domingo, 30 de setembro de 2012

Fundamentalismos

Sentir o Direito

Por: FernandaPalma, Professora Catedrática de Direito Penal
Existe uma liberdade de expressão acima da qual nenhum direito merece proteção? Este problema subjaz à reação do Ocidente ao filme sobre Maomé que desencadeou a violência em vários países islâmicos. Se as correntes islâmicas radicais pretendem silenciar qualquer crítica, há meios ocidentais que encaram a liberdade de expressão como direito absoluto.
No caso do filme divulgado na internet, esses meios sustentaram a ausência de limites para a liberdade de expressão. Assim, abstraíram das consequências, que puseram em causa os esforços mais recentes de diálogo entre civilizações, e não consideraram relevante que muitos milhares de islâmicos se sentissem injuriados (o que até pode ter sido pretendido).
Se, perante a situação explosiva que atravessamos, alguns insistem em exibir o filme mesmo sabendo que é uma obra execrável e destinada a injuriar islâmicos, então estamos perante a afirmação de um direito absoluto. Tratar--se-á, pois, de algo idêntico, pela sua natureza, a um fundamentalismo religioso, que não admite qualquer contraditório ou rivalidade.
É verdade que as pessoas que praticaram os atos de violência terríveis a que todos assistimos – por causa ou com o pretexto do filme – não têm qualquer justificação. Não são manifestantes a exprimir os seus legítimos pontos de vista, mas sim criminosos que devem ser responsabilizados pelas suas condutas: ameaças, ofensas corporais e homicídios.
Todavia, aqueles que persistem em ridicularizar ou denegrir as bases de uma religião, sem afirmar qualquer valor cultural ou artístico, violam dois princípios básicos da sociedade democrática. Põem em causa a dignidade de pessoas em função da sua religião e a própria liberdade de expressão, na medida em que a desmaterializam e convertem num fundamentalismo.
Se a liberdade de consciência é inviolável, a liberdade de expressão está sujeita, em Democracia, a conflitos com outros direitos fundamentais, como o bom nome, a reserva da intimidade ou a liberdade religiosa. Esses conflitos devem ser dirimidos salvaguardando sempre o núcleo essencial dos direitos em jogo, tal como prescreve o artigo 18º da nossa Constituição.
É duvidoso colocar no mesmo plano uma obra de arte e aquilo que se limita a ser um produto ofensivo. Entre o filme sobre Maomé e os ‘Versículos Satânicos’ de Salman Rushdie ou ‘A Última Tentação de Cristo’ de Martin Scorsese vai uma distância abissal: a distância que separa o exercício do direito de expressão artística de uma mera provocação.

“Impõe-se reforçar a justiça e a igualdade”

Entrevista
economico.pt  - 30/09/12
Paula Cravina de Sousa e Lígia Simões   
Guilherme d’Oliveira Martins fala do estado da justiça tributária.
O ex-ministro das Finanças do Governo de António Guterres diz que têm sido feitos progressos nos últimos anos, mas afirma que é necessária maior estabilidade no que respeita à "simplificação legislativa, verdade fiscal e celeridade processual". Neste sentido, o presidente do Tribunal de Contas é favorável à arbitragem tributária, já que pode "contribuir para uma justiça tributária mais célere e eficaz".
Que balanço faz da justiça tributária em Portugal?
Falar da justiça tributária obriga a considerar a necessidade de um equilíbrio efectivo entre eficiência e equidade. Tem havido progressos nos últimos anos, que não devem ser perdidos. Os direitos dos contribuintes têm de ser assegurados ao lado das responsabilidades fiscais e do combate à fraude e à evasão fiscais. Simplificação legislativa, verdade fiscal e celeridade processual exigem-se - e nesse ponto tem havido avanços e recuos que devem dar lugar a maior estabilidade.
A litigância está a aumentar? Porquê?
A litigância aumenta sempre que a equidade diminui. Impõe-se, por isso, reforçar a justiça e a igualdade.
É favorável à arbitragem tributária?
Os instrumentos de arbitragem são positivos e fazem parte de uma administração moderna, uma vez que podem contribuir para uma justiça tributária mais célere e eficaz.
Por que é que o Estado ainda perde muitos processos contra os contribuintes?
Isso acontece, uma vez que a complexidade e a burocracia ainda têm muito peso. Por outro lado, há que previamente equacionar a viabilidade jurídica de alguma dessa litigância. Os litígios devem ser encarados como factores de justiça, de eficiência e de verdade.
O pacote anticorrupção, que entrou em vigor em 2010, e os actuais instrumentos legais são suficientes para contrariar a imagem de que a corrupção é um fenómeno que obriga a um maior esforço e exigência? O que falta ainda neste combate?
Depois dos Planos de Prevenção de Riscos de Corrupção e Infracções Conexas estamos agora empenhados na disciplina respeitante aos conflitos de interesses. Por outro lado, a cooperação com o Ministério Público tem tido um reforço significativo com clara melhoria da circulação de informação entre a instituição de prevenção e a investigação criminal.