quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Casa da Supplicação


I - Resulta do mandado de detenção europeu em análise que o requerido “foi declarado objeto de uma Ordem de Restrição para Crimes de Natureza Sexual no dia 21 de junho de 2006”, (…), “foi classificado como criminoso sexual registado e com alto risco de reincidência” (…) e “Nos termos do art.º 86.º da Lei 2003 relativa a Crimes de Natureza Sexual (Sexual Offences Act 2003), um criminoso sexual registado tem de revelar à polícia a data em que sairá do Reino Unido, o país para onde tenciona viajar e toda a outra informação estipulada pelos Regulamentos antes da data em que tenciona viajar. A informação estipulada está contida no Regulamento 5 da Lei de 2003 relativa a Crimes de Natureza Sexual (Sexual Offences Act 2003) (Exigências de Notificação de Viagem) Regulamentos de 2004 (Escócia)”.
II - Assim, como a “Ordem de Restrição para crimes de Natureza Sexual” foi imposta ao requerido por força de um mecanismo administrativo, obrigatório face a uma ou mais condenações por crimes sexuais, não se caracteriza como uma pena acessória ou como uma medida de segurança determinada por sentença judicial. Não há, pois, dupla incriminação, pois os factos não são puníveis criminalmente em Portugal, embora o sejam no Reino Unido.
III - Concorda-se com a interpretação que o Tribunal da Relação de Évora fez da Lei e que se pode resumir assim:
- Nos casos taxativamente elencados no art.º 2.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, o Estado português não pode recusar a entrega do requerido com fundamento em não ser o facto punível em Portugal, pois não há controlo de dupla incriminação;
- Nos casos aí não elencados, o Estado português poderá exercer a recusa facultativa da entrega.
IV - A recusa facultativa, à falta de critério legal expresso, deve impor, como se diz no acórdão recorrido, «ao Estado de execução uma acrescida ponderação dos interesses relevantes com o fim avaliar da necessidade, da proporcionalidade e da adequação das finalidades da entrega tendo em conta os valores em conflito». 
V - Contudo, não se pode ignorar que no MDE o princípio geral é o da confiança mútua e o da cooperação em matéria penal entre Estados democráticos que partilham o mesmo espaço político e económico.
VI - Por isso, mesmo nos casos em que a recusa é facultativa, a regra é a da entrega ao Estado requerente, só havendo motivo para exercer a opção de não entrega se fortes razões ligadas aos referidos princípios da adequação, proporcionalidade e necessidade indicarem outro caminho com suficiente clareza.
VII - O n.º 3 do art.º 2.º da Lei 65/2003, de 23 de agosto, tem de ser interpretado no sentido de que se os factos que justificam a emissão do mandado de detenção europeu constituírem infração punível pela lei portuguesa, independentemente dos seus elementos constitutivos ou da sua qualificação, então é sempre admissível (ou, mesmo, obrigatória) a entrega da pessoa procurada ao Estado requerente, desde que verificados os restantes requisitos configurados na lei.
VIII - Essa norma, se interpretada desse modo, harmonizar-se-ia com o art.º 12.º, n.º 1, al. a), do mesmo diploma, que diz que «1- A execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando: a) O facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu não constituir infração punível de acordo com a lei portuguesa, desde que se trate de infração não incluída no n.º 2 do artigo 2.º».
IX - Os factos que estiveram na origem das condenações do requerido no Reino Unido não são enquadráveis em Portugal como crime contra a liberdade ou autodeterminação sexual, pois só o seriam se as estudantes filmadas pelo requerido, sem o conhecimento destas, fossem menores de 18 anos e estivessem a praticar atos pornográficos, o que não foi o caso.
X - No nosso ordenamento jurídico, tais factos, todavia, são puníveis como devassa da vida privada, pois constitui esse crime quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual, captar, fotografar, filmar, registar ou divulgar imagem das pessoas ou de objetos ou espaços íntimos (art.º 192.º, n.º 1, al. b). Trata-se de crime punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.
XI - Isto é: face ao nosso ordenamento jurídico, o requerido não poderia ser registado como criminoso sexual, ainda que houvesse esse tipo de registo (o que tem sido objeto de discussão no nosso País, mas que o legislador ainda não consagrou), pois a sua conduta não é considerada como crime dessa natureza.
XII - Mas, como o facto é punível com pena de prisão em Portugal, poderia ser condenado no nosso País numa pena de substituição, por exemplo, numa pena suspensa, com a obrigação de, durante certo período, não se ausentar para o estrangeiro sem avisar as autoridades policiais.
XIII - Assim, a restrição da liberdade de circulação durante certo período não repugna ao nosso ordenamento jurídico e a violação dessa regra de conduta por parte do agente do crime, não sendo considerada como um novo crime, poderia levar à revogação da suspensão e ao cumprimento da pena principal de prisão.
XIV - Por outro lado, os factos que levaram à imposição, no Reino Unido, da “Ordem de Restrição para Crimes de Natureza Sexual”, já foram repetidos pelo requerido “centenas de vezes”, como o próprio admitiu, e também no território de Portugal.
XV - Está, assim, suficientemente indiciado que o requerido tem uma personalidade que facilmente se desvia das regras de conduta social, que o nosso ordenamento jurídico qualifica como penalmente censuráveis, tendo recidivas sistemáticas que o próprio admite não conseguir controlar. 
XVI - O Estado português, portanto, ao abrigo do disposto no art.º 12.º, n.º 1, al. a), da Lei 65/2003, de 23 de agosto, e do n.º 4 do art.º 2.º da Decisão-Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de junho, tem motivos suficientes para não se desviar da regra de cooperação judiciária e de, portanto, entregar ao País requerente a pessoa procurada pelo mandado de detenção europeu.
Ac. do STJ de 10 de janeiro de 2013
Proc. n.º 77/12.6YREVR.S1
Relator: Conselheiro Santos Carvalho
Juiz Conselheiro Adjunto, com voto de vencido: Rodrigues da Costa
Juiz Conselheiro Presidente da Secção, com voto de desempate: Carmona da Mota

Voto de vencido:
I - Os factos que subjazem à referida Ordem de Restrição não integram entre nós qualquer tipo legal de crime referente à liberdade e autodeterminação sexual, mas unicamente um crime de devassa da vida privada, previsto no art. 192.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal (CP) e punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias, dependendo ainda de participação do ofendido (art. 198.º do mesmo diploma legal).
II - Quer dizer: a pessoa procurada nunca seria objecto de qualquer registo como criminoso sexual, ainda que entre nós estivesse em vigor tal tipo de condicionamento da liberdade individual para crimes da referida natureza.
III - Neste contexto, a entrega do referido cidadão britânico mostra-se desadequada, desproporcionada e não necessária, sendo de todo excessivos e deslocados os comentários tecidos pela decisão recorrida a propósito da repulsa causada por tais crimes, quando o tipo de crime que subjaz à Ordem de Restrição é completamente diferente e despojado da enfatizada gravidade dos crimes sexuais.
IV - Deste modo, acho também (com o devido respeito) francamente artificial o arrimo que, na posição que fez vencimento, se procura encontrar no referido art. 192.º do CP, com recurso imaginoso a uma hipotética suspensão da execução da pena que a um condenado por tal crime tivesse sido aplicada, sob condição de, durante certo período, não se ausentar para o estrangeiro sem avisar as autoridades policiais e de o mesmo vir a cumprir a pena de prisão que havia ficado suspensa, por incumprimento de tal condição.
V - De todo o modo, ainda que se pudesse estabelecer a equiparação (que não pode) e com recurso a tão extremada hipótese, nunca o condenado ficaria subordinado a uma tal condição por 10 longos anos.
VI - Por todas estas razões, ao contrário do decidido, teria negado a entrega do cidadão em causa ao Estado requerente
a)  Artur Rodrigues da Costa

Carta a minha mãe sobre o SNS e outras coisas em Portugal


TERESA PIZARRO BELEZA 
Público - 10/01/2013 - 00:00
"E as crianças, Mãe? Vão de novo morrer antes do tempo porque o parto foi solitário ou mal assistido, porque a saúde materno-infantil passou a ser de novo um bem reservado a alguns privilegiados", escreve a autora, em crítica aos cortes no Serviço Nacional de Saúde. Série de 13 textos sobre os valores humanos da sociedade portuguesa e europeia em 2013
"Longas são as estradas da Síria, curta é a piedade dos homens. Vendo-me tão pobre e tão só, os cães viriam ladrar-me às portas dos casais. Decerto Jesus morreu; e com ele morreu, uma vez mais, toda a esperança dos tristes"

Eça de Queiroz, O Suave Milagre (adaptado)

Julgo que nos tornamos verdadeiramente adultas no dia em que perdemos a nossa mãe. Ou talvez quando nos tornamos nós próprias mães, não tenho bem a certeza. Uma coisa eu sei, ou julgo saber: a única coisa que verdadeiramente não podemos deixar de ensinar aos nossos Filhos é a compaixão. E esse é o sentimento que me parece mais notoriamente longínquo da vida pública portuguesa e europeia neste tempo cinzento em que o homo homini lupus volta a ser o mote declarado da economia, da política e, suponho que não tarda muito, do próprio direito. A "mão invisível" de Adam Smith (A Riqueza das Nações) está cada vez mais trôpega, ou mais ineficiente, ou se calhar cada vez mais escorregadia, quem sabe se untada. A desigualdade social e a desigualdade económica aumentam na razão directa da progressiva privatização do património público, seja este a companhia aérea nacional, vulgo TAP, e a correspectiva prestadora de serviços aeroportuários, dita ANA, o banco do Estado (Caixa Geral de Depósitos), os transportes (depois da Rodoviária Nacional, a CP), ou seja, o fornecimento de serviços e bens essenciais como a electricidade (EDP, REN), a água (Águas de Portugal), a televisão (RTP), ... ou a Saúde.

Uma das maiores transformações sociais, demográficas e económicas em Portugal depois da Revolução de Abril de 1974 decorreu da criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS), por Lei da Assembleia da República, em Setembro de 1979 (Lei nº 56/79, de 15 de Setembro, sendo ministro da Saúde António Arnault).

O Art. 64º da Constituição da República, apesar de muito alterado face à versão originária de 1976 - desde logo, o SNS passou a ser apenas tendencialmente gratuito ("tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos"), coisa que hoje talvez já nem se possa dizer que seja, face à subida em flecha do valor das taxas moderadoras, cada vez mais imoderadas -, continua a garantir a todos os cidadãos e cidadãs "o direito à protecção da saúde", "realizado através de um serviço nacional de saúde universal e geral".

Muito recentemente, declarações de algumas pessoas com responsabilidades políticas ou institucionais desencadearam a discussão em torno da subsistência e orientação do SNS, designadamente no que respeita ao controlo na utilização de recursos inevitavelmente escassos e finitos. As despesas com a Saúde tornaram-se um peso incontrolável, claramente mal distribuído e pior aproveitado. Portugal é um país muito pouco eficiente em matéria de políticas públicas, em geral, e com muito baixa capacidade de melhorar de forma significativa a performance nestes campos, em grande parte, certamente, dada a ainda muito baixa qualificação da sua população que, apesar de ter evoluído de um estado de analfabetismo bastante generalizado para uma iliteracia selectiva e localizada, ainda está muito longe de ser um país europeu avançado nesta matéria.

Resolvi escrever a minha Mãe. Ela partiu há dois anos, em Outubro de 2010. Mas talvez o seu espírito, que, como diria Jorge Luís Borges, está sempre a meu lado (A Posse do Ontem, em Os Conjurados), me consiga inspirar a pensar melhor sobre o assunto.

Aqui vai o meu texto para ela:

"Mãe, sabes que agora em Portugal mandam uns senhores que estão a dar cabo do Serviço Nacional de Saúde? E que dizem que é por causa de uma tal de troika, que agora manda neles? Lembras-te da "Lei Arnault", que, segundo ele mesmo diz, tu redigiste, depois de muito pensares e estudares sobre o assunto, com a seriedade e o empenho que punhas em tudo o que fazias? Lembras-te das nossas conversas sobre a necessidade de toda a gente em Portugal ter acesso a cuidados de saúde básicos de boa qualidade e de como essa possibilidade fizera em poucos anos baixar drasticamente a mortalidade materna e infantil, flagelos nacionais antigos, como uma das coisas boas que se tornaram realidade depois de 1974 e com a restauração da democracia? Lembras-te de quando eu te dizia que eras tão mais socialista do que "eles", os do Partido Socialista, e tu te zangavas porque não era essa a tua imagem e a tua crença? E quando eu te dizia que o ministro António Arnault era maçon e tu não acreditavas, porque ele era (e é) um homem bom - e para ti a Maçonaria era a encarnação do Diabo... Mãe, tu, que te dizias e julgavas convictamente monárquica, católica, miguelista, jurista cartesiana (isso era o que eu te dizia e que penso que eras, também), que conhecias a Bíblia e Teilhard de Chardin como ninguém e me ensinaste que Deus criara o homem e a mulher à Sua imagem, quando pronunciou o fiat, porque assim se diz no Génesis... Tu que dizias que o problema dos economistas era que não tinham aprendido latim... e me tiravas as dúvidas de português e outras coisas, quando me não mandavas ir ao dicionário, como agora eu mando o meu Filho... Tu que foste o meu "Google", às vezes renitente, quando este ainda não existia... Sabes que agora manda em Portugal gente ignorante e pacóvia, que nem se lembra já de como se vivia na pobreza e na doença, que julga que o Estado se deve retirar de tudo, incluindo da Saúde, e confunde a absoluta e premente necessidade de controlar e conter o imenso desperdício com a ideia de fechar portas, urgências claramente úteis social e geograficamente... Sabes que fecharam o Serviço de Urgência e o excelente Serviço de Cardiologia do Hospital Curry Cabral sem sequer prevenirem ou consultarem o seu chefe? Onde irão agora todas aquelas pessoas tão claramente pobres, vulneráveis e humildes que tantas vezes lá encontrei e que não pareciam capazes de aprenderem outro caminho, outro destino, de encontrarem outros dedicados e pacientes "ouvidores"? Sabes que um ministro qualquer disse que o edifício da Maternidade Alfredo da Costa não tinha qualquer interesse urbanístico ou arquitectónico, para além de condenar ao abate essa unidade de saúde, com limitações já evidentes, mas que tão importante foi para tanta gente humilde ter os seus filhos em segurança? Será mesmo que não a poderiam "refundar", como agora se diz? Ou quererão construir um condomínio fechado, luxuoso e kitsch, no meio de uma das minhas, das nossas cidades? Lembras-te de me ires buscar à MAC quando nasceu o meu Filho e de como te contei da imensa dedicação do pessoal médico e de enfermagem e da clara sobre-representação de parturientes de origem social modesta, imigrantes, ciganas, ou simplesmente pobres?

Sabes que há muita gente que pensa que a iniciativa privada, incontrolada e à solta, é que vai salvar Portugal da bancarrota, e que ignora o sentido das palavras solidariedade, justiça, igualdade, compaixão?

Sabes, Mãe, eu lembro-me de ver pessoas que partiram de Portugal para o mundo em busca de trabalho e rendimento a viver em "casas" feitas de bocados de camioneta, de restos de madeira, de cartão e outros improváveis e etéreos materiais, emigrantes portugueses que foram parar ao bidonville em St Denis, nos arredores de Paris, num Inverno em que a temperatura desceu a 20 graus Celsius abaixo de zero (1970). Nas "paredes", havia toda a sorte de inscrições contra a guerra colonial e contra o regime que então reinava em Portugal. O padre Zé, o nosso amigo da Mission Catholique Portugaise que me acompanhava e me quis mostrar o bairro, proibiu-me de falar português e de sair do carro enquanto ali passávamos... e aqui em Portugal eu vi tanta miséria envergonhada, homens de chapéu na mão a pedir emprego, mulheres e crianças a pedir esmola, apesar de todas as leis e medidas que o Estado Novo produziu para as esconder, como já fizera a Primeira República. A pobreza e a vadiagem não se eliminam com Mitras e medidas de segurança, mas com produção e distribuição de riqueza e de justiça social. Com a promoção da igualdade e da solidariedade, como manda a Constituição.

E a Saúde, Mãe, que vão fazer dela? Da saúde dos pobres, dos velhos, das crianças, dos que não têm nem podem ter seguros de saúde de luxo, porque não têm dinheiro, porque já não têm idade, ou porque não têm saúde?

E as crianças, Mãe? Vão de novo morrer antes do tempo porque o parto foi solitário ou mal assistido, porque a saúde materno-infantil passou a ser de novo um bem reservado a alguns privilegiados, ou porque a "selecção natural" voltará a equilibrar a demografia em Portugal, recolhidas as mulheres a suas casas, desempregadas e de novo domesticadas, e perdida de novo a possibilidade de controlo sobre a sua própria fertilidade? O planeamento familiar, que tu tão bem explicaste que deveria segundo a lei seguir a autonomia que o Código Civil reconhece na capacidade natural dos adolescentes - tu, católica, jurista, supostamente conservadora (assim te pensavas, às vezes?)... Sabes que aqui há tempos ouvi uma jurista ignorante dizer em público que só aos 18 anos os jovens poderiam ir sozinhos a uma consulta de planeamento familiar, quando atingissem a maioridade, sem autorização de pai ou mãe? Ai, minha Mãe, como a ignorância é perigosa... Será que nos espera um qualquer Ceausescu ou equivalente, dado o progressivo estrangulamento político e social a que a necessidade económica e a cegueira política nos estão levando? Os traços fascizantes que são visíveis na repressão da liberdade de expressão e de manifestação, em tudo tão contrários à Constituição da República, serão só impressão de uns "maníacos de esquerda", como dizem umas pessoas que há tão pouco tempo garantiam que essa coisa de esquerda e direita era coisa do passado? Mas as crianças são o futuro, Mãe, que será deste país sem elas, sem a sua saúde e sem a sua educação, sem o seu bem-estar, sem a sua alegria? Eu lembro-me tão bem dos miúdos descalços e ranhosos nas ruas da minha infância... e da luta legal, tão recente ainda, quem sabe se perdida, contra o trabalho clandestino, ilegal e infame das crianças a coserem sapatos em casa, a faltarem à escola, a ajudarem as famílias, ainda há tão pouco tempo, ou dos miuditos com carregos e encargos maiores que eles, à semelhança das mulheres da carqueja a subirem aquela rampa infame que Helder Pacheco, o poeta-guia do nosso Porto, tão bem descreve...

"Que quem já é pecador sofra tormentos, enfim! Mas as crianças, Senhor, porque lhes dais tanta dor?!... Porque padecem assim?!..."

Mãe, se agora cá voltasses, ao mundo dos vivos, acho que terias uma desilusão terrível. Melhor que não vejas o que estão fazendo do nosso pobre país.

Da tua Filha, com muita saudade,

Maria Teresa"

Ericeira, Portugal, Europa, dia 31 de Dezembro de 2012 


* Professora de Direito Penal, directora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. tpb@fd.unl.pt

Lei do Orçamento não refere a PJ entre as entidades com direito gratuito aos transportes

JOSÉ AUGUSTO MOREIRA 
10/01/2013 - 00:00
Ministério da Justiça alega que situação se mantém como até aqui, mas apenas para o pessoal no activo e quando em serviço
A Lei do Orçamento do Estado (OE) para 2013, que entrou em vigor no primeiro dia do ano, não faz qualquer referência à PJ no artigo em que prevê a utilização gratuita dos transportes públicos por parte dos elementos da área da justiça e das forças de segurança. Do preceito em causa, o artigo 144.º, consta uma alínea que menciona "os magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público, juízes do Tribunal Constitucional, oficiais de justiça e pessoal do corpo da Guarda Prisional, para os quais se mantêm as normas legais e regulamentares em vigor", mas não há qualquer menção à PJ, que é, assim, a única entidade da área do Ministério da Justiça que não é referida.
A situação torna-se ainda mais enigmática quando na alínea seguinte voltam a ser explicitamente mencionadas todas as outras forças mais representativas, como é o caso da PSP, GNR e Forças Armadas.
Solicitado ontem a esclarecer a matéria, o Ministério da Justiça informou, por correio electrónico, que "não fica vedada a utilização gratuita de transporte ao pessoal da PJ quando em serviço, tendo em conta a disponibilidade permanente requerida estatutariamente àquele pessoal".
É ainda explicado que, "em face do teor do artigo em causa, a utilização gratuita de transportes ao pessoal da PJ passou a ser restrita ao pessoal que se encontra no activo", concluindo que a PJ passa a estar englobada pelo texto da alínea. Nela se refere "o pessoal com funções policiais da PSP, os militares da GNR, o pessoal de outras forças policiais, os militares das Forças Armadas e militarizados, no activo, quando em serviço que implique a deslocação no meio de transporte público". A conclusão do ministério é a de que "a situação de todas as forças policiais consta da mesma alínea [artigo 144.º, n.º 2, b)], aí se incluindo assim a situação da Polícia Judiciária", mesmo que nunca explicitamente referida.
A questão está a levantar sérias apreensões entre os activos da PJ e há já quem refira casos de vigilâncias e seguimento de suspeitos em que investigadores foram impedidos de aceder aos transportes públicos, situações que não foram, no entanto, confirmadas pelo presidente da ASFIC/PJ (Associação Sindical dos Funcionário de Investigação da Polícia Judiciária). "Os casos que conhecemos reportam-se a situações anteriores e por outras razões", disse Carlos Garcia.
Esclareceu também que, "já antes do Natal", tinham questionado o ministério face à omissão de qualquer referência à PJ no artigo 144.º do OE. "A senhora ministra garantiu-nos que a situação da PJ estava salvaguarda pela referência da alínea seguinte a outras forças policiais", disse. E deixou um desabafo: "De facto, na redacção não ficou a PJ e deveria estar. Foi isso que tínhamos falado, mas não vou fazer mais comentários".
Ao que apurou o PÚBLICO, a proposta de OE enviada pelo Governo ao Parlamento previa, no art.º 122.º, que ficaria genericamente "vedada a utilização gratuita de transportes públicos" para toda a área do Ministério da Justiça. A questão seria ultrapassada já na fase de debate parlamentar, com reuniões entre os grupos parlamentares e representantes das diversas associações profissionais. Foi por proposta conjunta do PSD e do CDS que acabaria por ser incluída a excepção da alínea a), para juízes, magistrados do MP, oficiais de justiça e guardas prisionais, mas sem qualquer referência à PJ. Por isso, há até quem coloque a hipótese de esquecimento: "Pode ter sido. Teve que ser tudo tão rápido", diz um dos representantes sindicais envolvidos nesse corrupio de reuniões no Parlamento.

FMI deita mais achas para a fogueira constitucional

NUNO SÁ LOURENÇO E SÉRGIO ANÍBAL 
10/01/2013 - 00:00
Cortes permanentes nos salários e pensões, despedimentos na função pública, subsídios dependentes do crescimento do PIB: as medidas sugeridas pelo FMI têm o potencial para animar ainda mais o debate constitucional no país
As classificações repetiam-se à medida que se desfiavam as propostas perante os dois constitucionalistas consultados pelo PÚBLICO. "Problemático", "problema acrescido", "violação".
Por não serem novas, por transformarem em permanente o que fora apresentado como extraordinário, por já terem sido objecto de jurisprudência do Tribunal Constitucional, Bacelar Vasconcelos e Bacelar Gouveia levantaram sérias dúvidas sobre a possibilidade de virem a ser aplicadas algumas das ideias mais emblemáticas e com maior capacidade para cortar na despesa constantes no Relatório do FMI ontem divulgado pelo Governo, após ter sido noticiado de forma quase integral pelo Jornal de Negócios.
Apesar de o FMI afirmar no documento - realizado a pedido do Governo como contributo para a redefinição das funções do Estado e o corte adicional de 4000 milhões de euros de despesa - que "qualquer reforma deve ser baseada em medidas de uma natureza permanente e, por isso, consistente com os constrangimentos constitucionais existentes", poucas são as medidas que não colocam dúvidas a nível constitucional. O documento tem por isso o potencial para animar ainda mais uma discussão já bastante acesa com os pedidos de fiscalização do Orçamento do Estado de 2013.
Senão vejamos: nas três opções colocadas pelo FMI para a reforma da segurança social, apenas uma foi vista pelos dois constitucionalistas como passível de não levantar sérias dúvidas em termos de adequação às normas constituicionais.
Bacelar Vasconcelos começou pela proposta do corte permanente de 15% em todas as pensões. "Não vejo como um montante dessa natureza possa ser obtido sem violação da Constituição", disse ao referir-se ao princípio da igualdade. Bacelar Gouveia concorda, lembrando que se no passado estes cortes passaram no TC, tal se devia ao seu caracter temporário. "A única solução possível seria admitir a redução das pensões, mas para as camadas mais jovens", admite.
A proposta de fazer depender o pagamento do 13º e 14º meses do comportamento do PIB pareceu também a ambos uma hipótese remota. "Condicionar os subsídios ao comportamento de um índice económico, deixando de ser por um tempo determinado, ainda por cima tendo em conta um indicador cuja evolução é imprevisível, afectaria a excepcionalidade que foi tida em conta no passado pelo TC", alerta Bacelar Vasconcelos. Bacelar Gouveia vai ainda mais longe ao lembrar que caso a medida fosse aplicada a pensionistas, estes estariam a ser penalizados por uma "situação económica para a qual já não contribuiriam". "Além disso assenta numa ideia do indivíduo ao serviço do colectivo: é uma concepção totalitária e anti-democrática", critica o constitucionalista próximo do PSD.
O terceiro cenário apresentado - mudar a fórmula de cálculo para todos os pensionistas, incluindo os actuais - "levanta todos os problemas que já conhecemos e sobre os quais o TC já fez jurisprudência", alerta Vasconcelos. Gouveia apenas admite essa possibilidade na eventualidade desta ser trabalhada por forma a surgir uma "diferenciação de estratos" etários.
A única proposta do FMI vista como constitucionalmente aceitável é o aumento da idade da reforma e mudança da fórmula de cálculo das pensões para os futuros reformados. "Desde que o princípio da igualdade não seja violado", resumiu Vasconcelos.
As propostas relativas à função pública também não escapam às dúvidas constitucionais. Sobre a proposta de cortes salariais permanentes para todos os funcionários, Vasconcelos afirma que "não há forma de escapar àquilo que já foi decidido pelo TC". Gouveia classifica a medida como "claramente inconstitucional", lembrando que também aqui o TC aceite o corte nos rendimentos por ser excepcional. Tornar essa amputação no salário permanente viola essa "excepcionalidade", além de pôr em causa o princípio da garantia da confiança entre trabalhador e Estado.
Quanto ao despedimento após dois anos no regime de mobilidade, as opiniões dividem-se. Vasconcelos vê nesta medida a violação do princípio da segurança jurídica e da confiança: "Quando assinaram um contrato de trabalho com o Estado não se previa essa possibilidade." Gouveia alerta, contudo, para o facto de a Constituição ser omissa em relação à mobilidade. Poderia ser aplicado, admitiu, desde que o empregador apresentasse "sempre razões objectivas e num despedimento colectivo".
No final, o constitucionalista próximo do PSD, o partido liderante da coligação, não conseguiu evitar um desabafo sobre o dia de ontem. Reconhecendo um certo sentimento de dejá-vu em relação a algumas das medidas, perguntava para que precisaria o Governo do relatório do FMI: "É triste ver um país andar a toque de caixa das organizações internacionais."
Durante o dia de ontem, foi o secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, Carlos Moedas, quem deu a cara pelo estudo. Moedas classificou o relatório como "muito completo". Uma posição bem diferente de outros membros do Governo, que receberam o documento de forma glaciar (ver texto da página ao lado). "Muito bem feito", "muito trabalhado", devendo vir a ser "lido por todos", insistia o secretário de Estado, que momentos antes afirmara ter recebido o documento há apenas algumas horas. E que por ter "medidas muito específicas", não podia assumir quais as matérias de que o Governo discordava: "São discussões sérias de mais para recebermos o relatório num dia e pronunciarmo-nos sobre ele."
"Pode ter erros factuais, esperemos que não", ressalvava ainda Carlos Moedas, referindo-se às declarações do ministro da Segurança Social, Pedro Mota Soares, que considerou que o relatório do FMI tem "pressupostos que estão errados".
O documento apresentado pelo FMI sugere a realização de reformas e poupanças em cinco áreas fundamentais: segurança social, função pública, educação, saúde e segurança, e defende que é hora de apostar em reformas "inteligentes". No entanto, as semelhanças com planos de austeridade anteriores são notórias. Por exemplo, pensionistas e funcionários públicos são outra vez os mais visados pelas medidas.
PORTUGAL JÁ TEM A MAIS ALTA TAXA DE EMPREGO A PARTIR DOS 65 ANOS
O sistema português de pensões "não fomenta a participação no mercado de trabalho", pelo contrário, fornece incentivos que são "adversos" a essa participação, defende o FMI. Mas os dados do gabinete de estatística da União Europeia (UE), o Eurostat, mostram que Portugal já tem a mais elevada taxa de emprego na população com 65 ou mais anos: 14,4%, em 2011, contra uma média de 4,8% nos 27 Estados-membros da UE. Mesmo na população entre os 50 e os 64 anos a percentagem de pessoas empregadas é ligeiramente superior à média europeia: quase metade (47,9%) está, em Portugal, no mercado de trabalho (47,4% na UE). O FMI sugere um aumento da idade da reforma dos 65 para os 66 anos. Uma análise da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) aos sistemas de pensões, divulgada em 2011, mostrava que Portugal já era um dos países onde as pessoas se retiravam mais tarde: os homens aos 67 anos, em média, e as mulheres aos 63,6. A média na OCDE era, respectivamente de 63,6 e 62,4 anos. Quanto à "idade oficial" da reforma, na OCDE é de 64,4, para eles, e de 63,1, para elas. Abaixo dos 65 anos regulamentares em Portugal. Andreia Sanches

Ministério da Solidariedade e da Segurança Social

·        Decreto-Lei n.º 3/2013: Determina que durante o ano de 2013 o pagamento do montante adicional das pensões de invalidez, velhice e sobrevivência atribuídas pelo sistema de segurança social, referente ao mês de dezembro, relativamente aos pensionistas cuja soma das pensões seja igual ou superior a (euro) 600, e do subsídio de Natal dos aposentados, reformados e demais pensionistas da Caixa Geral de Aposentações, seja efetuado em duodécimos

RELATÓRIO ENTREGUE AO GOVERNO: FMI propõe novos cortes para poupar 4 mil milhões


por Patrícia Viegas
Cortes nas pensões, cortes salariais em setores como a educação, a saúde e as forças de segurança. Estas são algumas das recomendações feitas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), num relatório que vai servir de base para um corte de 4 mil milhões de euros na despesa pública em Portugal, segundo avança hoje o Jornal de Negócios, que teve acesso ao documento de 80 páginas. Numa primeira reação, à TSF, o líder da CGTP, Arménio Carlos, disse já que tais recomendações serão rejeitadas e que tudo fará para que elas não cheguem a sair do papel.
"Propostas desta natureza terão uma rejeição total daqueles que vivem e trabalham em Portugal", disse Arménio Carlos àquela rádio, acrescentando que este relatório vem demonstrar que as políticas que têm sido seguidas não têm tido efeitos.
"Nós não aceitamos que esteja em desenvolvimento uma linha de ataque sem precedentes contra as funções sociais do Estado", disse Arménio Carlos, à TSF, sublinhando, assim, a rejeição das propostas feitas pelo estudo que o FMI enviou ao Governo do PSD-CDS/PP, liderado por Pedro Passos Coelho.
No documento o FMI sugere uma nova onda de austeridade: novo aumento das taxas moderadoras na saúde, corte nas horas extraordinárias dos médicos, redução em 14 mil do número de professores e colocação de entre 30 mil a 50 mil em mobilidade especial, delegação de competências do ensinos nos privados, despedimento, ao fim de dois anos, dos excedentários, corte de 10% em todas as reformas, possível reformulação dos cálculos das reformas que já estão a ser pagas, corte no valor do subsídio de desemprego, corte dos salários dos funcionários públicos, etc...
O relatório, que é datado de dezembro, detalha medidas que "poderão aumentar a eficiência do Estado, reduzindo a sua dimensão de forma a suportar a saída da crise". E refere que há classes profissionais (polícias, militares, professores, médicos e juízes) que têm "demasiadas regalias".
O documento da instituição chefiada por Christine Lagarde, que tem caráter meramente consultivo, sublinha, porém, que o país deve procurar um consenso social em torno das medidas que venham a ser adotadas.
Diário de Notícias, 10-01-2013

PSP foi chamada para identificar membros de junta médica


por Lusa
A PSP foi ontem à noite chamada ao serviço de verificação de incapacidade da Segurança Social do Barreiro, no distrito de Setúbal, porque o marido de uma beneficiária quis identificar os médicos que tinham acabado de dar alta à mulher.
Francisco Cruz disse à agência Lusa que chamou a PSP à Segurança Social do Barreiro porque os médicos recusaram identificar-se, quando quis apresentar uma queixa, depois de a mulher ter sido dada como apta para trabalhar.
"A minha mulher foi a uma junta médica na Segurança Social no Barreiro, e foi vista por dois médicos, que se recusaram a identificar e nem sei se são médicos", disse Francisco Cruz à Lusa.
O marido da doente adiantou: "A minha mulher está há sete meses de baixa depois de quatro tentativas de suicídio. Está a ser fortemente medicada e acompanhada".
A Lusa contactou o Instituto da Segurança Social que confirmou que a mulher, de 43 anos, tinha estado hoje numa comissão de verificação temporária no Serviço de Verificação de Incapacidade, no Barreiro.
"Confirmamos que, após a tomada de conhecimento da decisão médica, o marido da beneficiária chamou a PSP por não ter identificação individual dos médicos que compuseram a comissão", refere, em comunicado enviado à Lusa.
O documento acrescenta que a PSP não procedeu à identificação individual dos médicos.
"Para efeitos de reclamação de uma decisão da comissão de verificação, e tal como foi informado pelos serviços a esta beneficiária e ao marido, a identificação é feita pelo número da comissão, que neste caso, como em todos, foi facultado", defende.
O Instituto de Segurança Social refere ainda que quando uma comissão de verificação decide que um beneficiário está apto para trabalhar, mas o médico assistente diz não estar, o beneficiário pode pedir uma reavaliação no prazo de 10 dias.
"As comissões de verificação são compostas por peritos médicos e, para garantir toda a objetividade nestes processos de verificação de incapacidade, procede-se à rotatividade dos médicos que integram as comissões", esclarece.
Francisco Cruz afirmou que já solicitou o pedido de reavaliação e que pretende formalizar a queixa nas autoridades.
Diário de Notícias, 10-01-2013

EX-AUTARCAS DE LISBOA: Arguidos do caso Bragaparques recusaram falar


por Lusa, publicado por Ana Meireles
Os arguidos do caso Bragaparques, entre eles, os ex-autarcas Carmona Rodrigues, Fontão de Carvalho e Eduarda Napoleão, recusaram hoje prestar declarações na primeira sessão do reinício do julgamento do caso da permuta do Parque Mayer e da Feira Popular.
Os advogados de defesa consideraram que a acusação do Ministério Público - de que os arguidos "agiram consciente e deliberadamente" em benefício da entidade privada (empresa Bragaparques, que detinha o Parque Mayer) em prejuízo da autarquia (que detinha a Feira Popular) - a ser provada estaria no campo administrativo e não criminal.
Os causídicos falavam hoje nas Varas Criminais de Lisboa, primeira sessão do reinício do julgamento do caso da permuta do Parque Mayer e Feira Popular, na qual os seis arguidos (quatro por prevaricação de titular de cargo político e dois por abuso de poder) recusaram prestar declarações.
Rui Patrício, advogado de defesa da ex-vereadora Eduarda Napoleão, afirmou que o "silêncio é simbólico para sublinhar que a decisão já foi tomada" e reiterou que os factos mesmo que verdadeiros têm relevância administrativa e não criminal.
A advogada do antigo presidente da autarquia da capital Carmona Rodrigues recordou que o Tribunal de Instrução Criminal já tinha considerado "inútil" o processo, com o anterior coletivo de juízes a entenderem que os factos da acusação não eram considerados "matéria criminal", mas somente do foro administrativo.
Por isso o silêncio dos arguidos, uma vez que, salientou, por seu turno, a advogada do anterior vice-presidente de Carmona, Fontão de Carvalho, "a decisão sobre os factos já foi proferida".
Além disso, acrescentou, a decisão do Tribunal da Relação - que manda repetir o julgamento, dando razão a um recurso do Ministério Público no ano passado - "não põe em causa" que os arguidos não tenham agido para valorizar a Bragaparques em prejuízo do município.
O advogado da ex-vereadora do Urbanismo Eduarda Napoleão afirmou que "é em absoluto falso" que os arguidos tenham agido "consciente e deliberadamente" e que "é um mito" que a entidade privada tenha sido beneficiada.
Por fim, a advogada de Remédio Pires, dos serviços jurídicos da câmara, considerou que "não faz sentido nenhum" repetir o julgamento e o advogado dos dois arquitetos da câmara José Azevedo e Rui Macedo - arguidos por abuso de poder - disse "não haver nada a acrescentar".
A juíza presidente do coletivo, Catarina Pires, marcou para dia o próximo dia 16 da audição de um perito de urbanismo e para dia 23 a audição do deputado socialista Vasco Franco e do provedor da Santa Casa da Misericórdia Pedro Santana Lopes.
Este caso remonta ao início de 2005, quando a Assembleia Municipal de Lisboa aprovou por maioria, com exceção da CDU, a permuta dos terrenos do Parque Mayer, então detidos pela empresa Bragaparques, com parte dos terrenos municipais da antiga Feira Popular, em Entrecampos.
Na ocasião, era presidente da câmara (eleito pelo PSD em 2004) Carmona Rodrigues. Em 2007, depois de Carmona Rodrigues ter sido constituído arguido, vereadores do PSD e os eleitos de todos os partidos da oposição renunciaram aos mandatos, precipitando a queda do executivo, por falta de quórum.
Foi três anos depois que o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa considerou "inútil" este julgamento, entendendo ainda que a decisão final "não coube aos arguidos", mas à assembleia municipal.
Os três ex-responsáveis da Câmara de Lisboa podem ser punidos com pena de prisão até oito anos, por prevaricação de titular de cargo político, crime que decorre da infração de normas legais no exercício destas funções e que engloba a chamada participação económica em negócio.
Diário de Notícias, 10-01-2013

Polícia não pode por sua iniciativa ver as imagens não editadas das televisões



A PSP e a GNR não podem, por iniciativa própria e sem autorização judicial, aceder ou visionar imagens brutas captadas por órgãos de comunicação social, designadamente televisões.
A única coisa que lhes é permitida é, se tiverem “fundado receio” que as imagens possam ser eliminadas ou alteradas, dar uma ordem ao meio de comunicação social para preservar esses dados, que poderão ser depois solicitados por magistrados, no âmbito de um processo-crime.
Quem o diz é o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, que emitiu um parecer sobre o polémico o caso das imagens solicitadas pela PSP à RTP relativas aos confrontos ocorridos ao início da noite, em frente ao Parlamento, na manifestação de 14 de Novembro, dia da última greve geral.
Este caso esteve na origem da demissão do director de informação da RTP, Nuno Santos, de inquéritos e audições na RTP e na Assembleia da República e de um processo de averiguação por parte da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC).
O parecer tem 68 páginas e é assinado pela própria Joana Marques Vidal, nova procuradora-geral da República e mais sete magistrados, um dos quais apresenta uma declaração de voto. Maria Manuela Ferreira concordou com as conclusões do parecer apenas expressando reservas quanto à delimitação do objecto da análise (limitado aos processos penais).
Ao longo do documento, repete-se várias vezes que a actuação das forças policiais no âmbito de um processo-crime tem que estar dependente das autoridades judiciárias, nomeadamente do Ministério Público que dirige a investigação. “Relativamente a todas as questões de recolha de prova para efeitos de processo penal os órgãos de polícia criminal estão funcionalmente dependentes da autoridade judiciária”, lê-se no texto, homologado nesta quarta-feira pelo ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, que tem a tutela da PSP e GNR.
Os magistrados admitem que as regras serão diferentes se o objectivo das polícias no acesso às imagens não for a responsabilização penal, mas a prevenção criminal. “Importa destacar que existe um outro campo jurídico relativo às medidas de polícia que integram vertentes preventivas, em especial quanto a perigos que afectam valores fundamentais, como o terrorismo”, diz o parecer. Nessas medidas, que não visam exclusivamente fins processuais penais, “podem ser envolvidas exigências de concreta ponderação dos interesses em conflito, em que, como em geral em qualquer situação de ponderação de valores, é necessária concordância prática”, sublinha.
Quanto à questão principal, que os magistrados colocam no âmbito do processo penal, a polícia tem pouca margem de manobra.“Se autoridade ou órgão de polícia criminal da PSP ou da GNR tiver conhecimento de que elementos de um órgão de comunicação social recolheram imagens que podem ser relevantes para investigar a existência de um crime (...) deve comunicá-lo no mais curto prazo ao MP para este decidir ou promover o que tiver por conveniente”, referem.
Se a PSP ou a GNR tiverem receio que essas imagens possam “perder-se, alterar-se ou deixar de estar disponíveis, existindo urgência ou perigo na demora e não sendo possível contactar tempestivamente magistrado do MP, pode ordenar a quem tenha disponibilidade ou controlo desses dados que os preserve”.
Emitida essa ordem, as forças policiais devem informar “de imediato” a autoridade judiciária que dirige a investigação. Mas mesmo esta ordem está limitada a um período temporal de três meses. “A injunção policial deve discriminar a natureza das imagens, a sua origem e destino, se forem conhecidos, e o período de tempo pelo qual as imagens deverão ser preservadas, até um máximo de três meses”, concluem.
Público, 10-01-2013

Tribunal de Coimbra considera que “palmada no rabo” pode ser medida correctiva


Instituição que acolhe portadores de deficiência mental foi obrigada a indemnizar funcionária que tinha despedido por agredir utentes.
Uma sentença do Tribunal do Trabalho de Coimbra considera que o facto de uma funcionária do lar residencial de S. Silvestre, da Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental de Coimbra (APPACDM), ter desferido uma palmada no rabo de um rapaz de 14 anos e de ter apertado o nariz a outro para o forçar a comer um iogurte não constituem motivos válidos para o seu despedimento.
Por isso, a juíza responsável pelo caso condenou a instituição, vocacionada para o acolhimento de cidadãos portadores de deficiência mental, ao pagamento de uma indemnização no valor de 6700 euros àquela funcionária.
Na sentença a que o PÚBLICO teve acesso, a juíza considera que a palmada no rabo “não foi totalmente gratuita, desproporcionada ou excessiva” e diz que a força física “utilizada por alguém que, de alguma forma, até por ser mais velho, disciplina e orienta em termos educacionais um adolescente ‘que se está a portar mal’”, configura uma medida de cariz correctivo e educativo.
A presidente da APPACDM, Helena Albuquerque, mostra-se indignada. “O exercício de violência sobre os nossos jovens é um comportamento que nós não toleramos de forma nenhuma. Foi, aliás, por causa disso que demos formação aos nossos funcionários sobre técnicas de imobilização, para impedir os distúrbios sem causar sofrimento, porque é verdade que alguns dos nossos jovens podem ficar agressivos”, afirma, para questionar: “Com que autoridade posso eu agora dizer aos funcionários que não podem, em circunstância nenhuma, usar de violência sobre os utentes?”.
O tribunal deu como provado que a funcionária, contratada em 2003 para trabalhar directamente no apoio aos portadores de deficiência mental, obrigou, em Junho de 2012, um dos utentes do lar a ingerir um iogurte que este recusava. “Sem que previamente tivesse sido solicitado o seu auxílio, a trabalhadora/requerente retirou o iogurte da mão da colega [...] e, apertando o nariz do utente [...] por forma a que este abrisse a boca fez com que o mesmo ingerisse o iogurte”. Daí resultou que a ingestão do iogurte se tivesse processado “através de colheradas rápidas, sem que, todavia, o utente se engasgasse”.
Noutra altura, perante a recusa de um utente de 14 anos em tomar banho, tendo este chegado a atingir a funcionária com umas sapatilhas, aquela deu-lhe uma palmada no rabo, “que não lhe deixou marca visível no corpo”. Ora, embora considere que a funcionária assumiu comportamentos “menos correctos” e louve a preocupação da entidade empregadora quanto ao não emprego da força física, o tribunal considera que, naquela situação em concreto, a palmada “não foi totalmente gratuita, desproporcionada ou excessiva”. E conclui assim que tais comportamentos não assumem “uma gravidade tal” que não permita “a manutenção da relação de trabalho”.
Para Helena Albuquerque, o tribunal “abre um precedente muito grave, nomeadamente quando considera que o bater pode ser uma atitude correctiva”. Mais ainda porque o universo de utentes em causa é composto por portadores de deficiência muitas vezes para ali encaminhados pelos tribunais por terem sido vítimas de maus-tratos na família. “A partir de agora, sempre que quiser dizer ‘não batam’, não vou poder, porque uma instituição de justiça do país diz que essa pode ser uma forma de corrigir e educar”, conclui.
Público, 10-1-2013

Juízes portugueses negam ter regalias e regime de aposentação privilegiado

Juízes portugueses negam ter regalias e regime de aposentação privilegiado
O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) negou esta quarta-feira que os magistrados tenham regalias e regime de aposentação privilegiado e refutou dados do relatório encomendado pelo Governo ao FMI (Fundo Monetário Internacional) sobre a despesa do Estado.
20:45 - 09 de Janeiro de 2013 | Por Lusa
"Os juízes têm um regime de jubilação que estabelece e garante os direitos e deveres que têm durante toda a vida. Não é um privilégio dos juízes, é uma garantia de independência durante toda a vida", referiu à agência Lusa o presidente da ASJP, Mouraz Lopes.
O juiz conselheiro notou que "o relatório parte de alguns pressupostos que são notoriamente errados" e exemplifica com "o ponto em que se refere que os juízes descontam ao longo da vida o mesmo que os militares".
"O regime dos juízes não é igual ao dos militares", esclareceu, concluindo que "está errado", pelo que, sublinhou, "a partir daí, é construído um conjunto de recomendações com as quais não se pode concordar.
Sustentando que "um relatório desta natureza precisava do máximo de rigor", Mouraz Lopes afirmou também que não se pode "comparar os juízes aos militares e aos diplomatas".
O presidente da ASJP criticou ainda que "é falsa" a referência de que os juízes descontam mais de um ano por cada ano de serviço.
O FMI sugere no relatório divulgado hoje mudanças no sistema de pensões, como cortes transversais entre 10 e 15% e o aumento da idade da reforma para os 66 anos.