domingo, 23 de outubro de 2005

Constitucionalista diz que é preciso aprofundar esquemas de transparência e combate à corrupção

Canotilho defende revisão profunda da Constituição


O constitucionalista Joaquim Gomes Canotilho defende a necessidade de uma "profunda revisão constitucional", mas de sentido diferente ao que "se anda a agitar no dia-a-dia nos jornais", como é a questão dos poderes do Presidente da República.

"Eu penso que há problemas de organização do poder político, mas que não são estes que são agitados", afirmou ao PÚBLICO, antecipando uma intervenção que fará em breve no Porto. Em seu entender, o que necessita de intervenção são questões ligadas sobretudo à fiscalização do Estado. "É preciso aprofundar a ideia da transparência das instituições, introduzir esquemas de combate eficaz à corrupção. É todo um conjunto de esquemas que hoje fazem parte da chamada "excelência da governação" que não está a ser introduzida no país", advoga.

Um dos instrumentos que o professor de Coimbra considera essencial ser transportado para o aparelho de Estado é o controlo de avaliação das instituições. "É um controlo que está a ser experimentado em tudo, que as empresas privadas têm, que está em curso nas Universidades, mas que devia ser alargado a todos os sectores do Estado, inclusive do Governo", defende. "O engenheiro Sócrates anda a dizer que ele próprio devia ser avaliado [enquanto primeiro-ministro], mas isso deve ser feito com esquemas mais profundos, mais institucionais e formais", considera.

A "excelência da governação", especifica, passa pela consagração da ideia da responsabilidade, de avaliação das instituições, da comparabilidade das instituições. Em termos de avaliação e responsabilidade no sistema actual, dá como exemplo o sector da Justiça: "O juiz presta contas a alguém? E o procurador? Quem é que responde perante o povo", questiona. Para defender que "temos de inovar, introduzindo um sistema de perguntas que há no sistema americano. Cá está uma dimensão presidencialista".

No próprio aparelho de Estado, Gomes Canotilho considera que é preciso mexer tanto a nível central como local e regional, desde o regime de financiamento das autarquias aos objectivos do Conselho de Estado. "O Parlamento não precisa de um staff melhor para exercer as suas funções de controlo, mesmo que seja à custa da diminuição do número de deputados?", interroga. Para afirmar que "há uma série de tópicos que é preciso agitar para renovar verdadeiramente a organização do sistema político".


Não é preciso revisão dos poderes do Presidente

Do que a Constituição não precisa, segundo Gomes Canotinho, é de revisão dos poderes do Presidente da República (PR). "Tudo o que se tem falado para Portugal está testado na França e as conclusões muitas vezes vão em sentido contrário às que estão a ser agitadas na imprensa portuguesa", afirmou ao PÚBLICO. Por exemplo, a possibilidade de o PR participar no Conselho de Ministros - que deixou de ser possível em Portugal a partir de 1982 -, "é precisamente o problema do regime francês, onde o PR tem esse poder, bem como o de dinamizar duas pastas, (as política externa e a segurança e defesa), o que tem dado imensos problemas de coabitação".

"É óbvio que o sistema que temos não é fácil, porque é um sistema de equilíbrio, mas o que me parece é que, depois dos testes e das revisões todas, há um certo equilíbrio e o problema está na "sagest" do Presidente: como é que ele interpreta os dados, como se relaciona com o Governo e com a Assembleia, como é que vê os problemas do país", afirma Canotilho. "Mas para isso não há códigos nem regras, depende muito do contexto e da sabedoria do PR", remata.

Por Leonete Botelho, no Público de hoje

A derrocada

Numa guerra aberta sem precedentes, terá lugar, na semana que ora se inicia, a maior manifestação de sempre contra o Governo por parte da Justiça, que não promete parança. Depois da implosão, ficarão os escombros da anomia. E uma tarefa sumamente árdua para o próximo Presidente da República.
Oxalá tenha força e vigor para a "super" empreitada.

Casa da Suplicação XLXI

abeas Corpus — providência excepcional — tráfico de droga — declaração de especial complexidade — transito em julgado parcial — cumprimento de pena

1 ― O habeas corpus, tal como o configura a lei (art. 222.º do CPP), é uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, que tem, em sede de direito ordinário, como fundamentos, que se reconduzem todos à ilegalidade da prisão (art. 222.º do CPP), que deve ser actual, actualidade reportada ao momento em que é apreciado aquele pedido.

2 – Esta providência funciona como remédio excepcional para situações em si mesmas também excepcionais, na medida em que se traduzam em verdadeiros atentados ilegítimos à liberdade individual das pessoas, só sendo por isso de utilizar em casos de evidente ilegalidade da prisão.

3 – Tratando-se de crimes a que alude o n.º 1 do art. 54.º do DL n.º 15/93, os prazos de prisão preventiva elevam-se nos termos do n.º 3 do art. 215.º do CPP, independentemente de declaração judicial que reconheça a especial complexidade (Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.° 2/2004, de 11-2-2004 (DR IS-A, n.° 79, de 2-4-2004).

4 – Em relação aos arguidos não recorrentes para o Supremo Tribunal de Justiça têm-se por transitado parcialmente em julgado o acórdão condenatório recorrido, pelo que se devem considerar os mesmo em cumprimento de pena.

Ac. do STJ de 20.10.2005, Proc. n.º 3365/05, Relator: Cons. Simas Santos

Abuso de confiança — suspensão da pena — condição da suspensão da execução da pena

1 - Não é razoável condicionar a suspensão da execução da pena ao pagamento de uma quantia que excede o vencimento mensal da arguida para amortização da indemnização devida pelos prejuízos causados com a prática do crime de abuso de confiança agravado, mas já estará perfeitamente enquadrada nas suas possibilidades daquela o pagamento de uma quantia idêntica à do seu vencimento

2 - Tal quantia não faz repercutir de forma indevida sobre o agregado familiar o cumprimento da referida condição, pois que só o vencimento da arguida fica afectado e, por outro lado, há que contar com a medida do seu enriquecimento, pois pelo menos o património da arguida foi indevidamente enriquecido com a avolumada quantia de que se apropriou.

Ac. do STJ de 20.10.2005, proc. n.º 2111-05 – 5ª , Relator: Cons. Rodrigues da Costa

Matéria de facto — poderes do Supremo Tribunal de Justiça — silêncio do arguido — tráfico de menor gravidade — medida da pena

1 − Como é jurisprudência pacífica e constante, não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça, em recurso de revista conhecer da questão de facto, designadamente quando já teve lugar recurso para a Relação que dela conheceu definitivamente, mesmo se o recorrente invoca os vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP, que o Supremo Tribunal de Justiça só conhece oficiosamente e não enquanto fundamentos do recurso.

2 − Um arguido que mantém o silêncio em audiência, não pode ser prejudicado, pois não é obrigado a colaborar e goza da presunção de inocência, mas prescinde assim de dar a sua visão pessoal dos factos e eventualmente esclarecer determinados pontos de que tem um conhecimento pessoal. Daí que quando tal suceda não possa pretender que foi prejudicado pelo seu silencia.

3 − O privilegiamento do crime de tráfico de estupefacientes dá-se, não em função da considerável diminuição da culpa, mas em homenagem à considerável diminuição da ilicitude da conduta, que se pode espelhar, designadamente:

– Nos meios utilizados;

– Na modalidade ou nas circunstâncias da acção;

– Na qualidade ou na quantidade das plantas, substâncias ou preparações.

4 − Não ocorre tráfico de menor gravidade quando se traficam quantidades significativas de heroína e cocaína, durante um dilatado período de tempo, vendendo directamente ao consumidor mas também a outros vendedores.

5 − É susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação. A questão do limite ou da moldura da culpa está plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.

Ac. do STJde 20.10.2005, proc. n.º 2939/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

Furto qualificado — modo de vida

1 - Tendo o arguido praticado 7 crimes de furto num espaço de tempo muito pequeno – um espaço de pouco mais de três meses – tal não permite a largueza suficiente para se concluir que ele fez do crime de furto modo de vida, muito embora a prática repetida de vários crimes de furto seja um dos elementos a considerar para alicerçar esse juízo.

2 - Por outro lado, não estando provado que o arguido viveu à custa desses furtos, ao menos parcialmente (isto é, em regime de part time), sabendo-se, isso sim, que ele estava dependente de heroína e que alimentou parte do seu vício com os furtos praticados, uma tal situação pode mais facilmente remeter para «um acto de desespero» momentâneo, do que propriamente para um esquema de vida, uma opção que ele tenha feito para viver à custa dos proventos assim obtidos.

3 - Os furtos por ele praticados poderiam vir mais por «pressão» do vício - e é o mais normal que assim seja – do que por um modo de vida, que implica sempre uma opção no sentido de estruturar a vida quotidiana, total ou parcialmente, na prática desses actos ilícitos, como forma de angariar os «proventos necessários à vida em comunidade». Tal implica, de facto, uma estabilidade, no sentido de regularidade e permanência, ainda que essa prática não tenha durado por um grande lapso de tempo.

Ac. do STJ de 30.10.09.2005, Proc. n.º 2030/04 – 5, Relator: Cons. Rodrigues da Costa

Tráfico de estupefacientes — “correio” de droga — Jovem delinquente — Atenuação especial da pena

1 - O regime penal especial para jovens delinquentes não é de aplicação automática, devendo o Tribunal de equacionar a sua aplicação ao caso concreto se o agente tiver aquela idade. O Tribunal deve começar por ponderar a gravidade do crime cometido, aferida pela medida da pena aplicável, e , depois, só deverá aplicar a atenuação especial a jovens delinquentes quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.

2 - Por isso, haverá que apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes

3 - Se a arguida tem apenas 20 anos de idade, é delinquente primário, confessou os factos integralmente e sem reservas, está arrependida e estava desempregada ao tempo dos factos (introdução em Portugal por via aérea de cerca de 2 kg em Portugal), apesar da gravidade da sua conduta é de atenuar especialmente a pena, como jovem delinquente e aplicar a pena de 3 anos e 6 meses de prisão.

Ac. do STJ de 20.10.2005, Proc. n.º 2966/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

Tráfico de estupefacientes — escutas telefónicas — fundamentação (meios de prova) — medida da pena

1 - Tendo o Tribunal da Relação concluído que o respectivo juiz de instrução se não se circunscreveu a um papel de mero «tabelionato» no controle das escutas telefónicas, pois não só as ordenou como as seguiu segundo um processo que ficou descrito na decisão da Relação, em que avulta o facto de aquele juiz ter ordenado as respectivas transcrições na parte que interessava, depois de se certificar do seu conteúdo, nomeadamente através da audição dos respectivos CD-RM, mandando desmagnetizar as que não interessavam e tendo essas operações sido efectuadas com indicação pela entidade policial das passagens das gravações consideradas relevantes para a prova, nenhuma nulidade foi cometida, tendo em vista os números 1 e 2 do art. 188.º do CPP.

2 - É de concluir como estando enunciadas as razões de necessidade das intercepções telefónicas na inventariação dos passos que levaram à autorização daquelas, em que avulta o facto de haver fortes suspeitas de que os arguidos, nem todos identificados, se dedicavam ao tráfico, escondendo a droga num local ainda não determinado e usando como veículo privilegiado do contacto entre eles o telefone móvel, havendo, assim, razões para crer na especial operatividade desse meio de prova.

3 - Não tendo sido anuladas as escutas telefónicas e as provas delas dependentes e desse modo ficando de pé, intacta, toda a prova mais relevante em que assentou a decisão de facto, não interessaria que o tribunal «a quo» se debruçasse sobre cada um desses meios de prova, sendo bastante a remissão para a fundamentação da convicção do tribunal da 1ª instância com a invocação sumária do sentido que se colhia de todas as provas produzidas, quer as imediatamente resultantes das escutas telefónicas e consubstanciadas nas respectivas transcrições, quer as outras provas para além dessas e que terão resultado, em grande parte, das primeiras.

4 - Sendo a pena aplicada tangente ao limite mínimo exigível para dar satisfação às expectativas comunitárias de reafirmação da norma jurídica violada, é completamente irrealista o seu abaixamento para um limite muito próximo do mínimo abstracto da moldura penal, de mais a mais tendo havido um duplo grau de jurisdição e sendo os poderes de cognição do STJ nesta matéria do quantum da pena limitados à verificação da violação das regras da experiência ou da desproporção evidente da quantificação efectuada.

Ac. do STJ de 06.10.2005, proc. n.º 1266/05–5, Relator: Cons. Rodrigues da Costa

Rejeição do recurso — manifesta improcedência

É manifestamente improcedente o recurso quando é clara a sua inviabilidade, quando no exame necessariamente perfunctório a que se procede no visto preliminar, se pode concluir, face à alegação do recorrente, à letra da lei e às posições da jurisprudenciais sobre as questões suscitadas, que aquele recurso está votado ao insucesso. O que sucede quando o recorrente impugna a pena concretamente aplicada e que se situa junto do limite mínimo da respectiva moldura e pede a fixação de uma pena de 3 anos suspensa na sua execução, quando aquele limite mínimo é de 4 anos.

Ac. do STJ de 20.102005, Proc. n.º 2886/05-5, Relator: Cons. Simas Santos