domingo, 24 de março de 2013

Lóbis e tráfico


Correio da Manhã
Sentir o Direito
Por influência do seu homólogo francês de 1993, o nosso Código Penal de 1995 prevê, no artigo 335º, o crime de tráfico de influência.

Por: Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
Esta nova incriminação (raramente aplicada pelos tribunais) está inserida no domínio dos crimes contra a realização do Estado de Direito e é punível, nos casos mais graves, com penas de prisão cujo limite máximo é de cinco anos.
Este tipo de crime foi alargado por sucessivas reformas penais. Hoje, abrange a conduta de quem, diretamente ou através de outrem, solicitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial (ou a sua promessa) para abusar da influência, real ou suposta, no sentido de obter uma decisão, lícita ou ilícita, de uma entidade pública.
Com esta incriminação, que é complementar do crime de corrupção (do qual, aliás, nem sempre se distingue com facilidade), o legislador pretende evitar que o Estado e a Administração Pública fiquem reféns de interesses ilegítimos. Para além da transparência no exercício do poder, a norma protege a igualdade entre titulares de interesses concorrentes.
Porém, a incriminação é algo vaga e abrange situações de diferente importância. Assim, numa leitura imediata, ela parece abarcar não só a instrumentalização do poder para condutas criminosas, mas também a defesa de interesses e a persuasão legítima de decisores políticos. Esta ambiguidade da norma explicará, em parte, as dificuldades de investigar o crime.
Discute-se, hoje, no Conselho da Europa, a necessidade de regular a "atividade lobista", o que implicaria, desde logo, o seu registo, à semelhança do que sucede nos Estados Unidos da América. A Comissão Europeia para a Democracia através do Direito ("Comissão de Veneza"), órgão consultivo do Conselho da Europa, já aprovou um parecer sobre esta matéria.
No entanto, existem duas ideias em confronto sobre o assunto. A conceção mais liberal sustenta que toda a "atividade lobista" será legítima desde que transparente, ou seja, assumida às claras. Uma visão mais comedida distingue uma intervenção legítima dos lóbis de uma pressão ilegítima de interesses económico-financeiros sobre o poder político.
É este último entendimento o que se adequa à Constituição portuguesa, que consagra, no artigo 80º, a subordinação do poder económico ao poder político democrático. A pressão dos grandes grupos económicos sobre o poder político não se torna legítima só por estar registada. Os lóbis têm de respeitar a soberania popular, a igualdade e os direitos fundamentais.