Omissão de pronúncia- Acórdão de suprimento da nulidade - recurso interposto por quem se havia conformado - Concurso de infracções - Cúmulo jurídico - Pena unitária - Suspensão da execução da pena - Poder-dever
1 – Se dos vários arguidos condenados pela 1.ª instância, só um recorre para o Supremo Tribunal de Justiça que vem a anular o acórdão recorrido, por ter omitido pronúncia sobre a aplicabilidade ao recorrente do regime de jovem delinquente, os outros arguidos não recorrentes não podem recorrer do acórdão da 1.ª Instância que supriu aquela omissão, por terem conformado com a decisão condenatória ao não interporem tempestivamente recurso.
2 – tal recurso, se interposto, deve ser rejeitado.
3 – A pena unitária que deve ser aplicada quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é determinada atendendo, em conjunto, aos factos e à personalidade do agente. Mas são também atendíveis os elementos a que se refere o art. 71.º do C. Penal, como as condições pessoais do agente que se reflectem, aliás no caso sujeito, na sua personalidade.
5 – Importa ter em atenção a soma das penas parcelares que integram o concurso, atento o princípio de cumulação, a fonte essencial de inspiração do cúmulo jurídico em que são determinadas as penas concretas aplicáveis a cada um dos crimes singulares, construindo-se depois uma moldura penal do concurso, dentro do qual é encontrada a pena unitária
6 – Sem esquecer, no entanto, que o nosso sistema é um sistema de pena única em que o limite mínimo da moldura atendível é constituído pela mais grave das penas parcelares (numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação – a punição do concurso correrá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes, sem que possa ultrapassar a soma das penas concretamente que seriam de aplicar aos crimes singulares).
7 – Como vem entendendo o STJ, quando o tribunal aplica uma pena de prisão não superior a 3 anos, tem sempre de apreciar fundamentadamente a possibilidade de suspender a respectiva execução, pelo que não pode deixar de indagar pela verificação das respectivas condições (prognose e necessidades de prevenção) e exarar o resultado dessa indagação, decidindo em conformidade. Se o não fizer, o tribunal deixa de se pronunciar sobre questão que devia apreciar.
8 – Trata-se de um poder-dever, ou seja um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos. Sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, o juiz tem o dever de suspender a execução da pena: esta é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico
Ac. do STJ de 19.01.2005, Proc. n.º 2925/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
quinta-feira, 19 de janeiro de 2006
Casa da Suplicação LVII
SOBRE O PROJECTO DE "LEI-QUADRO DA POLÍTICA CRIMINAL"
Ao começar a minha intervenção neste encontro, quero que fique claro, até para melhor compreensão do que vou dizer, que estou de acordo com a necessidade de serem definidas as prioridades da investigação criminal, assim como estou de acordo com a necessidade de reforçar a ligação entre o Ministério Público e a Assembleia da República.
Dois aspectos em que este projecto de lei constitui, a meu ver, um passo positivo.
Escrevi em Setembro do ano passado, de 2004:
“Em face do actual texto constitucional sobre as funções do Ministério Público (nº1 do artigo 219º), entendo que se mostra necessário reforçar a ligação entre o Ministério Público e a Assembleia da República (responsável, em última instância, pela definição da política criminal), e que seria desejável, face à impossibilidade prática de conceder igual prioridade a todas as investigações, que esta definisse, de forma geral, quais as prioridades da investigação criminal, dotando o Ministério Público de legislação e dos meios necessários à fiscalização e inspecção do seu cumprimento pelas polícias”.
Por isso, saudei o ponto do Programa do Governo para a Justiça, em que se afirma que, “no plano da política criminal, a Assembleia da República, sob iniciativa do Governo, passará a prever periodicamente, de forma geral e abstracta, as prioridades da política de investigação criminal, bem como as responsabilidades de execução dessa política, nomeadamente no que respeita ao Ministério Público, com base num novo quadro normativo específico de desenvolvimento do artigo 219º da Constituição”.
A situação actual caracteriza-se:
- Pela existência de prioridades na investigação e no procedimento criminais que não são conhecidas nem controláveis;
- Os critérios de definição de prioridades não são, sequer, coincidentes entre o Ministério Público e as polícias, ou mesmo entre sectores diferentes daquele e destas;
- Deles está arredada, amiúde, qualquer reflexão à luz dos valores constitucionais;
- As prioridades da investigação e do procedimento criminais ficam completamente à mercê de critérios de puro pragmatismo (como sejam a tirania das estatísticas cegas, a maior ou menor facilidade de esclarecimento dos factos e do seu tratamento jurídico-penal, ou os custo da investigação), ou de interferências exteriores (como sejam a gestão dos avanços e recuos da investigação através da utilização da comunicação sócia e a pressão ilegítima de interesses de grupo, de natureza económica, social ou política);
Ou seja: existem, de facto, prioridades estabelecidas por critérios não legitimados democraticamente.
A definição de prioridades da investigação e do procedimento criminais terá de respeitar os seguintes três princípios essenciais, constitucionalmente consagrados: o princípio da legalidade; a independência dos tribunais e a autonomia do Ministério Público.
Do que se extrai que: a definição das prioridades de investigação e do procedimento criminais não pode significar a exclusão da perseguição de algumas das condutas tipificadas pela lei como crime; que não poderá referir-se a processos concretos e, portanto, que os critérios de definição das prioridades terão de ser suficientemente gerais e abstractos de forma a não poderem configurar qualquer tipo de intromissão no tratamento de dossiês determinados; que o respeito pela independência dos tribunais não significa que não possam ser definidas também prioridades na fase de julgamento.
A definição de prioridades da investigação e do procedimento criminais introduz um princípio de responsabilidade política. Da Assembleia da República, na definição dos fenómenos criminais a que - à luz dos valores constitucionais, da realidade criminal, da situação social e política do país e dos compromissos internacionais – deve ser dada atenção prioritária; e do Governo, enquanto condutor da “política geral do país” e responsável pela criação das condições necessárias à efectiva aplicação da política criminal. Ao Ministério Público compete dirigir a investigação criminal e exercer a acção penal, a que está indissociavelmente associado um dever de prestação de contas à comunidade por parte de todos os que têm responsabilidades na execução da política criminal.
Chegados aqui, chegamos ao projecto de Lei-Quadro da Política Criminal apresentado pelo Governo, e que aqui viemos debater.
Quero começar por referir que se encontram significativas alterações entre o conhecido projecto inicial e o que neste momento temos em cima da mesa. E por saudar a generalidade dessas alterações, de que destaco:
- O alargamento do seu âmbito à “prevenção da criminalidade”;
- A eliminação da possibilidade da definição de “vários níveis de prioridade”, que iria constituir seguramente um desnecessário factor de perturbação;
- A clarificação, ainda insuficiente contudo, dos poderes funcionais e de direcção do Procurador-Geral da República e do Ministério Público – que resulta da eliminação do ruído introduzido pela referência que era feita, no projecto inicial, à subordinação dos órgãos de polícia criminal, no âmbito da investigação criminal, às “directivas, ordens e instruções do Governo”; e do actual artº 13º, sobre o Ministério Público, que não só mantém a competência do Procurador-Geral da República para emitir directivas, ordens e instruções destinadas a fazer cumprir as resoluções sobre a política criminal”, como determina que “cabe ao Ministério Público identificar os processos abrangidos pelas prioridades e orientações“ daquelas constantes;
- A eliminação do enigmático artigo que previa a publicação, no prazo de 90 dias após a sua entrada em vigor, de “eventuais alterações ao Estatuto do Ministério Público e às leis orgânicas dos serviços e forças de segurança que se revelarem necessárias” – pois, ao nível de eventuais alterações que se prevejam dever ser introduzidas naqueles diplomas, tudo deverá ficar clarificado neste momento a bem da coerência e da transparência do debate democrático.
Ora, é por aqui que começo, agora, a referir três notas críticas ao projecto que estamos a debater, de importância fundamental, que podem fazer a diferença entre um projecto a aplaudir ou um projecto a rejeitar:
1ª Nota
Este projecto atribui ao Ministério Público a responsabilidade pela execução das prioridades de política criminal em matéria de prevenção (quando for da sua competência), de investigação e de acção criminais, tendo o PGR o dever de apresentar ao Governo e à Assembleia da República o respectivo relatório de execução.
Como instrumentos de implementação e direcção de tal política, para além dos que constam já de outros diplomas legais, atribui este projecto de Lei ao PGR o poder de emitir as necessárias “directivas, ordens e instruções”, e ao Ministério Público, como também já foi referido, o poder/dever de identificar os processos prioritários. Vai, e bem!, em sentido inverso àquele em que caminhou a lei de Organização da Investigação Criminal, só que, sem que esta seja alterada por forma a compatibilizar-se com a filosofia deste novo diploma, nomeadamente no que respeita aos conceitos de autonomia policial, e sem que seja legalmente garantido que o Ministério Público pode fiscalizar/ inspeccionar (como já pôde) o cumprimento das prioridades por parte dos órgãos de polícia criminal, na afectação e gestão dos seus meios, restará a quem tem de prestar, a final, contas públicas pelo cumprimento das prioridades de política criminal, apenas, quando estas não sejam respeitadas em concreto, o recurso à avocação do processo.
2ª Nota
Uma perplexidade que me suscita este projecto é a completa ausência de referência, directa ou indirecta, às condições materiais inerentes ao seu cumprimento.
A definição das prioridades de política criminal, que tem necessariamente inerente uma expectativa de resultados, implica, para além de outros aspectos que já anteriormente referi, uma avaliação e previsão dos meios humanos, técnicos, de formação e financeiros disponíveis e necessários. Ora, não só o actual projecto de lei é omisso nestas matérias, como as datas da aprovação e entrada em vigor da resolução da Assembleia da República (até 15 de Junho e 1 de Setembro, respectivamente) parecem indiciar não ter sido uma preocupação a previsão do seu impacto orçamental, por forma a garantir atempadamente os meios necessários à sustentabilidade (diria melhor, à viabilidade!) da sua execução.
3ª Nota
Para o cabal cumprimento dos objectivos desta lei, devia prever-se também o possível estabelecimento de prioridades no agendamento de julgamentos.
Duas preocupações interpelam muitos de nós:
1ª Que este projecto possa conduzir, na prática, à não perseguição dos crimes não considerados de investigação prioritária;
2ª Que esta lei possa, de alguma forma, inserir elementos de governamentalização na definição das orientações de investigação criminal.
Para que não se concretize a primeira das preocupações de que acabei de fazer eco, é necessário: investir na modernização e organização eficaz dos serviços e dos procedimentos, e na formação; que exista a já anteriormente referida previsão adequada dos meios técnicos e humanos que viabilizem a execução da “política criminal” aprovada; que se apliquem e se aprofundem as soluções de diversão do conflito penal e as formas de processo mais expeditas; que, de uma vez por todas, se acrescente a mediação ao instrumentário da justiça penal.
Quanto à segunda das preocupações que referi, gostaria de sublinhar a importância de as prioridades de investigação criminal – que terão de tomar em consideração o balanceamento dos valores constitucionais, a realidade criminal, a situação social e política do país e os compromissos internacionais - serem objecto de um amplo debate público e de um alargado consenso na Assembleia da República. E, por fim, de lembrar a garantia que representa para a autonomia do Ministério Público – e, portanto, para a independência dos tribunais - o facto de o Procurador-Geral da República ter um mandato definido, com uma duração (6 anos) propositadamente não coincidente com os mandatos do Presidente da República e do Governo, por forma a evitar o seu alinhamento pelos normais ciclos político-partidários.
· Texto da intervenção proferida , em 9 de Dezembro de 2005, em Coimbra, na Conferência Nacional organizada pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público sobre o tema “O Ministério Público na Execução da Política Criminal”
Dois aspectos em que este projecto de lei constitui, a meu ver, um passo positivo.
Escrevi em Setembro do ano passado, de 2004:
“Em face do actual texto constitucional sobre as funções do Ministério Público (nº1 do artigo 219º), entendo que se mostra necessário reforçar a ligação entre o Ministério Público e a Assembleia da República (responsável, em última instância, pela definição da política criminal), e que seria desejável, face à impossibilidade prática de conceder igual prioridade a todas as investigações, que esta definisse, de forma geral, quais as prioridades da investigação criminal, dotando o Ministério Público de legislação e dos meios necessários à fiscalização e inspecção do seu cumprimento pelas polícias”.
Por isso, saudei o ponto do Programa do Governo para a Justiça, em que se afirma que, “no plano da política criminal, a Assembleia da República, sob iniciativa do Governo, passará a prever periodicamente, de forma geral e abstracta, as prioridades da política de investigação criminal, bem como as responsabilidades de execução dessa política, nomeadamente no que respeita ao Ministério Público, com base num novo quadro normativo específico de desenvolvimento do artigo 219º da Constituição”.
A situação actual caracteriza-se:
- Pela existência de prioridades na investigação e no procedimento criminais que não são conhecidas nem controláveis;
- Os critérios de definição de prioridades não são, sequer, coincidentes entre o Ministério Público e as polícias, ou mesmo entre sectores diferentes daquele e destas;
- Deles está arredada, amiúde, qualquer reflexão à luz dos valores constitucionais;
- As prioridades da investigação e do procedimento criminais ficam completamente à mercê de critérios de puro pragmatismo (como sejam a tirania das estatísticas cegas, a maior ou menor facilidade de esclarecimento dos factos e do seu tratamento jurídico-penal, ou os custo da investigação), ou de interferências exteriores (como sejam a gestão dos avanços e recuos da investigação através da utilização da comunicação sócia e a pressão ilegítima de interesses de grupo, de natureza económica, social ou política);
Ou seja: existem, de facto, prioridades estabelecidas por critérios não legitimados democraticamente.
A definição de prioridades da investigação e do procedimento criminais terá de respeitar os seguintes três princípios essenciais, constitucionalmente consagrados: o princípio da legalidade; a independência dos tribunais e a autonomia do Ministério Público.
Do que se extrai que: a definição das prioridades de investigação e do procedimento criminais não pode significar a exclusão da perseguição de algumas das condutas tipificadas pela lei como crime; que não poderá referir-se a processos concretos e, portanto, que os critérios de definição das prioridades terão de ser suficientemente gerais e abstractos de forma a não poderem configurar qualquer tipo de intromissão no tratamento de dossiês determinados; que o respeito pela independência dos tribunais não significa que não possam ser definidas também prioridades na fase de julgamento.
A definição de prioridades da investigação e do procedimento criminais introduz um princípio de responsabilidade política. Da Assembleia da República, na definição dos fenómenos criminais a que - à luz dos valores constitucionais, da realidade criminal, da situação social e política do país e dos compromissos internacionais – deve ser dada atenção prioritária; e do Governo, enquanto condutor da “política geral do país” e responsável pela criação das condições necessárias à efectiva aplicação da política criminal. Ao Ministério Público compete dirigir a investigação criminal e exercer a acção penal, a que está indissociavelmente associado um dever de prestação de contas à comunidade por parte de todos os que têm responsabilidades na execução da política criminal.
Chegados aqui, chegamos ao projecto de Lei-Quadro da Política Criminal apresentado pelo Governo, e que aqui viemos debater.
Quero começar por referir que se encontram significativas alterações entre o conhecido projecto inicial e o que neste momento temos em cima da mesa. E por saudar a generalidade dessas alterações, de que destaco:
- O alargamento do seu âmbito à “prevenção da criminalidade”;
- A eliminação da possibilidade da definição de “vários níveis de prioridade”, que iria constituir seguramente um desnecessário factor de perturbação;
- A clarificação, ainda insuficiente contudo, dos poderes funcionais e de direcção do Procurador-Geral da República e do Ministério Público – que resulta da eliminação do ruído introduzido pela referência que era feita, no projecto inicial, à subordinação dos órgãos de polícia criminal, no âmbito da investigação criminal, às “directivas, ordens e instruções do Governo”; e do actual artº 13º, sobre o Ministério Público, que não só mantém a competência do Procurador-Geral da República para emitir directivas, ordens e instruções destinadas a fazer cumprir as resoluções sobre a política criminal”, como determina que “cabe ao Ministério Público identificar os processos abrangidos pelas prioridades e orientações“ daquelas constantes;
- A eliminação do enigmático artigo que previa a publicação, no prazo de 90 dias após a sua entrada em vigor, de “eventuais alterações ao Estatuto do Ministério Público e às leis orgânicas dos serviços e forças de segurança que se revelarem necessárias” – pois, ao nível de eventuais alterações que se prevejam dever ser introduzidas naqueles diplomas, tudo deverá ficar clarificado neste momento a bem da coerência e da transparência do debate democrático.
Ora, é por aqui que começo, agora, a referir três notas críticas ao projecto que estamos a debater, de importância fundamental, que podem fazer a diferença entre um projecto a aplaudir ou um projecto a rejeitar:
1ª Nota
Este projecto atribui ao Ministério Público a responsabilidade pela execução das prioridades de política criminal em matéria de prevenção (quando for da sua competência), de investigação e de acção criminais, tendo o PGR o dever de apresentar ao Governo e à Assembleia da República o respectivo relatório de execução.
Como instrumentos de implementação e direcção de tal política, para além dos que constam já de outros diplomas legais, atribui este projecto de Lei ao PGR o poder de emitir as necessárias “directivas, ordens e instruções”, e ao Ministério Público, como também já foi referido, o poder/dever de identificar os processos prioritários. Vai, e bem!, em sentido inverso àquele em que caminhou a lei de Organização da Investigação Criminal, só que, sem que esta seja alterada por forma a compatibilizar-se com a filosofia deste novo diploma, nomeadamente no que respeita aos conceitos de autonomia policial, e sem que seja legalmente garantido que o Ministério Público pode fiscalizar/ inspeccionar (como já pôde) o cumprimento das prioridades por parte dos órgãos de polícia criminal, na afectação e gestão dos seus meios, restará a quem tem de prestar, a final, contas públicas pelo cumprimento das prioridades de política criminal, apenas, quando estas não sejam respeitadas em concreto, o recurso à avocação do processo.
2ª Nota
Uma perplexidade que me suscita este projecto é a completa ausência de referência, directa ou indirecta, às condições materiais inerentes ao seu cumprimento.
A definição das prioridades de política criminal, que tem necessariamente inerente uma expectativa de resultados, implica, para além de outros aspectos que já anteriormente referi, uma avaliação e previsão dos meios humanos, técnicos, de formação e financeiros disponíveis e necessários. Ora, não só o actual projecto de lei é omisso nestas matérias, como as datas da aprovação e entrada em vigor da resolução da Assembleia da República (até 15 de Junho e 1 de Setembro, respectivamente) parecem indiciar não ter sido uma preocupação a previsão do seu impacto orçamental, por forma a garantir atempadamente os meios necessários à sustentabilidade (diria melhor, à viabilidade!) da sua execução.
3ª Nota
Para o cabal cumprimento dos objectivos desta lei, devia prever-se também o possível estabelecimento de prioridades no agendamento de julgamentos.
Duas preocupações interpelam muitos de nós:
1ª Que este projecto possa conduzir, na prática, à não perseguição dos crimes não considerados de investigação prioritária;
2ª Que esta lei possa, de alguma forma, inserir elementos de governamentalização na definição das orientações de investigação criminal.
Para que não se concretize a primeira das preocupações de que acabei de fazer eco, é necessário: investir na modernização e organização eficaz dos serviços e dos procedimentos, e na formação; que exista a já anteriormente referida previsão adequada dos meios técnicos e humanos que viabilizem a execução da “política criminal” aprovada; que se apliquem e se aprofundem as soluções de diversão do conflito penal e as formas de processo mais expeditas; que, de uma vez por todas, se acrescente a mediação ao instrumentário da justiça penal.
Quanto à segunda das preocupações que referi, gostaria de sublinhar a importância de as prioridades de investigação criminal – que terão de tomar em consideração o balanceamento dos valores constitucionais, a realidade criminal, a situação social e política do país e os compromissos internacionais - serem objecto de um amplo debate público e de um alargado consenso na Assembleia da República. E, por fim, de lembrar a garantia que representa para a autonomia do Ministério Público – e, portanto, para a independência dos tribunais - o facto de o Procurador-Geral da República ter um mandato definido, com uma duração (6 anos) propositadamente não coincidente com os mandatos do Presidente da República e do Governo, por forma a evitar o seu alinhamento pelos normais ciclos político-partidários.
· Texto da intervenção proferida , em 9 de Dezembro de 2005, em Coimbra, na Conferência Nacional organizada pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público sobre o tema “O Ministério Público na Execução da Política Criminal”
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