04/01/2013 - 00:00
Se os pais não se entendem,
os tribunais têm de decidir...
O fim do ano é o momento próprio para se fazer balanços: do que
aconteceu, do que se fez e do que se devia ter feito. Ou ainda, do que correu
bem e do que não correu bem.
Já no início do ano não há quaisquer balanços a fazer. Nada
correu bem nem mal, ainda nada fizemos ou foi feito. Tudo começa de novo...
Mais do que as clássicas questões relativas à lentidão da
Justiça ou às reformas que se vão fazendo ou anunciando, próprias do fim do
ano, o início de um ano justifica outro olhar sobre os problemas da Justiça:
não os que ela cria ou de que padece, mas aqueles que é chamada a resolver. Os
tribunais, ou melhor os casos que aí são decididos, mostram uma reveladora
radiografia da sociedade. Ainda que não seja certo que esta radiografia nos
permita saber o estado de "saúde" da sociedade, a sua análise é
sempre motivo de interesse. Os tribunais são chamados a decidir não só questões
estritamente económicas, mas também problemas éticos, morais e religiosos, pelo
que é indiscutível que o conhecimento das decisões judiciais nos permite
conhecer melhor a sociedade em que vivemos, e em última análise nós mesmos.
O Tribunal da Relação de Lisboa debruçou-se no passado dia 21 de
Junho sobre a seguinte questão: estando pai e mãe separados e incapazes de
chegar a um acordo sobre o baptizado de uma criança, qual a opinião que deve
prevalecer?
Rebeca e Bruno exerciam em conjunto as responsabilidades
parentais sobre a sua filha de 3 anos de idade. Apesar de serem ambos
católicos, Rebeca pretendia marcar a data para a baptizar, mas Bruno opunha-se.
Rebeca invocou perante o tribunal que a sua avó queria ver a bisneta baptizada
e que o Bruno, inicialmente, aceitara a marcação do baptizado. Bruno invocou a
necessidade de pôr termo à hostilidade existente entre as famílias materna e
paterna antes da realização do baptizado, acrescentando que uma menor de 3 anos
não podia aderir à religião católica de uma forma livre e consciente.
Para os tribunais, a criança tinha o direito a ser educada,
nomeadamente no que respeita à vertente religiosa, de acordo com as convicções
dos seus pais. Esse direito inclui a possibilidade de participar nos
correspondentes actos de culto, na medida em que não seja posta em causa a sua
integridade física e moral, como era o caso do baptismo.
Considerou o Tribunal da Relação de Lisboa que a oposição de
Bruno ao baptizado resultava de motivos meramente conjunturais - a hostilidade
entre as famílias - e que, sendo ambos católicos, não havia razões de fundo
para impedir o baptismo da menor e, por isso, confirmou a decisão do tribunal
de 1.ª instância, que tinha autorizado a Rebeca a marcar a data do baptizado da
filha. Sublinhou, ainda, o Tribunal da Relação que a sua decisão não impunha o
baptismo, limitando-se a autorizar que Rebeca, querendo, promovesse o baptizado
da sua filha, sem necessitar para tal do consentimento de Bruno. Votaram neste
sentido os juízes desembargadores Jorge Manuel Leitão Leal e Pedro Martins e
votou vencido o juiz desembargador Sérgio Almeida. Para este último juiz
desembargador o facto de a bisavó andar perturbada por a bisneta, já com três
anos, não estar baptizada como dizia a mãe ou de as famílias estarem
desavindas, não sendo, pois, boa altura para o baptismo, como dizia o pai, eram
argumentos "de todo em todo irrelevantes", já que não era o interesse
dos familiares que estava em causa.
No entender deste magistrado, Bruno tinha deixado expresso no
processo que, embora católico, ainda não decidira qual a religião em que
pretendia inserir a filha, até esta ter capacidade para escolher ou ratificar.
É certo que o fizera de uma forma pouco segura, já que na conferência de pais
falara unicamente da hostilidade entre as famílias e só mais tarde veio
defender que "uma criança de dois anos e meio não pode saber se quer ser
cristão, se quer ser baptizada na fé católica", alegando que não cabia ao
tribunal decidir se a sua filha iria "ser crente e praticar (ou não) uma
religião".
Para este juiz, embora cada progenitor pudesse legitimamente
transmitir à filha os valores que reputava pertinentes e ministrar-lhe o ensino
religioso que entendesse mais adequado, nem por isso poderia inseri-la como
membro da sua religião, pelo que o Tribunal não deveria ter autorizado o
baptismo, "restando aguardar que a menor adquirisse capacidade para
decidir, só assim se respeitando integralmente a dignidade da pessoa humana e a
inviolabilidade da liberdade religiosa que dela decorre".
Pessoalmente, embora me pareçam relevantes as questões
levantadas no voto de vencido, creio que faz mais sentido, em termos éticos e
jurídicos, a decisão de autorizar a mãe a realizar o baptizado.
Advogado. Escreve à sexta-feira ftmota@netcabo.pt