quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Ainda o livro "Linguagem, Argumentação e Decisão Judiciária",


Sobre este livro de que demos notícia aqui, e em que colaboramos, foi publicada esta interessante nota do Prof. Bacelar de Vasconcelos no JN:


A linguagem da justiça

Os tribunais foram inventados para decidir conflitos que, de outra forma, permaneceriam para sempre irresolúveis. Para esse efeito, foi-lhes conferida uma autoridade irrecorrível e a independência estatutária necessária para afiançar às irreconciliáveis paixões em confronto uma promessa credível de solução imparcial. A justiça substantiva da decisão final ficava, apenas, dependente da bondade da lei universal - geral e abstrata - cujo sentido concreto se postulou ser apenas acessível naquele preciso lugar e segundo o ritual previamente estabelecido - pausado, complexo e rigoroso. Para os diversos atores judiciais, mediadores exclusivos e devidamente iniciados, foram confecionadas vestes distintas e apropriadas, um palco destacado, uma arena, um cenário sóbrio e condizente.
Mas faltava ainda um elemento essencial: a palavra - o que obrigou à construção de uma nova língua.
Durante muito tempo, foi possível ignorar as críticas que denunciavam a ambiguidade das leis, assentenças tardias e inúteis, a morosidade dos processos, a opacidade da linguagem convencionada, enfim, tudo o que, flagrantemente, distanciava a minuciosa encenação judicial da realidade comum.
Mas não era essa, exatamente, a sua finalidade? Persuadir os litigantes a acatar as regras imperantes nesse outro universo ou, como dizia Niklas Luhmann, predispor as partes desavindas a aceitar "uma solução", "qualquer que ela fosse"?
Esse espaço exclusivo, reservado a mediadores iniciados, acabaria por ceder à inevitável contaminação democrática e ao envolvimento crescente das instituições judiciais nas mais díspares modalidades de composição de conflitos que marcam a sociedade contemporânea. Onde remotamente se viam apenas as virtudes da morfologia conceptual e da sintaxe dogmática que configuravam a linguagem jurídica e uma inacessível gíria forense, passou exigir-se a legibilidade indispensável à participação reclamada por todos os interessados, profissionais ou leigos. A própria formulação das leis, vencendo objeções catastrofistas que anunciavam a perda irreparável de todo o rigor e autoridade, vai aceitando incorporar exigências de clareza e simplificação discursiva.
Em maio do corrente ano, realizou-se em Coimbra, no âmbito do "Programa de Formação Avançada - Justiça XXI", um seminário interdisciplinar dedicado ao tema da "Linguagem, Argumentação e Decisão Judiciária", promovido por organizações profissionais de juristas em colaboração com o "Observatório Permanente da Justiça" do "Centro de Estudos Sociais" da Universidade de Coimbra. Dos trabalhos apresentados por autores "com origem em diversas áreas do saber e com diferentes experiências profissionais" - física, linguística, filosofia, retórica e direito - resultou a publicação, em dezembro, pela Coimbra Editora, de um livro extremamente interessante, com o mesmo título do referido encontro científico, coordenado pelo Procurador da República, Rui do Carmo.
Como ali explicam Maria Manuel Leitão Marques e Mafalda Domingues, "linguagem clara e rigor não são conceitos opostos, pelo contrário, muitos exemplos mostram que ao eliminar as ambiguidades e as falhas que o excesso de complexidade tende a esconder, a linguagem clara pode até contribuir para mais rigor e precisão" (pp. 82,83). A clareza é também manifestação do respeito devido ao destinatário da mensagem e é este quem, definitivamente, a irá aferir. É destas problemáticas contemporâneas que se trata nesta obra, sem iludir as dificuldades, sem confundir as diferentes instâncias discursivas da linguagem jurídica nem as respetivas funções e contextos específicos, evitando enviesamentos disciplinares redutores duma "compreensibilidade" que só pelo "diálogo interdisciplinar" é possível esclarecer ou facultar.
PEDRO BACELAR DE VASCONCELOS
Jornal de Notícias publicado a 2012-12-28 às 00:00

Cavaco Silva aumenta pressão sobre juizes do Constitucional



Desta vez o pedido de fiscalização do OE vem do próprio Presidente, que o faz num contexto político e com consequências que o TC não poderá ignorar. Um ónus pesado, dizem os constitucionalistas

FILOMENA LANÇA filomenalanca@negocios.pt

Os juizes do Constitucional têm desde ontem em mãos um dos processos mais delicados que passaram pelas três décadas de história que leva o tribunal: decidir, a pedido do Presidente da República, sobre a constitucionalidade de um Orçamento do Estado (OE) numa altura em que o País atravessa um dos piores momentos financeiros da sua história contemporânea Sem prazo legal para decidir, os conselheiros do palácio Ratton estão sob forte pressão e é expectável que entre Fevereiro, Março, o mais tardar, seja conhecida uma decisão. Sendo que o impacto político será incontornável.

Neste contexto, "haverá sempre perdedores", sustenta o politólogo Pedro Adão e Silva Se o TC der razão a Cavaco, o Governo ficará com um problema delicado em mãos, numa altura em que começará também a haver notícias da execução orçamental e em que estarão já em marcha as medidas para os anunciados cortes de quatro mil milhões de euros na despesa, refere. Caso a decisão seja pela conformidade do OE com a Constituição, "o PR ficará numa situação de fragilidade, depois de ter manifestado uma convicção fundada de que há uma problema de distribuição de sacrifícios".

Para já, ninguém arrisca palpites. "Todas as hipóteses estão em aberto, muito embora seja significativo, em termos políticos, o pedido vir do PR", admite o constitucionalista Paulo Otero. Porém, se é certo que ninguém põe em causa a capacidade dos juizes do TC para contornar as pressões, desta vez há uma forte e incontornável componente política, porque "fica nas suas mãos o odioso de uma interferência muito violenta no desenvolvimento da acção do Governo", sublinha Pedro Bacelar de Vasconcelos. E"é inevitável que isso influencie o TC, que dificilmente poderá ignorar todas as consequências da sua decisão, tanto a nível nacional como internacional". Para este constitucionalista, "o PR passou o ónus político para um órgão, o TC, que não é eleito. E isto tem efeitos perversos na saúde da nossa democracia constitucional", lamenta.

Desta vez o TC tem um precedente No ano passado, apesar dos cortes que o OE 2012 já consagrava Cavaco Silva optou por não pedir a intervenção do TC. Fê-lo este ano e é possível que não fique imune a críticas por isso, até "pela sua condição de reformado, que o coloca entre os mais afectados", lembra Pedro Adão e Silva António Costa Pinto suaviza a interpretação: no ano passado havia "um pacto informal entre os partidos e o PR para não enviar o OE para o TC - este chegou lá apenas pela mão de um grupo de dissidentes do PS mas,rompido este pacto, era expectável este pedido". Mas se a decisão de Cavaco já era mais ou menos esperada, "uma mensagem tão forte é que não era expectável", sustenta Pedro Adão e Silva. E isso há-de ter o seu peso no momento da decisão, sendo que, desta vez, há precedentes e "o TC tem uma linha de jurisprudência", refere Paulo Otero.

Considerará o TC que está resolvido o problema da violação do princípio da igualdade? E, se o fizer, optará, tal como em 2012 e olhando à situação do País, por permitir que a decisão não produza efeitos este ano? Pedro Adão e Silva acredita que não: "Seria o fim da relevância política do TC. A decisão do ano passado só pode ter funcionado como um aviso para a frente e não se repetirá".

Se decidir pela inconstitucionalidade com força obrigatória geral de todas ou de algumas das normas que vai avaliar, o TC pode ainda optar entre fazer ou não retroagir os efeitos a Janeiro. Em todo o caso, o Governo terá de fazer um orçamento rectificativo. Que pode, por sua vez, ter de passar novamente pelo crivo do TC.
Jornal Negócios, 3-1-2013

Secretas. Elas podem ou não dar informações às empresas?


A reforma dos serviços de informação está em curso, mas os especialistas pedem cautela e bom senso

SÍLVIA CANECO

Devem as secretas passar informação às empresas? A pergunta faz todo o sentido perante a reforma dos serviços de informação já anunciada pelo governo. O primeiro-ministro, aliás, já lançou umas pistas sobre o que pretende ao anunciar em Dezembro que as secretas "podem e devem" informar as empresas sobre os mercados onde operam. Não é o único a defender isso: o secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa, Júlio Pereira (a cúpula do SIS e do SIED), também admitiu numa audição parlamentar que os serviços de informações mantêm contactos informais com empresas nacionais nas áreas da energia, da banca e das telecomunicações visando alertar para "oportunidades e riscos" de certos negócios. Os especialistas ouvidos pelo i avisam, no entanto, que o assunto é delicado e por isso exigem bom senso e uma legislação rigorosa.

A lei de 2007 que estabelece a orgânica dos serviços de informações não o diz ipsis verbis mas levanta a cortina: as actividades das secretas servem a segurança interna e externa do Estado português, mas também devem salvaguardar "os interesses nacionais". José Manuel Anes, presidente do conselho consultivo do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT), explica que essa prática faz parte da rotina da dos serviços de informações de todos os países. "Os serviços dão e devem continuar a dar informações a empresas estratégicas sobre eventuais riscos de investimento no estrangeiro, ou mesmo informações sobre possibilidades de conflito nas zonas onde têm investimentos ou querem investir."

O Estado tem portanto de garantir a protecção dessas empresas que, apesar de serem privadas, "não deixam de ser portuguesas". Essa função cabe sobretudo ao Serviço de Informações Estratégicas e Defesa (SIED), enquanto secreta responsável pela segurança externa, mas também é uma responsabilidade da secreta interna (o SIS), que, segundo José Manuel Anes, deverá manter um diálogo com determinadas empresas - como os serviços rodoviários, as empresas de abastecimento de água ou de electricidade - caso perceba que as suas estruturas físicas estão ameaçadas por algum risco.

BOM SENSO O certo é que não existe uma lista a determinar quais são as entidades privadas que devem ser consideradas estratégicas. "É uma questão de bom senso. Se temos uma grande empresa de construção civil a querer investir numa zona conturbada como o Magrebe, essa empresa deve ser alertada para os riscos", diz o presidente do conselho consultivo do OSCOT, para quem não há dúvidas de que o tema só suscitou "tanta indignação" porque o ano de 2012 ficou marcado por um processo em que se suspeita que um ex-director do SIED, Jorge Silva Carvalho, terá passado informações confidenciais a uma entidade privada - Ongoing - em troca de um contrato na empresa.

"Não estamos aqui a falar de informações privilegiadas, de dar informações a empresas sobre os seus concorrentes cá. Isso seria inaceitável. Se as empresas querem informação sobre a concorrência, é para isso que têm os seus gabinetes de competitive intelligence", defende o também ex-grão mestre da Grande Loja Legal de Portugal (GLLP), que se auto-suspendeu da maçonaria para poder fazer declarações públicas a acusar o ex-chefe do SIED, de quem foi padrinho no seio da organização maçónica, de ter usado a maçonaria para um projecto "de ambição pessoal".

EXCEPÇÕES O constitucionalista Bacelar Gouveia, que já dirigiu o conselho de fiscalização dos Serviços de Informações da República Portuguesa (SERP), defende por outro lado que "o assunto é delicado" e deve ser "muito bem legislado". "A possibilidade de as secretas passarem informações às empresas privadas deve ser aceite, mas com várias cautelas", adverte o especialista, defendendo ainda que esta possibilidade deverá ser sempre encarada como "excepcional", e garantir também as condições de igualdade, para que uns grupos económicos não sejam favorecidos em detrimento de outros. "O interesse nacional deve ficar bem fundamentado para que se comprove um interesse que justifique gastar dinheiro com determinada empresa privada."

Esse deverá ser aliás um dos pontos que o governo irá clarificar na lei, aproveitando o embalo da reforma das secretas. Outro ponto passa por introduzir um "período de nojo" até cinco anos para os agentes do SIS e do SIED que abandonem funções para trabalhar no privado. A medida terá como objectivo evitar réplicas de situações como a de Silva Carvalho - que abandonou o SIED para ir imediatamente para a Ongoing.

DOIS EM UM? Fundir as duas secretas era também uma urgência deste governo, mas os planos caíram por terra depois de o PS rejeitar a ideia. "O PSD entendeu que não devia fazer essa mudança sem apoio dos socialistas e creio que foi prudente", defende Bacelar Gouveia. Mas, embora os serviços estejam organizados em duas estruturas - uma interna e outra externa -, já existem departamentos comuns ao SIS e ao SIED. O departamento de segurança, de recursos humanos, de finanças e apoio geral e ainda de tecnologias de informação já estão na dependência directa do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP). Manuel Anes é, contudo, partidário de dois serviços distintos. "São duas vocações diferentes e, em países com alguma imaturidade democrática concentrar tudo num pode ser perigoso", avisa, dando o exemplo da denúncia que levou à descoberta de que teria havido agentes das secretas a ajudar Silva Carvalho a fornecer informações à Ongoing. "Convém que haja sempre uma observação atenta. Nada melhor que ter um serviço a olhar para o outro." Bacelar Gouveia admite que se pode perder "um certo espírito de competição entre os dois serviços", mas é adepto da fusão. "Quando há dois serviços separados, eles não comunicam. Só falam um com o outro através do secretário-geral." Além disso, acrescenta, "traz a vantagem da poupança, já que passaria a haver só um director". Qual é o caminho? Para o constitucionalista e ex-deputado do PSD existem duas opções: a "fusão forte", em que tudo é concentrado num serviço; e a "fusão fraca", em que passa a haver um só serviço de informações, mas "com duas asas".

Ou seja, um departamento interno e outro externo. Apesar das múltiplas sugestões, Manuel Anes está convencido de que não está na separação ou na junção o maior problema dos serviços de informações portugueses. "Se queremos que sejam mais eficazes, teremos de lhes dar mais poderes legais e mais meios", remata.
I, 3-1-2013

MAl prepara lei sobre o uso de petardos



Governo pondera mudar lei para punir quem lança explosivos em manifestações ou noutros lugares

O Ministério da Administração Interna (MAI) anunciou ontem estar a trabalhar num enquadramento penal do uso de bombas de arremesso, como petardos e outros explosivos. O anúncio surge após a PSP ter pedido a proibição deste tipo de engenhos nas manifestações.

"Posso confirmar que se está a trabalhar nessa questão e que o objectivo é fazer o enquadramento penal do uso dessas matérias, não só em manifestações, mas de uma forma geral", contou à Lusa uma fonte oficial da tutela. Actualmente, a posse ilegal destes engenhos dá origem a uma multa e não prevê a detenção de quem é apanhado com esses engenhos.

Em declarações ao jornal "Público", o intendente Pedro Moura, do departamento de armas e explosivos da PSP, admite que a polícia solicitou ao MAI legislação para clarificar "de uma vez por todas o emaranhado legal em que está mergulhado há muitos anos o uso de petardos". Defendendo que a "perigosidade" destes engenhos é "grande", a PSP diz ter feito "sentir os seus receios" junto do governo e que o ministro Miguel Macedo também se mostrou "preocupado".

Um parecer do conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República de 201Z a pedido da PSP, defende que os petardos "têm um efeito essencialmente sonoro, não apresentando potencialidade para causar danos nas imediações" - isto devido à pequena quantidade e à fraca qualidade da pólvora.

M.O. com Lusa
I, 3-1-2013

TRÊS PERGUNTAS A…: TIAGO DUARTE Professor de Direito Constitucional na FDUNL e Sócio de PLMJ


Corte dos subsídios não provoca “desigualdade intolerável”
As normas enviadas pelo PR ao TC podem ser Inconstitucionais? As dúvidas do PR são justificadas e pode haver uma decisão de inconstitucionalidade, sobretudo no caso da CES, na parte em que aplica cortes muito elevados às pensões mais elevadas, que não têm comparação com os cortes nos funcionários públicos.
- O último acórdão do TC pode fazer antever alguma decisão?
O acórdão que declarou a inconstitucionalidade dos “cortes” nos subsídios de férias e Natal tem de ser lido em articulação com o que não declarou inconstitucional as reduções dos vencimentos dos FP. O TC não considera que seja inconstitucional essa diminuição em si mesma, tendo apenas considerado inconstitucional que fossem os principais destinatários das medidas de austeridade. O aumento do IRS e outros impostos atenuou essa penalização (apesar de não a ter eliminado totalmente). Admito que o TC considere que a suspensão de apenas um subsídio, associado a um conjunto mais vasto de medidas que afectam outros rendimentos, não consubstancia uma desigualdade intolerável e, como tal, inconstitucional. O TC devia analisar outras normas? Seria bom que fosse questionado sobre a eventual inconstitucionalidade da sobretaxa e das novas tabelas do IRS, face à imposição constitucional de que o IRS seja progressivo, bem como sobre a existência de um eventual limite constitucional à tributação máxima dos rendimentos do trabalho. Se o TC vier a considerar que não há inconstitucionalidade, isso ajudará a perceber a sua compatibilização com a Constituição e ajudará à aceitação das normas.
Diário Económico, 3 Janeiro 2013

Cavaco Silva não pediu urgência


Presidente da República, Cavaco Silva, não pediu urgência aos juízes do Tribunal Constitucional para deliberarem sobre o Orçamento do Estado 2013.
Antena1/ Bloco Noticioso, 3 Janeiro 2013

Constitucional deve chumbar corte nas pensões mais elevadas


Contribuição Extraordinária sobre as pensões não deverá passar no crivo do Tribunal, segundo os constitucionalistas. Já a redução do subsídio de férias, outra das normas que também levantou dúvidas a Cavaco, não deve suscitar problemas.
Corte nas pensões mais altas não deve passar no crivo do Constitucional
Para os especialistas, a redução do subsídio de férias a funcionários públicos e pensionistas não deve colocar problemas. Cavaco Silva espera decisão rápida.
Márcia Galrão
A Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) sobre as pensões mais elevadas não deverá passar no crivo do Tribunal Constitucional, o que colocará nas mãos do Governo um problema de 421 milhões de euros para resolver. Rui Medeiros, da Sérvulo, sugere mesmo que Passos comece a pensar em alternativas, porque não acredita que o TC volte a dar “a benesse de uma declaração de inconstitucionalidade só para 2014″.
Cavaco Silva enviou ontem o pedido para o Palácio Ratton com três normas para análise: a suspensão do pagamento de subsídio de férias ou equivalente a funcionários públicos e também aos pensionistas, bem como a CES. A argumentação que juntou a estes pedidos não foi divulgada pela Presidência, mas o Económico sabe que incluía fundamentação jurídica e uma exposição extensa sobre as dúvidas presidenciais, preparada pela Casa Civil.
Embora sem prazos estabelecidos para uma decisão, o Económico sabe que Cavaco espera uma decisão rápida por parte do TC, com o Presidente do Palácio Ratton a ter possibilidade de dar prioridade a esta questão. Cavaco demonstrou bem a urgência que tem nesta matéria ao enviar o pedido no primeiro dia útil em que era possível fazê-lo, após a publicação do documento em Diário da República e logo às nove da manhã.
A decisão do Presidente recebeu críticas de vários sectores da sociedade, sobretudo pelo facto de Cavaco não ter pedido a fiscalização preventiva das normas – já que é o único que tem essa possibilidade – e ter preferido deixar entrar o OE/2013 em vigor apesar das “fundadas dúvidas” sobre a justiça na distribuição dos sacrifícios que admitiu ter.
O eventual chumbo do TC tem sido visto como um duro golpe na credibilidade do Governo, já que seria a segunda vez consecutiva que um OE de Vítor Gaspar ia à barra do TC. Para prevenir estas leituras, o PSD veio rapidamente desvalorizar essa hipótese, com Matos Correia a dizer na TSF que a acontecer terá que ser “corrigido” e que essa decisão não deverá ter qualquer “leitura política”.
O próprio Presidente da República, no discurso de Ano Novo, deixou claro que o país não pode juntar uma “crise política”, à crise económica, financeira e social que vive. Um discurso que ficou marcado por duras críticas à política seguida pelo Governo, com várias referências aos riscos de uma “espiral recessiva” e à necessidade de interromper o “círculo vicioso” da austeridade, equilibrando com medidas que promovam o crescimento.
Em relação aos artigos que o TC já tem em mãos, a suspensão dos subsídios de férias para funcionários públicos e pensionistas é vista pelos constitucionalistas ouvidos pelo Económico como passível de passar no crivo dos juizes. Embora o TC tenha no ano passado considerado inconstitucional o corte de dois subsídios para esta franja da população, Rui Medeiros recorda que sempre se “admitiu diferenças de tratamento entre funcionários públicos e trabalhadores privados”, mas que ela se torna “desproporcionada quando é excessiva”. Também Nogueira de Brito considera que o facto de estar explícito que esse corte vale apenas para este exercício orçamental retira problemas de inscontitucionalidade.
Questão diferente é a da CES. Rui Medeiros não tem dúvidas: “Tudo somado, um pensionista a partir de uma pensão média pode, na prática, pagar na contribuição extraordinária de solidariedade o equivalente ao segundo subsídio. No final, fica, portanto, sem os dois subsídios. E essa solução já foi considerada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional”. O constitucionalista diz mesmo que os argumentos apresentados pelo Governo para justificar a medida “são demagógicos e não devem passar no crivo do TC”.
Mas os juizes do Palácio Ratton deverão ter mais artigos para analisar, além dos solicitados pelo Presidente, isto porque os partidos da oposição estão a preparar um pedido de fiscalização que deverá incluir outras normas. O BE, pela voz de Luís Fazenda, admitiu juntar os artigos “que têm a ver com questões fiscais, os escalões de IRS, a sobretaxa, entre outras matérias”.
Também o PS disse ao Económico estar a ponderar o conteúdo do pedido que irá fazer, nomeadamente se inclui os mesmos artigos que o Presidente ou apenas outros.
AS DÚVIDAS DE CAVACO
• Artigo 29° – suspensão do pagamento do subsídio de férias ou equivalente.
• Artigo 77° – suspensão do pagamento do subsídio de férias ou equivalentes de aposentados e reformados.
• Artigo 78° – contribuição extraordinária de solidariedade.
AS DÚVIDAS DA OPOSIÇÃO
• Progressividade das novas tabelas de IRS, com redução de escalões.
• Sobretaxa de 3,5% em sede de IRS.
Diário Económico, 3 Janeiro 201

Um chumbo constitucional abre debate para revisão da Constituição


Um eventual segundo chumbo consecutivo pelo Tribunal Constitucional a normas do Orçamento do Estado (OE) colocará na agenda parlamentar um debate sobre a Constituição da República, avisa fonte centrista ao DN/Dinheiro Vivo.
Mais do que a política do Governo, ou a legitimidade deste para governar, se os juízes do Palácio Ratton insistirem em considerar como inconstitucionais as normas relativas ? suspensão do subsídio de férias aos pensionistas e funcionários públicos e a taxa adicional ? s reformas mais altas (para além de outras que a oposição possa vir a pedir), “o debate terá de ser mais profundo”, sublinhou uma fonte do CDS: “Quer-se ter um país ou uma constituição?”, polemiza.
O tema é caro aos centristas, que muitas vezes referem o facto de terem sido o único partido a votar contra a atual Constituição, em 1976. Mas também Passos Coelho, ainda antes de ser eleito, defendeu pelo PSD uma profunda revisão constitucional, projeto que acabou por me meter na gaveta por não encontrar disponibilidade junto do PS para essa revisão.
Por agora, a disponibilidade dos socialistas é para avançar, também eles, com o pedido de fiscalização sucessiva do OE, como confirmou Isabel Moreira ao DN/Dinheiro Vivo. “O requerimento está quase terminado”, disse a deputada independente eleita nas listas do PS, que antecipa que os artigos que suscitaram dúvidas a Cavaco Silva poderão ser objeto de igual pedido pelos deputados da oposição. “A fundamentação de cada requerente, mesmo em normas coincidentes, pode ser diferente”, aponta Isabel Moreira.
Dinheiro Vivo online, 3 Janeiro 2013

RAMOS CANIÇO, COORD. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL: "Criminalidade não justifica aumentar quadros na PJ"


por Valentina Marcelino e Licínio Lima

Ramos CaniçoFotografia © João Girão/Global Imagens
Uma referência da Polícia Judiciária, Ramos Caniço deixa a instituição depois de 32 anos de serviço contra o crime. Na sua primeira grande entrevista após a aposentação, o antigo coordenador afirma que neste momento os meios da PJ são suficientes para responder à evolução da criminalidade.
O que há de diferente entre a PJ de hoje e a PJ onde entrou há 32 anos?
Quando cheguei à PJ encontrei uma polícia um bocado individualista baseada nas estrelas. Isto é, tínhamos aqueles investigadores que se distinguiam pela sua intuição, no âmbito de uma investigação criminal própria do século XX e, sobretudo, da primeira metade do século, baseada na rua, na recolha de informação proveniente dos processos. Depois era o 'dedinho' do agente que fazia a diferença de investigação para investigação.
Passados 32 anos, já não há as estrelas dos anos 80, mas deixei uma polícia científica, uma polícia técnica, que foi evoluindo e estruturando no sentido de aproveitar as novas tecnologias.
Mas a PJ perdeu a rua...
A rua não se perdeu. A rua pode ter sido transferida de instituição para instituição. Com a nova lei orgânica de 2000 , a PJ começou a especializar-se e dedicar-se à criminalidade mais complexa, à criminalidade transnacional, internacional - terrorismo, corrupção, tráfico internacional de estupefacientes e por aí fora. Ou seja, as burlas, os abusos de confiança, assaltos, os furtos, passaram a ser investigados pela PSP e pela GNR indistintamente, dependendo apenas da área geográfica.Mas, mesmo a informação, da rua, daqueles processos que deixaram de ser investigados pela PJ, não se perdeu. Só perco a colheita direta. Basta que a informação flua entre os órgãos de polícia criminal. O que já acontece, mas ainda não de forma automática.
Está a falar de um mundo irreal. As polícias não partilham informação... Ainda no verão aconteceu um exemplo, que poderia ter tido consequências trágicas, em Aljezur, no qual a PJ e a Marinha fizeram uma operação na área da GNR e não avisaram...
Mas isso terá sido uma questão de coordenação operacional. Tinha que ter havido um telefonema de alguém para outrem a dizer 'olha eu vou entrar na sua zona, no dia a ou b, ou entre as horas a ou b, atenção se vires alguma coisa estranha'. Isto é que não terá sido feito. Quanto à partilha de informação entre as polícias, ela acontece. O que não partilham é informação online, automatizada.
São frequentes os casos da PSP e da GNR terem a tentação de extravasar a sua área de competência, por exemplo na investigação de raptos...
Mas a culpa não é da PSP nem da GNR. Ninguém investiga nada que não for deferido pelo Ministério Público (MP). O que acontece muitas vezes é que o MP decide investigar ele determinado crime e depois, como temos visto em alguns casos de corrupção, aparece gente da PSP, GNR, peritos tributários metidos numa equipa que está a investigar. Mas na verdade eles estão é auxiliar o MP. Ou seja, não há um deferimento formal de competência de investigação na PSP ou na GNR. São o apoio em campo.
Mas tem havido o argumento, como aconteceu na investigação dos ATM, que a PJ não tem capacidade para responder...
Há muita coisa que se diz que não é verdade. Se olharmos para o tempo de investigação de um inquérito nos anos 90 e o que demora hoje, hoje demora menos. Seja qual for o tipo de inquérito. Há inquéritos muito complexos, como os da criminalidade económica. Mas se olharmos hoje para as estatísticas, os inspetores da PJ têm hoje menos processos distribuídos do que no final anos 90, devido à Lei Organização de Investigação Criminal. Não podemos é deixar de pensar na diferença de inspetor/hora de trabalho que leva um processo de corrupção ou um assalto a uma ourivesaria. Há, por outro lado, determinados tipo de investigação que exigem uma especialização do inspetor em termos de recolha de prova - como a criminalidade económica - que as outras polícias, do meu ponto de vista, não estão minimamente preparadas para o fazer.
Os magistrados do Ministério Público (MP) estão preparados para investigar?
Nunca estiveram. Não é numa visita que se faz à PJ numa semana que os magistrados ficam a conhecer os métodos de investigação criminal. Mas também é verdade que há magistrados e magistrados e há alguns que têm neste momento tanta competência para investigar como um inspetor da PJ.
A PJ é cada vez mais um braço armado do MP?
Eu diria o contrário. Como demonstra a 'Operação Furacão' e outras, cada vez menos o braço armado do MP é a PJ.
E isso deve-se a quê?
É que a PJ não costuma abdicar da sua independência na questão da competência técnica e autonomia tática. Fazer isso seria abdicar de cerca de 70% da eficácia da investigação. Ninguém nega ao MP que seja o gestor da investigação, o titular, mas o que a PJ diz é o seguinte: ou o MP quer investigar ele próprio e não precisa de ninguém muito especializado ou defere a competência da PJ e aí compete à hierarquia da PJ gerir a investigação e apresentar os resultados. Ou então o MP investiga e diz à GNR, PSP ou autoridade tributária o que querem que eles façam, diligência a diligência. E é isto que a PJ tem dificuldade em aceitar, que lhe digam o que fazer.
Mas cada vez há mais casos de delegação de competências na GNR ou na PSP de crimes de competência da PJ, com o argumento que a PJ não tem capacidade... A falta de quadros na PJ está a levá-la a perder terreno na investigação criminal?
A PJ tem meios e pessoas para isso. Os quadros da PJ não estão a 100%. Nunca estiveram. Estarão mais ou menos a metade. Nestes últimos 32 anos, que me lembre, houve sempre vagas na PJ.
Mas nesta questão do MP delegar ou não, não me parece que tenha a ver com a capacidade das polícias. O que me parece que tem a ver é com a necessidade sentida por alguns magistrados de serem eles próprios a fazeres as coisas. Mas eu aí acho que havia um exercício que devia ser feito: deviam ser averiguados nos casos investigados pelo MP e nos pela PJ quem tem mais condenações.
Mas o quadro da PJ, como já disse, está a 50%....
A Direção Nacional (DN) da PJ neste momento só tem dois elementos. É a mais reduzida direção de sempre. Mas se estes dois diretores entendem que conseguem, com algum sacrifício, assumir aquela responsabilidade, essa é uma posição absolutamente inatacável. Porque no estado de constrangimento orçamental que está a PJ se se consegue apresentar resultados com uma direção reduzida é um argumento imbatível nesta altura.
Claro que isso provocará um enorme desgaste físico e psicológico...
E os inspetores que estão no terreno, não terão um ainda maior desgaste?
Os inspetores têm os seus diretores e se esses diretores conseguirem proporcionar ao diretor nacional e ao diretor nacional adjunto resultados...
A PJ está bem então?
A PJ não está bem, mas também não está a ponto de cair. A PJ com o DN que é oriundo da casa, conhece bem o funcionamento de tudo e os seus colegas. Tem condições, com o seu adjunto, de funcionar bem. Não é o ideal. Mas a PJ funciona. Quanto aos quadros, e eu tenho muita pena de dizer isto, mas temos de ver as coisas de um ponto de vista de gestão.
Eu preciso de quadros numa polícia de acordo com o volume de trabalho dessa polícia. Se eu tenho um campo de investigação mais reduzido que há 15 anos eu precisarei do mesmo quadro de pessoal que tinha nessa altura? Por outro lado, coloca-se outra questão: a evolução da criminalidade foi tão grande nestes últimos anos no sentido que justifique eu ter de aumentar os meus quadros. Olhamos para essa evolução e isso não se verificou. A evolução da criminalidade, como a conheço até agora, não justifica que tenhamos de aumentar os quadros da polícia.
O sindicato da PJ (ASFIC-Associação Sindical dos Funcionários da Investigação Criminal) tem reivindicado o contrário...
O que tem que se ver é se esse não preenchimento do quadro colide com a qualidade da investigação e que se alcancem resultados na investigação. Até agora viu-se que não.
Porque há sempre reações tão negativas na PJ quando se fala numa fusão das polícias?
É uma questão de quintas.
Mas qual é o receio? Medo de ser absorvida? Porque não o contrário? Pense numa direção de investigação criminal numa Polícia Nacional, que absorve os quase 4000 investigadores da GNR e da PSP, como sugeria uma proposta do PSD, não seria mais eficaz?
Não vejo porque é que a PJ há-de ser fundida com outras polícias. Do ponto de vista da eficácia a ideia que tenho é que a criação de PN noutros países não vieram trazer melhorias do ponto de vista da eficácia.
Mas no caso português qual seriam as desvantagens?
A desvantagem é só uma. A PJ é um órgão auxiliar da administração da justiça que as outras não são. São polícias de segurança pública. Por isso a PJ é considerado um corpo superior de polícia. Sendo assim tem necessariamente de estar no Ministério da Justiça. Por outro lado, a PJ não trata questões de trânsito, nem de policiamento, e nunca o iria fazer. Faz só investigação criminal e isso é propriedade exclusiva do MP em Portugal, que é MJ. Não faz, por isso, nenhum sentido, tirar a PJ do MJ. Porque se eu transformar a PJ numa direção de uma outra polícia qualquer, eu estou a transpor do MJ para o MAI um órgão que é um auxiliar da administração da justiça, que trabalha exclusivamente com o MP e com o MJ. Não tem nada a ver com o MAI. Nem do ponto de vista orgânico faz sentido.
E mais, a investigação criminal nas outras polícias nem é o seu objetivo principal. Na PJ é o objetivo exclusivo.
A PJ não fica isolada com esta atitude? São elitistas?
A PJ tem diferenças das outras policias. Não entra ninguém que não seja licenciado. A PJ tem sistemas de formação d e investigação criminal que, provavelmente, são diferentes. A PJ tem a base nacional das impressões digitais, tem o laboratório de policia científica, está a formar as equipas de local de crime. Tem uma série de valências que as outras polícias não têm.
Os magistrados estão a desaparecer da PJ?
Os magistrados na PJ faziam sentido logo a seguir ao decreto-lei 35 042, de 1945 (que requalifica a PJ), na tradição dos anteriores serviços de investigação criminal, quando os elementos da PJ tinham a 4ª classe e o 5º ano. Hoje só tem gente licenciada, portanto tenho um estatuto cultural ao nível dos magistrados.
Se houvesse mais magistrados nas unidades nacionais o diálogo com o MP não estaria facilitado?
Mas já tivemos magistrados, como diretores nacionais adjuntos, praticamente em todas as unidades nacionais e, que eu me recorde, das situações de maior tensão entre a PJ e o MP, foi nesse altura. Recordo, por exemplo, o início da década de 90. Mas melhor que eu o Dr. Marques Vidal pode falar disso. Ele tem uma memória extraordinária.
Por outro lado, a verdade é que na ultima década o único diretor nacional que aguentou um mandato inteiro foi o atual diretor de carreira. Mais nenhum conseguiu.
A atual estrutura orgânica da PJ está adaptada às organizações criminosas, cada vez mais frequentes, que operam em vários tipos de crime?
Só temos três grandes tipos de crime: contra a propriedade e os económicos e temos uma unidade nacional vocacionada para isso; a criminalidade transnacional de trafico de estupefacientes, e também temos uma unidade vocacionada; depois o terrorismo e os crimes contra as pessoas, cuja criminalidade organizada tem os raptos, sequestros e homicídios. Tirando os homicídios, todos os outros caem numa unidade nacional que é a Unidade Nacional de Contra-Terrorismo (UNCT), que do meu ponto de vista se chamava muito melhor, como antes, Direção Central de Combate ao Banditismo, que é a essência da sua existência e não propriamente o terrorismo, que acabou com a FP 25. Nunca mais houve nada de terrorismo. E mesmo o terrorismo das FP 25... enfim... à portuguesa.
Mas há organizações que se dedicam a todo este tipo de crimes. Não faria sentido uma abordagem de investigação às organizações propriamente ditas, com gente de todas as unidades relacionadas, em vez de investigar o crime em si?
Nessas alturas a informação é cedida por todos. Na investigação também muitas vezes vão pessoas das diversas unidades coordenadas pelos diretores.
Diário de Notícias, 3-1-2013