soluções,
sob o fantasma da troika e do estado de necessidade", realça, destcando o
alerta deixado pelo TC.
Mais uma vez o Tribunal admite,
que dada a conjuntura económica, possa haver "alguma diferenciação entre
quem recebe por verbas públicas e quem acuta no sector privado". Mas
segundo Rui Medeiros, ao considerar que cortar os salários (entre 3,5% e 10%) e
um subsídio (para quem ganha acima de 1100 euros) é ir longe demais, o TC está
a limitar essa diferenciação.
Na prática,defende, isso poderá
levar o Governo a mexer no estatudo dos funcionários públicos com vínculo
permanente, abrindo a porta a despedimentos (ver entrevista).
A perspectiva é partilhada pelo
constitucionalista Jorge Pereira da Silva. Além disso, considera que o TC fecha
a porta a cortes estruturais nos salários, dado que ao inviabilizar o corte do
subsídio de férias deixou claro que "o limite do sacrifício" são os
cortes salariais em vigor desde 2011, justificados pela situação que o país
atravessa.
Aumentar
impostos
Bacelar de Vasconcelos,
constitucionalista, considera que as intervenções por via fiscal - desde que
respeitem o princípio da igualdade - "de forma alguma estão vedadas por
este acordo".
Na verdade, o acórdão do TC não
belisca nem a redução dos escalões de IRS, nem a sobretaxa de 3,5% aplicada aos
rendimentos superiores ao salário mínimo.
Pereira da Silva realça mesmo que
nada impede o Governo de, para resolver o problema da despesa deixado em aberto
pelo chumbo dos cortes no subsídio de férias das contribuições aplicadas sobre
os subsídios de desemrpego e de doença, lançar um imposto ou agravar a
sobretaxa do IRS.
Desta forma, destaca, garantiria o
encaixe das verbas e minimizar o efeito do pagamento do subsídios a
trabalhadores do sector público e a reformados da Caixa Geral de Aposentações e
da Segurnaça Social e da devolução das contribuições retidas aos beneficiários
das prestaçõesde desmeprego (6%) e de doença (5%) desde Janeiro.
Contudo, a carga fiscal já está em
níveis elevados e uma solução deste tipo comportaria riscos ao nível da
arrecadação da receita.
Recuperar
contribuições das prestações sociais
O Governo poderá ainda fazer
aprovar uma lei que imponha que os subsídios de férias e de doença estejam
sujeitos a uma contribuição, dado que o TC não chumbou esta solução. O problema
colocado pelos conselheiros foi o facto de no OE o Governo não ter
salvaguardado os valores mínimos que, no caso do subsídio de desemprego é de
419,22 euros. Na prática, a solução agora chumbada permitia que um
beneficiários do patamar mínimo desta prestação fosse confrontado com um corte
de 6%, ficando abaixo do limiar mínimo previsto na Lei que estabelece o regime
de protecção no desemprego. "Haverá sempre de ressalvar, ainda que em
situação de emergência económica, o núcleo essencial da existência
mínima", lê-se noi acórdão.
Raquel Martins