domingo, 22 de janeiro de 2006

Justiça Constitucional


garantias de processo criminal
direito de recurso
recurso da matéria de facto
gravação da prova

Decisão: Não julga inconstitucionais as normas constantes dos artigos 411.º, n.º 1, e 412.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que o prazo de interpo­sição de recurso penal em que se questione a decisão da matéria de facto e em que se proce­deu a gravação da prova produzida em audiência se conta da data em que o arguido, agindo com a diligência devida, podia ter acesso ao suporte material da prova gravada, e não da data em que foi disponibilizada a transcrição dessa gravação.

Sumário:
I – O critério seguido na jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a constitucionalidade de normas relativas ao início do prazo para apresentação do reque­rimento de interposição de recurso em processo penal, que deve, por regra, conter a respectiva motivação (ou ao início do prazo para apresentação da motivação do recurso, quando esta possa ser posterior à interposição, como sucede no caso de interposição, por simples declaração na acta, de recurso de decisão proferida em audiência), tem sido o de que tal prazo só se pode iniciar quando o arguido (assistido pelo seu defensor), actuando com a diligência devida, fi­cou em condições de ter acesso ao teor, completo e inteligível, da decisão impugnanda, e, nos casos em que pretenda recorrer também da decisão da matéria de facto e tenha havido registo da prova produzida em audiência, a partir do momento em que teve (ou podia ter tido, ac­tuando diligentemente) acesso aos respectivos suportes, consoante o método de registo utili­zado (escrita comum, meios estenográficos ou estenotípicos, gravação magnetofónica ou au­dio‑visual).
II – Não viola o direito ao recurso em processo penal, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, o entendimento de que o prazo de interpo­sição de recurso em que se questione a decisão da matéria de facto e em que se proce­deu a gravação magnetofónica da prova produzida em audiência se conta da data em que o arguido, agindo com a diligência devida, podia ter acesso ao suporte material da prova gravada, e não da data em que foi disponibilizada a transcrição dessa gravação; na verdade, a transcrição tem por finalidade facilitar ao tribunal superior a apreciação, nos limites do recurso, da prova documentada, e já não habilitar o recorrente a elaborar a sua motivação, pois para este efeito lhe basta, para lá da assistência e intervenção em toda a audiência de julgamento e do conhecimento do teor integral da decisão condenatória, o acesso às gravações da prova produzida, sendo, aliás, em relação a estes suportes técnicos, e não à sua posterior transcrição, que devem ser feitas as especificações exigidas nas alínea b) e c) do n.º 3 do artigo 412.º do Código de Processo Penal.
Acórdão n.º 17/2006
Proc. n.º 383/2004
Data: 6 de Janeiro de 2006
Relator: Cons. Mário Torres


pedido de aclaração

Decisão: Indefere pedido de aclaração.

Sumário:
O pedido de aclaração de decisões judiciais visa o es­clarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade de que a decisão aclaranda pa­deça (a decisão é obscura quando contém algum trecho cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes), sendo inadmissível a sua utilização para as partes mani­festarem a sua discordância com a decisão e tentarem obter a sua alteração por supostamente ter incorrido em erro de julgamento.
Acórdão n.º 20/2006
Proc. n.º 570/2005
Data: 6 de Janeiro de 2006
Relator: Cons. Mário Torres


remição obrigatória de pensões por acidentes de trabalho
direito à justa reparação de acidentes de trabalho

Decisão: Julga inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Cons­tituição da República Portuguesa, a norma do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total de pen­sões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em que estas incapacidades excedam 30%.

Sumário:
I – Tendo o estabelecimento de pensões por incapacidade em vista a compensação pela perda de capacidade de trabalho dos trabalhadores devida a infortúnios de que foram alvo no ou por causa do desempenho do respectivo labor, compreende‑se que, se uma tal perda não foi por demais acentuada e, assim, não afecta significativamente a conti­nuação do desempe­nho da sua actividade laboral, se permita que a compensação correspon­dente à pensão que lhe foi fixada (cujo quantitativo, em regra, de pouco relevo, se de­grada com o passar do tempo) possa ser “transformada” em capital, a fim de ser aplicada em finali­dades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que a mera percepção de uma “renda” anual cujo quan­titativo não pode permitir qualquer subsistência digna a quem quer que seja.
II – Porém, quando em causa estiverem aci­dentes de trabalho cuja gravidade acentuadamente di­minuiu a capacidade laboral do sinistrado e, reflexamente, a possibilidade de auferir salário condigno com, ao menos, a sua digna subsistência, servindo a pensão de complemento à parca (e por vezes nula) remuneração que aufere em consequência da reduzida capacidade de tra­balho, então a aplicação de um capital, mesmo que no momento em que é feito aparente ser um inves­timento adequado, porquanto proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o correspondente à percepção da pensão anual, é sempre algo que, por ser aleatório, com­porta riscos.
III – Neste último tipo de situações, tornar legalmente obrigatória a remição signi­fica­ria privar o trabalhador da faculdade de ponderar se é menos arriscado continuar a receber a pensão e recusar a remição, impondo‑lhe a assunção de um risco que, com a extensão que a dimensão normativa ad­mite, torna precário e limita o direito dos trabalhadores a uma justa re­paração, quando vítimas de acidente de trabalho.
IV – Assim, a remição total obrigatória – isto é, independentemente da vontade do beneficiário – de uma pensão vitalícia atribuída por uma incapacidade parcial permanente su­perior a 30% é inconstitucional por violação do direito à justa reparação por acidente de tra­balho, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição.
Acórdão n.º 58/2006
Proc. n.º 982/2005
Data: 18 de Janeiro de 2006
Relator: Cons. Mário Torres


suspensão de execução fiscal
execução de dívidas de recursos próprios comunitários
direitos aduaneiros
princípio da igualdade
direito de acesso aos tribunais
garantias dos contribuintes

Decisão: Não julga inconstitucional a norma do n.º 6 do artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, que exclui a aplicação do disposto nesse artigo quanto à suspensão da execução fiscal quando se trate de “dívidas de recursos próprios comunitários”

Sumário:
I – A norma do n.º 6 do artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, que exclui a aplicação do disposto nesse artigo quanto à suspensão da execução fiscal quando se trate de “dívidas de recursos próprios comunitários”, encontra a sua fundamentação na necessidade de, estando em causa execução fiscal de dívidas de recursos próprios comuni­tários, designadamente direitos aduaneiros, acatar a regra, constitucionalmente aceite, da prevalência da regulamentação comunitária sobre o direito or­dinário interno.
II – Esta regulamentação comunitária compreende, porém, a remissão para a legis­la­ção dos Estados membros, designadamente, quanto à designação da autoridade aduaneira compe­tente para apreciar, numa primeira linha, o recurso das decisões ligadas à aplicação da legisla­ção aduaneira, quer da instância (autoridade judiciária ou órgão especializado indepen­dente) competente para apreciar uma segunda linha desse recurso e sua tramitação (cf. artigos 243.º, n.º 2, e 245.º do Código Aduaneiro Comunitário).
III – Assim, apesar da inaplicabilidade directa do regime dos n.ºs 1 a 5 do artigo 169.º do CPPT à suspensão da execução das decisões aduaneiras, assiste ao interessado, caso a autoridade aduaneira competente não tome oficiosamente a ini­ciativa de o fazer, o direito de lhe requerer essa suspensão, em prazo não inferior aos prazos das impugnações administrativa ou contenciosa que no caso caibam, e a fixação de prazo para prestação da garantia (se não for dispensada), prestação de garantia esta que, no caso de já ter sido instaurada execução, tem o efeito imediato de a suspender; por ou­tro lado, da eventual decisão da autoridade aduaneira de indeferimento desse pedido de sus­pensão cabe impugna­ção imediata para os tribunais tributários (uma vez que o recurso admi­nistrativo que no caso caiba terá natureza facultativa), no âmbito da qual pode ser salvaguar­dado o efeito útil do seu eventual provimento.
IV – Embora a competência do Tribunal Constitucional se cinja à apreciação da constitucionalidade da norma do n.º 6 do artigo 169.º do CPPT, a tomada em consideração dos traços essenciais do sistema que, em substituição do regulado nos precedentes números desse preceito, é aplicável, por força desse n.º 6, à suspen­são da execução das decisões aduaneiras, permite concluir que a parcial diferen­ciação de regi­mes assenta em fundamentação racional, que afasta a violação dos princípios da igualdade, da “coerência do sistema” e da não discriminação; e, por outro lado, que a imediata im­pugnabilidade judicial da decisão que indefira o pedido de suspensão da execução da decisão de imposição de direitos aduaneiros, com os efeitos atrás referidos, assegura o respeito dos direitos de acesso aos tribunais e de tutela jurisdicional efectiva, sem afronta aos princípios da proporcionalidade, da justiça e da equidade e sem intolerável postergação dos di­reitos e ga­rantias dos contribuintes, como os consagrados nos artigos 20.º, n.º 4, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
Acórdão n.º 60/2006
Proc. n.º 309/2005
Data: 18 de Janeiro de 2006
Relator: Cons. Mário Torres

O Presidente da República eleito e a reforma da justiça

(...) As dificuldades de reforma da justiça não são intelectuais ou técnicas. São políticas e traduzem uma luta muito séria entre corpos e interesses, mas também revelam o grau de envolvimento paralisante de partidos, de legisladores, de governantes e de altos funcionários. Por isso, sem uma actuação do Presidente da República, isto é, sem uma actuação exterior ao sistema, pouco ou nada se resolverá. Se o Presidente eleito se considerar como fazendoi parte do sistema, então poderemos abandonar toda a esperança.(...)
António Barreto PÚBLICO22JAN2006