Por: Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
Renato Seabra foi considerado culpado de homicídio em segundo grau (correspondente ao homicídio simples, punível com prisão de oito a dezasseis anos, em Portugal). A tese de que seria inimputável quando cometeu o crime não convenceu nenhum elemento do júri. A defesa baseava-se, aparentemente, em factos controversos e argumentos científicos frágeis.
A apreciação da inimputabilidade é, por natureza, pouco científica. Resume-se à verificação retroativa da capacidade do arguido avaliar o significado negativo do que fez e se determinar de acordo com essa avaliação, que poderia estar afetada, quando praticou o crime. As perícias psiquiátricas podem ajudar o tribunal a decidir, mas nem sequer o vinculam.
É a esta luz simplificada que um tribunal de júri, como o de Nova Iorque, decide, embora o cerne da decisão deva ser, no sistema português, mais racional (e preventivo) e menos retributivo. De todo o modo, podemos aceitar que não existiam, apesar da crueldade e da violência do crime, razões decisivas para considerar o arguido inimputável.
O que vai fazer agora o Estado norte--americano com Renato Seabra? A perceção de um problema mental latente que tende a tornar-se insuportável torna muito difícil que o condenado volte a integrar-se numa comunidade. Porém, isso não será impossível se ele não for condenado a prisão perpétua – solução inconstitucional entre nós mas admitida nos EUA.
Este caso confirma que, na maioria dos crimes violentos, há distorções graves da personalidade dos arguidos que nunca foram diagnosticadas e tratadas e se manifestam em explosões de violência. Parece manifesto que Seabra aceitava por puro interesse uma relação que abominava e foi desenvolvendo um ódio pela vítima, de quem se servia para ascender ao estrelato.
O crime foi uma revolta de Seabra contra si mesmo e a sua degradação. Os sinais de fragilização moral não foram compreendidos a tempo por ninguém. A família e a escola têm poucas condições para o conseguir. A Igreja trata dos assuntos morais de modo coletivo, insistindo num discurso longínquo dos problemas das pessoas. Os valores mediáticos são fúteis.
Talvez o condenado se sinta aliviado por substituir a culpa moral por uma pena. Mas a pena não pode ser motivo de alegria vingativa, deve promover a recuperação. Entretanto, outros Renatos estão em gestação. Cresce neles a frieza, a insensibilidade à dor alheia e o apego a "valores" sociais que distinguem as pessoas pelas roupas de marca e pelos produtos de luxo.