FRANCISCO
TEIXEIRA DA MOTA
"Adopção por casais gays
volta à AR, advogados defendem chumbo" era o título de uma notícia ontem
do PÚBLICO. Na verdade, em 9 de Outubro de 2012, a Ordem dos Advogados, um
prestigiado organismo corporativo, emitiu um parecer em que se afirma que os
casais do mesmo sexo "não têm, seguramente (nem devem ter), direito a
adoptar, porquanto esse pretenso direito colide frontalmente com o direito das
crianças a serem adoptadas por uma família natural". São assim os
advogados. Cheios de certezas e sabedorias, opinando sobre tudo, mesmo quando,
seguramente, como diria qualquer advogado, não têm razão...
Mas a história desta semana
não é sobre advogados e a adopção por casais do mesmo sexo. Ficará para outro
dia. Desta vez, a história passa-se nos Estados Unidos da América e o tema são
advogados e direitos de autor.
Os vilões desta história são
um grupo de advogados que, por detrás de diversas empresas-fantasmas, sedeadas
em paraísos fiscais, se dedicam, desde 2010, a, literalmente, saquear incautos
internautas que descarregam ou tentam descarregar ilegalmente filmes
pornográficos.
No passado dia 6 de Maio, o
juiz Otis D. Wright do tribunal do Central District of California decidiu
puni-los e expô-los publicamente, revelando-nos as subtilezas e potencialidades
deste nicho do mercado jurídico.
Começa, assim, a decisão do
juiz Wright:
"Os queixosos
manipularam o sistema legal. Descobriram a conexão entre antiquadas leis de
direitos de autor, um estigma social paralisante e os insuportáveis custos de
um processo judicial. E exploram esta anomalia, acusando cidadãos de
descarregarem ilegalmente um só filme pornográfico. Em seguida, oferecem-se
para fazer um acordo - por um valor calculado um pouco abaixo do exorbitante
custo de uma defesa criminal. Para os cidadãos, a resistência é inútil;
preferem pagar a ver os seus nomes associados à descarga ilegal de pornografia.
E, assim, as leis de direitos de autor, originalmente criadas para compensar
artistas esfomeados, permitem a advogados esfomeados, nesta era de meios de
comunicação digitais, pilhar os cidadãos".
O modus operandi deste grupo de advogados era - e ainda
é - o seguinte: criaram empresas fictícias - Prenda Law, AF Holdings, Ingenuity
13 - com o único objectivo de instaurar processos por violação de direitos de
autor. Para o efeito, adquiriram direitos sobre filmes pornográficos e passaram
a vigiar a actividade de descarga (BitTorrent) dos filmes que lhes pertenciam,
gravando as moradas IP. De seguida, dirigiam-se aos tribunais, pedindo que
notificassem as empresas fornecedoras de acesso à Internet (ISP) para lhes
fornecerem a identidade dos assinantes dessas moradas IP. E, na posse destes
dados, escreviam-lhes cartas, ameaçando-os com um processo e apresentando uma
proposta de acordo extrajudicial contra o pagamento de quatro mil dólares.
A grande maioria dos
incautos internautas preferia o acordo à vergonha social e às inevitavelmente
elevadas despesas judiciais, pelo que os advogados em causa receberam, desde
2010, milhões de dólares que foram directamente para as suas contas e não para
as das empresas fictícias, não pagando quaisquer impostos. Quando as ameaças
não eram suficientes e algum dos notificados resistia judicialmente - até
porque o facto de ter sido utilizada uma dada morada IP não quer dizer que o
utilizador da mesma tenha sido o seu subscritor -, os advogados rapidamente
desistiam dos processos para não terem de revelar as suas identidades e a sua
sistemática actuação de saque indiscriminado.
Mas, num caso em que um
cidadão menos timorato decidiu resistir, caíram nas mãos do juiz Otis Wright,
que decidiu investigar a sua actuação, apesar de, rapidamente, terem desistido
do processo. O juiz, até porque descobrira que estavam a utilizar uma
identidade falsa junto do tribunal, ordenou a comparência em tribunal de vários
dos advogados envolvidos - Brett Gibbs, John Steele, Paul Hansmeier, Paul Duffy
- para esclarecerem a sua actuação e das empresas em causa. Passara, então, a
exercer as suas competências de apreciação das condutas impróprias de advogados
em tribunal, uma vez que o processo terminara por desistência.
Os notificados compareceram,
mas recusaram-se a responder às perguntas que lhes foram feitas, com base no
direito a não se auto-incriminarem.
O juiz Otis D. Wright II não
ficou parado: condenou-os a pagarem, a título de despesas, 81 mil dólares ao
cidadão que tinham incomodado com o processo, participou dos advogados para
fins disciplinares e criminais/fiscais e ordenou que lhes fossem comunicados
todos os processos e tribunais em que advogados e empresas em causa litigavam,
para transmitir aos juízes dos mesmos o que se estava a passar. Na verdade, a
pouca-vergonha não estava na descarga ilegal de filmes pornográficos...
Advogado. Escreve à
sexta-feira ftmota@netcabo.pt