Em França, o político e o judiciário estão (uma vez mais) em colisão. O mundo mediático parece exultar e, ampliando o fragor político que começou pelo Presidente, clama por justiça (...). O sector político aproveitou ambiente o emocional gerado e a oportunidade, mediática e de opinião, para aparentes “ajustes de contas” com o sistema. Novidade a exigir reflexão e a determinar alguma perturbação nos necessários equilíbrios institucionais das democracias consolidadas: está instalada e em audições uma comissão parlamentar de inquérito para averiguar sobre o “desastre judiciário” em que foi transformado o caso d’Outreau. No pelourinho (...), o juiz de instrução (...) Fabrice Burgaud (que foi já ouvido durante todo um dia pela Inspecção-Geral dos Serviços Judiciários, e será ouvido na comissão parlamentar no dia 8 de Fevereiro), transformado, de um momento para o outro, de “herói” da magistratura em “
symbole honni d’une justice qui se trompe et brise des innocents” (“Nouvel Observateur”, 19-25 de Janeiro). (...) A fronda política e mediática tem sido impressionante. Declarações inflamadas sobre os horrores da justiça (...), debates nas televisões dando voz em directo às vítimas (os
inocentes) de Outreau. Tudo (...) às costas de
um juiz de instrução – que, de resto, no decurso do processo, viu confirmadas pelas instâncias superiores todas as suas decisões e a maior parte das prisões preventivas que ordenou, e que, alguns dias antes da audiência, colhia louvores pela instrução que dirigiu. (...) No entanto, (...) não tenho dado conta de referências a factores elementares que (...) todos parecem desconsiderar:
a fluidez, por vezes inescapável, dos elementos com que o juiz trabalhou e que o levaram a seguir por onde seguiu. No caso, o “récit” de alguns intervenientes e, especialmente, as declarações de
uma testemunha que muito falou (...)
e que, por fim, na audiência, tudo desdisse. E este seria o elemento central que deveria fazer mexer consciências tão perturbadas e que é esquecido no tsunami político e mediático contra a justiça. E também – por prevenção – verificar
que revolução mais ou menos de veludo ou de silêncio quase anestesiante parece estar a caminho (noutras paragens, mas bem próximas) para permitir, sem discussão, que uma comissão parlamentar, quebrando todos os equilíbrios da separação de poderes, investigue sobre a actuação e as decisões de instituições judiciais num caso concreto»
Cons. Henriques Gaspar,
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