domingo, 21 de novembro de 2004

Casa da Suplicação IX


Tráfico de estupefacientes — tráfico de menor gravidade — matéria de facto — recurso para o Supremo Tribunal de Justiça
1 – Actualmente, quem pretenda impugnar um acórdão final do tribunal colectivo, de duas, uma: - se visar exclusivamente o reexame da matéria de direito, dirige o recurso directamente ao Supremo Tribunal de Justiça; - ou, se não visar exclusivamente o reexame da matéria de direito, dirige-o, «de facto e de direito», à Relação, caso em que da decisão desta, se não for «irrecorrível nos termos do art. 400.º», poderá depois recorrer para o STJ.
2 – Nesta hipótese, porém, o recurso – agora, puramente, de revista – terá que visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito (com exclusão, por isso, dos eventuais vícios, processuais ou de facto, do julgamento de 1.ª instância), embora se admita que, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erro de apreciação ou assente em premissas contraditórias detectadas por iniciativa do Supremo para além do que tenha de aceitar-se já decidido definitivamente pela Relação, em último recurso, aquele se abstenha de conhecer do fundo da causa e ordene o reenvio nos termos processualmente estabelecidos.
3 – Para efeitos de qualificação/punição do crime de tráfico como de «menor gravidade», para além das quantidades traficadas ou em vias do o serem, a lei – artigo 25.º do DL n.º 15/93, de 22/1 – aponta claramente para outros índices de aferição da ilicitude, «nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade das plantas, substancias ou preparações», e só no fim, a «quantidade».
4 – Assim, não obstante a quantidade, olhada isoladamente, poder não constituir óbice à incriminação privilegiada do tráfico, tal não invalida a circunstância de todos os demais elementos daquela avaliação complexiva, a poderem excluir.
Ac. de 18.11.2004 do STJ, proc. n.º 3219/04-5, Relator: Cons. Pereira Madeira

Tráfico de estupefacientes — prisão preventiva — prazo — especial complexidade — declaração judicial
Reportando-se o procedimento a um dos crimes referidos no n.º 1 do art. 54.º do DL n.º 15/93, de 22/1, se deva considerar de 4 anos – independentemente da eventual declaração de «excepcional complexidade» do processo – o prazo de duração máxima da prisão preventiva dos arguidos já condenados em 1.ª instância, se bem que por sentença ainda não transitada, por um de tais crimes.
Ac. de 18.11.2004 do STJ, proc. n.º 4192/04-5, Relator: Cons. Pereira Madeira

Habeas Corpus — fundamentos — recurso
1 - O habeas corpus, tal como o configura a lei (art. 222.º do CPP), é uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido e que tem, em sede de direito ordinário, como fundamentos, que se reconduzem todos à ilegalidade da prisão:
— a incompetência da entidade donde partiu a prisão;
— a motivação imprópria;
— o excesso de prazos.
2 - Para que possa merecer acolhimento o pedido de habeas corpus é ainda necessário que a ilegalidade da prisão seja actual, actualidade reportada ao momento em que é apreciado aquele pedido, como tem sido a jurisprudência constante e pacífica deste Supremo Tribunal de Justiça.
3 - O habeas corpus não é um recurso, mas um remédio excepcional, a ser utilizado quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais.
4 – Se o condenado discorda da aplicação que foi feita de perdão de pena, deveria ter recorrido ordinariamente e não socorrer-se do expediente de habeas corpus mais de anos depois do transito em julgado da decisão condenatória.
Ac. de 18.11.2004 do STJ, proc. n.º 4193/04-5, Relator: Cons. Simas Santos

JUSTIÇA: OS PRIMEIROS SINAIS

Artigo de opinião de A. Lourenço Martins *, no Correio da Manhã de ontem (20/11):

1. Quando este Governo tomava posse e era conhecido o seu programa, escrevi algumas linhas de expectativa em que o Ministério da Justiça mudasse de “conteúdos” e de forma de fazer.
Decorridos cerca de quatro meses, quais são os primeiros sinais?
Alguns, positivos.
1.1. Desde logo, o tomar em mãos o Pacto de Regime para a Justiça, ideia adquirida, significa valorizar o esforço dos que trabalharam para o Congresso da Justiça, evitando que tenha sido uma jornada inútil. A discussão do Pacto com os representantes institucionais, sem privilégio para qualquer deles, será igualmente o caminho certo.
Também se mostra ajustado que o ministro da Justiça se faça rodear de uma equipa de missão, constituída por personalidades representativas do core das questões e não apenas os das formalidades.
Interessante será, porém, saber como vão estar ‘representados’ aqueles que não são os actores do sistema, mas que o usam e podem apontar as suas mazelas reais, para além da sua representação pela Assembleia da Republica.
1.2. Apesar do ‘ruído’ corporativo e dos votos passadistas, o ministro da Justiça agiu bem, e sem aparente subserviência a quaisquer interesses anómalos, quando nomeou para directora do Centro de Estudos Judiciários uma professora universitária. Alguém estranho às magistraturas mostra-se, à partida, em melhores condições para remediar as críticas sobre uma formação que tem veiculado para o interior dos tribunais visões residuais de arrogância, confundida com independência e de menos atenção às pessoas e aos interesse dos que em hora de conflito querem ‘depositar’ confiança em magistrados de rosto humano.
Parece que os ânimos se aquietaram... (permita-se o apelo a que a modernidade tecnológica e a discussão dos seus problemas deixe de ser um ‘fait divers’ no CEJ). Até porque,
1.3. Acaba de ser publicado (mais um) Plano de Acção para a Justiça na Sociedade da Informação, gizado em colaboração com a Unidade de Missão Inovação e Conhecimento e que pretende dar um impulso numa zona absolutamente prioritária.

2. Sinais não tão positivos parecem soprar para os lados da reforma do processo penal, posto que não seja ainda conhecida. Concentrar-se a mini-reforma no segredo de Justiça, na prisão preventiva e nas escutas telefónicas, como se o País continuasse a pensar apenas no processo ‘Casa Pia’, é uma visão redutora que não deve passar.
Há muitas outras questões a merecerem atenção como é o caso do regime dos recursos e das competências dos tribunais superiores.
Já é do domínio público a insatisfação crescentemente acumulada no Supremo Tribunal de Justiça, por nada ser feito em ordem a tornar mais racional a sua intervenção, sem perda de garantias dos arguidos. Um bom exemplo de necessidade de reforma urgente é o sistema actual de audiência oral, que não dignifica ninguém.
Senhor ministro, ouça também os magistrados do STJ e sentirá que a revisão tem de chegar lá. Em prol do cidadãos e não dos magistrados.

*Juiz Conselheiro do STJ (jub.)

Um dia de Novembro

A November day, de Frederick Ferdinand Schafer

Un día de noviembre (1968), de Leo Brouwer (Cuba, 1939)