quinta-feira, 30 de junho de 2005

Direitos sacrossantos

Por Artur Costa, juiz conselheiro, no JN de hoje:
Eduardo Lourenço, num livro a todos os títulos notável, como todos os que escreve e nos deixam esmagados sob o peso de tanta lucidez, retratou os tempos conturbados, sem bússola, confrangedoramente marcados pela perplexidade, que são estes de implosão de todos os valores em que julgávamos (os da minha e de algumas gerações precedentes) assentar, talvez de uma forma demasiado definitiva, uma ordem mais justa, aquilo que talvez merecesse verdadeiramente o nome de "ordem democrática". A esse livro chamou significativamente "O esplendor do caos". Caos é a ordem ou a desordem reinante. Um caos esplendoroso, quer dizer, ofuscante no seu vazio. Um vazio que não é só o da "sociedade do espectáculo" de que falava Guy Debors e que encontra no endeusamento da mercadoria a sua suprema razão de ser, mas o resultante do esvaziamento de tudo o que de substancial, em termos (vá lá!) de dignidade humana, se foi conquistando, com muitas, lágrimas, suor e sangue, ao longo de séculos. Estão neste caso muitos, senão a maior parte, dos direitos que nos habituámos a considerar como fundamentais ou direitos humanos e que como tais foram consagrados nas constituições e em convenções internacionais. Como dizia Eduardo Lourenço, agora pedem-nos que abdiquemos desses direitos. Mas não só nos pedem isso, porque o caminho da inversão foi entretanto progredindo. Pedem-nos que exautoremos como condenável tudo o que fez a exaltação desses direitos. Para mais facilmente quebrarem as resistências com que ainda nos apegamos a eles, arranjaram um adjectivo-anátema "sacrossanto". São os sacrossantos direitos adquiridos. Chamam-lhes "sacrossantos" para os diabolizarem, os novos sacerdotes do ideal da precariedade.

Casa da Suplicação XLIV

Jovem delinquente — abuso sexual de menor — atenuação especial da pena — medida da pena — pena suspensa
1 – Se o arguido já foi altamente beneficiado com o usufruto do regime especial para jovens adultos que o tribunal recorrido lhe concedeu, mesmo sem uma justificação muito convincente das reclamadas «vantagens para a reinserção do jovem condenado», a pena suspensa que, em vez dos 21 meses de prisão em que foi condenado, indo mais longe ainda, ora reclama, não tem fundamento para ser concedida.
2 - Por um lado, porque, como resulta do texto legal, a pena suspensa – art.º 50.º, n.º 1, do Código Penal – só pode ser concedida após a formulação de um juízo de prognose favorável ao arguido, o que não é o caso. O tribunal recorrido, com base nos factos provados afastou fundadamente esse juízo prognóstico favorável, tendo em conta, nomeadamente a ausência de atenuantes de tomo, nomeadamente a não assunção/interiorização dos factos praticados na sua integralidade pelo arguido.
3 - Por outro, a gravidade objectiva do ilícito cometido e a ostensiva necessidade de defesa do ordenamento jurídico sempre constituiriam obstáculo de peso a tal objectivo, tendo em conta, nomeadamente, o aproveitamento feito pelo arguido da situação de acentuadas fragilidades da sua vítima, incluída alguma debilidade mental.
Ac. de 29.06.2005 do STJ, proc. n.º 2325/05, Relator Cons. Pereira Madeira

Omissão de pronúncia — excesso de pronúncia — alteração oficiosa da qualificação jurídica — Tribunal Superior — medida concreta da pena — reformatio in pejus
1 – Se a Relação ponderou pontualmente cada um dos aspectos questionados perante o Supremo Tribunal de Justiça, mesmo se daí não extraiu as consequências desejadas pelo recorrente não se verifica omissão de pronúncia.
2 – Se a Relação reapreciou oficiosamente a qualificação jurídica da conduta na sequência de uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça, de acordo com o Ac. de fixação de jurisprudência nº 4/95, de 7.6.95 (DR IS-A de 6-7-95 e BMJ 448-107), que assim o entendeu, não se verifica excesso de pronúncia.
3 – Se a Relação decide que são procedentes as críticas do recorrente quanto à diferença da pena entre a que lhe foi infligida e a do seu co-autor, mas que se trata de um crime qualificado, não pode determinar a medida concreta da pena neste último quadro e, por isso, não extrair consequências na medida da pena pelo crime constante da decisão da 1.ª instância e não impugnada, por se opor a tal a proibição da reformatio in pejus.
Ac. de 29.06.2005 do STJ, proc. n.º 1946/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça — pedido de reforma — aplicabilidade do CPC
1 – Se é pedida a reforma de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça invocando o disposto no art. 732.º do CPC, está-se a invocar o dispositivo do art. 669.º do mesmo diploma, mas uma vez que no que se refere à reforma da sentença, e o art. 380.º do CPP já dispõe sobre os limites da correcção da sentença penal, tal não se deve ter como aplicável em processo penal.
2 – Mas mesmo que o fosse, necessário se tornava que o requerente indicasse e caracterizasse a ou as alíneas aplicáveis do n.º 2 daquele art. 669.º do CPC.
3 – Não o fazendo, seria sempre improcedente a sua pretensão.
Ac. de 29.06.2005 do STJ, proc. n.º 1442/05-5, Relator: Simas Santos

Convenção da Haia sobre Pactos de Jurisdição adoptada hoje

Após mais de uma década de trabalho, e após uma radical redução do âmbito material de aplicação (a ideia original era uma espécie de Convenção de Bruxelas à escala universal), foi hoje adoptada a Convenção da Haia sobre Pactos de Jurisdição.
Ver mais informações aqui. Cf. também aqui.