A afirmação é de Fernando Jorge Fernandes,
presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, e, para além de espelhar a
essência da atividade sindical, ilustra a reminiscência de um ilustre político
polaco e ativista dos Direitos Humanos, Lech Walesa, que terá despertado a
consciência social neste domínio.
Partidário da ideologia sindical, Fernando
Jorge dá voz aos funcionários judiciais portugueses que se vêem quartados dos
seus direitos. Unida em jornadas de luta, a classe, em uníssono, continua a
pelejar pela observância dos Direitos, Liberdades e Garantias perante um
cenário político-económico adverso. Em entrevista ao 'Qualidade&Inovação',
o presidente comenta alguns dos paradigmas que marcam a atualidade jurídica.
Mais do que um marco histórico, o 25 de
abril é o corolário de conquistas geracionais. Uma revolução de esperança que
fez renascer os anseios que os portugueses traziam no âmago - que se
materializam na constituição de um Estado de Direito Democrático.
Assim, por entre as vitórias dos patriotas
que fizeram de «Grândola Vila Morena» um hino à resiliência, destaca-se a
elaboração da Constituição da República Portuguesa, onde se prevê, por exemplo,
a Liberdade Sindical (art.- 57). E é neste breve retrato histórico que se
enquadra a génese de muitos movimentos sindicalistas, entre eles o Sindicato
dos Funcionários Judiciais (SFJ). É em 1975, quando ainda "era proibido o
sindicalismo na Função Pública" comorecorda Fernando Jorge, presidente do
SFJ -, que reside "a origem deste
Sindicato". Na altura, "havia necessidade de criar este movimento
sindical, tendo, então, sido repartido por quatro zonas, nomeadamente. Norte,
Centro, Lisboa (onde se inclui Açores e Madeira) e Évora". Na verdade, o
cenário assim se manteve até 1987, estando as quatro organizações sob a égide
da Comissão Executiva Nacional. É então que, no seio dos sindicalistas, surge
uma ideia visionária: "Agregar as quatro unidades num sindicato nacional
único, naturalmente com as respetivas delegações". Com efeito, surge
oficialmente o Sindicato dos Funcionários Judicias, com uma matriz identitária
assente "na defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores",
recorda o entrevistado. A apenas dois anos de comemorar uma data emblemática -
40 anos -, Fernando Jorge aproveita o ensejo para tecer uma retrospetiva
daquilo que tem sido a ação sindical do SFJ. Assim, para além da ação
reivindicativa, a Instituição encara a vertente lúdica e recreativa como um
fator de coesão social, promovendo, para tal, "convívios nacionais,
atividades desportivas, e, inclusive, uma festa de Natal em todas as
delegações". Simultaneamente, a atuação do Sindicato dos Funcionários
Judiciais encontra-se alicerçada em três domínios: Formação, Apoio Jurídico e
Ação Médica.
"São os três fatores-chave",
atesta. No âmbito da formação, e de forma a apostar na qualificação dos seus
associados, o SFJ organiza, com frequência, iniciativas que visam
esclarecer/aprofundar conhecimentos sobre variadíssimas temáticas, como o
Regulamento sobre as Custas Processuais - sobre o qual o Sindicato publicou,
inclusive, "um livro já com duas edições", esclarece o presidente.
Para tal, "dispomos de um grupo de pessoas de reconhecida capacidade e
competência da área formativa, todos eles ex-dirigentes do Centro de Formação
de Funcionários Judiciais. Estes estão encarregues de coordenar o nosso
departamento e planear e promover ações por todo o país e todos os tribunais.
Recebemos inúmeras solicitações dos associados e só não fazemos mais porque não
podemos".
A corroborar a ênfase nesta vertente está
o facto de, no ano passado, ter sido gasta uma verba de 45 mil euros em ações
de formação. Sendo a Saúde um vetor de crucial importância em qualquer
sociedade, e estando o seu acesso cada vez mais limitado por fatores de ordem
económica - como o aumento das taxas moderadoras -, o SFJ estabeleceu um
protocolo que apresenta mais-valias inegáveis para os associados. Inicialmente,
"tínhamos os serviços sociais do Ministério da Justiça que, entretanto,
foram extintos. Para suprir esse deficit criámos um departamento de assistência
médica, através do qual os nossos associados têm acesso a consultas a preços
acessíveis - estendendo-se os benefícios até ao segundo grau de parentesco.
Paralelamente, e ainda neste domínio,
"disponibilizamos a vertente de crédito para serviço clínico", de
forma a acautelar as situações urgentes. Neste sentido, "o Sindicato
assume a responsabilidade junto dos hospitais com quem temos convenção e, a
posteriori, negociamos com a pessoa a forma de pagamento mensal sem qualquer
tipo de juros. O protocolo é de tal forma interessante que foi estendido ao
Sindicato do Ministério Público, Associação Sindical dos Juizes Portugueses,
Associação Sindical da Polícia Judiciária e, agora, ao Sindicato dos
Trabalhadores dos Impostos". Finalmente, no que ao apoio jurídico
concerne, e denotando o eminente crescimento das necessidades de proteção
jurídica, a Instituição dispõe de "um advogado, em cada uma das suas
delegações de Lisboa, Porto e Coimbra. Hoje, mais que nunca, é preciso acautelar
estas situações porque o número de sonegação de direitos e de processos
disciplinares tem aumentado". Tudo isto está ao alcance de qualquer
funcionário judicial sindicalizado pelo pagamento de uma quota de 0,75%.
Habitualmente, "aquilo que se assiste no âmbito sindical, genericamente, é
de 1%, havendo, no entanto, sindicatos que cobram estas vertentes à parte.
Aqui, no Sindicato dos Funcionários Judiciais, está tudo incluído",
garante.
Retrato de um país em «reforma» A reforma
da Justiça é um dos temas que tem marcado a agenda política dos sucessivos
governos, nos últimos anos. Porém, as sentenças que se protelam no tempo fazem
pairar um sentimento de impunidade nos autores dos crimes, e de "injustiça
para as vítimas". Assim, Fernando Jorge, perfeito conhecedor do quotidiano
dos tribunais, faz o diagnóstico: "O problema da Justiça, na ótica do
cidadão, reside na falta de celeridade que culmina, obviamente, na
descredibilização". Para contornar esta situação torna-se imperioso
"investir na Justiça e alterar a legislação". Por entre as medidas
mais mediatizadas no contexto de reforma judicial destaca-se, por exemplo, a do
Código de Processo Civil. Apesar de considerar que, efetivamente, "se
poderia ter ido mais longe", Fernando Jorge é perentório ao afirmar que
"as medidas previstas podem, de facto, tomar o processo civil mais célere.
É, a meu ver, uma boa medida".
Apesar "do debate sobre a Justiça já
ter sido mais intenso, nunca houve na calha reformas como as que se tem vindo a
assistir. É uma completa revolução", advoga. Neste sentido, impõe-se,
igualmente, o debate sobre a reforma do Mapa Judiciário - um tema que tem
divergido a opinião de figuras proeminentes. Questionado felativamente ao facto
dos interesses da sociedade estarem salvaguardados nesta reforma, Fernando
Jorge é categórico: "Não. Esse interesse não será acautelado porque a
Justiça vai ficar mais longe em todos os aspetos. Apesar dos meios informáticos
estarem mais desenvolvidos, estamos a afastar a Justiça dos cidadãos",
contrariando, assim, os princípios constitucionalmente previstos. "A
Justiça tornar-se-á mais fechada, sobretudo numa altura em que a situação de
crise socioeconómica impõe a necessidade das pessoas recorrerem aos tribunais
para lutar pela defesa dos seus direitos.
A reforma do mapa judiciário vai afastar
ainda mais as pessoas dos tribunais do trabalho, de família e, ao aumentar o
sentimento de impunidade, poderá criar situações em que se opte por fazer
justiça com as próprias mãos, o que seria um cenário muito problemático".
Neste tipo de reformas, temse olhado pelo prisma "económico, esquecendo-se
as questões sociais. Do meu ponto de vista, os grandes problemas são os sociais
e não os económicos". Embora reconhecendo a importância de uma estrutura
económica coesa para o crescimento de qualquer sociedade, o presidente do SFJ
defende que "é preponderante que a Justiça funcione bem, mas o que se tem
assistido nos últimos anos é a um desinvestimento, não só ao nível de
investimentos diretos, mas também de meios, equipamentos e, sobretudo, nos
profissionais. É notório o desinvestimento nas pessoas e na sua qualidade.
Neste debate de Justiça versus Economia não se pode desinvestir nos setores que
são fundamentais para a sociedade".
Prevendo este cenário de difícil acesso à
Justiça, há um aspeto que inquieta Fernando Jorge: a demissão, em bloco, da
equipa do Habilus - plataforma informática. "O Habilus era gerido por uma
equipa de oficias de justiça que se demitiu recentemente. Porém, o programa que
o Ministério está a planear usar ainda não está em condições de ser
implementado. Sem uma plataforma eficaz que assegure transferência eletrónica
de processos, não é possível implementar uma reforma judiciária eficaz".
De salientar que "a equipa do Habilus teve louvores em Diário da República e o programa chegou, inclusive, a ser levado a fóruns internacionais. A competência e eficácia daquela equipa e a qualidade do programa estão, indubitavelmente, comprovados". Por sua vez, a ação executiva, privatizada há 10 anos, foi, na ótica do entrevistado, "um erro".
De salientar que "a equipa do Habilus teve louvores em Diário da República e o programa chegou, inclusive, a ser levado a fóruns internacionais. A competência e eficácia daquela equipa e a qualidade do programa estão, indubitavelmente, comprovados". Por sua vez, a ação executiva, privatizada há 10 anos, foi, na ótica do entrevistado, "um erro".
Na tentativa de promover a celeridade,
optou-se "pela via da desjudicialização, mas o paradigma não mudou. Na
atualidade fala-se numa reforma da ação executiva, atribuindo-se novamente ao
tribunal o cumprimento de muitas ações executivas. Contudo, não podemos
esquecer que, nestes 10 anos, saíram dos tribunais 2 mil funcionários e
entraram apenas cerca de 130.
Os tribunais estão, portanto, numa
situação de rutura". Aliás, este foi um dos temas que marcou a abertura do
ano judicial, sendo que o Presidente da República e a própria ministra da
Justiça já se tinham pronunciado concordando com a necessidade de admitir
funcionários nos tribunais. "Esta não é uma questão sindical nem de
corporativismo. Se está na agenda política é porque é, efetivamente, uma
situação gravíssima". Recentemente, o Ministério da Justiça anunciou a
admissão de 500 estagiários que irão ingressar nos tribunais. Apesar de,
tendencialmente, esta medida poder representar um fator favorável para os
tribunais, já que, durante um ano, usufruirão do contributo de 500
profissionais licenciados, na opinião do presidente do SFJ, esta situação
consubstancia-se, claramente, "num cenário de trabalho precário. Esta
medida já foi adotada por governos anteriores, não é uma inovação. Em anos transatos
foram admitidos estágios profissionais nos tribunais porque, efetivamente, está
previsto na Lei, não há nenhuma irregularidade no processo". Porém,
acontecerá o mesmo que "sucedeu há dois anos: os estagiários - por quem
nutro enorme apreço empenham-semuito e têm conhecimentos, mas quando já estão a
desempenhar muito bem as funções termina o estágio. Este enquadramento mais não
é do que uma situação para remediar a falta de funcionários judiciais. Se nos
dessem a garantia de que, findo o estágio, seria aberto um concurso para
ingresso na carreira, aí sim, seria interessante porque estas pessoas são
precisas e vão, certamente, fazer um excelente trabalho", advoga.
Após este breve retrato do panorama
jurídico, Fernando Jorge considera que, de forma geral, Paula Teixeira da Cruz,
ministra da Justiça tem "feito um bom trabalho e implementado medidas que
são necessárias. Aliás, considero que o trabalho desenvolvido pela equipa que a
ministra dirigia, em consonância com o Dr. João Miguel Barros, era extraordinário".
Por isto, "preocupa-me o facto do Dr. João Miguel Barros se ter demitido
da função de chefe de gabinete. Desconheço os factos que terão incitado tal
decisão, mas lamento profundamente a sua demissão. Disponibilidade e
competência são adjetivos que bem caracterizavam o trabalho dele. Temo o que
acontecerá futuramente do ponto de vista do diálogo com a Tutela - porque ele
era o nosso interlocutor - e, sobretudo, no que à concretização das reformas
concerne".
"Ataque ao funcionalismo público"
As medidas de austeridade corporizadas no
Orçamento de Estado (de 2012 e 2013) têm fustigado severamente a sociedade. Os
funcionários públicos não são exceção. Redução nos salários e corte nos
subsídios são apenas algumas das duras realidades a que estes profissionais
assistem. Perante este pressuposto, o entrevistado defende que se tem
verificado "um ataque ao funcionalismo público, ao passo que se regista,
simultaneamente, uma desvalorização. A própria sociedade civil já reconheceu
que o problema do país não é a Função Pública. Admito que alguns setores
necessitem de ser reorganizados, mas é preocupante um cenário onde se prevê um
corte de 4 mil milhões de euros como foi anunciado". No fundo, todo este
cenário configura um verdadeiro "retrocesso em termos de direitos
trabalhistas. Desde que sou funcionário judicial, recordo-me que, todos os
anos, havia atualização dos vencimentos. No entanto, chegou a altura em que
deixou de se verificar esse aumento. Hoje, em sentido contrário, assiste-se a
uma redução.
Público, 27-02-2013