A hipótese de estabelecer acordos relativamente às penas a aplicar aos arguidos que colaborem com a justiça é encarada com “abertura” pela Associação Sindical dos Juizes Portugueses (ASJP). O estabelecimento de acordos entre os arguidos e o Ministério Público contribui para a celeridade da Justiça, consideram os magistrados.
Embora não exista nenhuma posição definida pela direcção da associação, o seu presidente, António Martins, refere ao PÚBLICO que essa é a perspectiva da ASJP. Este responsável diz entretanto que deve ter-se em conta a necessidade de “não responder da mesma forma” aos diferentes tipos de criminalidade e de “encontrar soluções” para resolver a pequena e média criminalidade, de modo a ter disponibilidade para “responder ao crime grave e violento”.
Numa orientação dirigida aos magistrados do Ministério Público, em Ponta Delgada, nos Açores, a procuradora-geral distrital de Lisboa, Francisca van Dunem, pediu para que aqueles “afiram, a nível local, a receptividade” dos magistrados judiciais quanto ãs hipóteses de acordos, tendo como pressupostos essenciais as confissões.
A ideia parece bem recebida pelos juizes, como se observa num documento de trabalho elaborado por um grupo de estudo (composto por membros da associação sindical) sobre as alterações ao processo penal.
Nele se defende que “tudo faz com que seja talvez o tempo de avançar um pouco mais e criar espaços de verdadeira “justiça negociada” perante a “continuada sobrecarga crescente do nosso sistema judiciário, a dificuldade em lidar eficazmente com a criminalidade de massa apenas com recurso às formas tradicionais, os custos que isso importa e, não obstante, a insatisfação pública com os resultados obtidos”.
Comparando com a Justiça americana, o texto observa: “Não nos afligirá aqui a muito debatida questão de saber em que medida as soluções continentais de justiça negociada, incluindo a proposta que ora desenhamos, expressam uma ‘americanização’ do processo penal.” Na perspectiva dos magistrados, “é bem mais modesto e até diverso” o seu propósito, escrevem. Trata-se de, “a partir da experiência comparada, e da mais próxima, procurar soluções que permitam melhor resposta às actuais necessidades”.
Com base no exemplo de outros países europeus, nomeadamente da Alemanha, os elementos deste grupo de trabalho propõem a obrigatoriedade (com vista ao encerramento do inquérito) da audição, pelo MP, do arguido. Este deve estar “acompanhado de defensor, em diligência especialmente destinada a ponderar a aplicação da suspensão provisória do processo ou do processo sumaríssimo, de acordo com os respectivos pressupostos”.
Este é “um caminho essencial para reduzir pendências”, no entender do juiz desembargador Mouraz Lopes. Mas “não tem nada a ver com justiça negociada”, já que não inclui negociação dos factos como acontece, por exemplo, nos Estados Unidos da América.
Com este método, usado já há bastante tempo noutros países europeus como Alemanha, Itália ou Áustria, “não há negociação” mas sim a obtenção de um consenso relativamente à pena, reduzindo-a nos casos dos arguidos que colaborem na investigação da verdade. Contribui assim, sobretudo, para “resolver grande parte da baixa e da média criminalidade”, já que permite “uma maior celeridade nestes processos”, diz Mouraz Lopes. Com excepção dos casos de criminalidade grave, a obtenção de um consenso entre o arguido e o Ministério Público homologada depois pelo juiz conduz à “legitimação total” relativamente a este sistema.
Paula Torres
Público de 11-03-2012